Enfrentados (e/ou comemorados) os rituais festivos de final e início de ano, é hora de organizar o calendário de eventos, as coberturas de festivais e os aniversários de amigos. Quando pensávamos que a adesão populacional às campanhas de vacinação estava a erradicar a Covid-19, novas variantes surgem e os planos presenciais são mais uma vez adiados: tal como vem acontecendo nos últimos dois anos, as exibições cinematográficas parcial ou completamente ‘on-line’ serão mantidas. Dentre elas, a Mostra do Filme Livre, cuja vigésima edição – após uma breve interrupção – ocorre entre os dias 10 e 16 de janeiro de 2022. Tema comum aos filmes selecionados: a pandemia, justamente!
Segundo o organizador da mostra em pauta, o produtor Guilherme Whitaker, foi um grande desafio “realizar um evento que exiba ótimos filmes que tratam de um tema tão difícil e pesado”. Centenas de produções, nas mais variadas durações, foram enviadas para os curadores, até que se chegasse a um recorte competitivo com trinta títulos, divididos em curtas, médias e longas-metragens. Como elemento de intersecção, a abordagem de aspectos relacionados à quarentena e à contaminação generalizada pelo CoronaVírus. Ainda é imperativo proteger-se!
No período concernente à edição virtual deste evento – que pode ser conferido neste sítio eletrônico –, os espectadores poderão assistir não apenas a essa trintena de filmes, mas também a vinte e oito produções convidadas, numa mostra não competitiva. Entre elas, o longa-metragem “Os Desafinados” (2008, de Walter Lima Jr.), numa homenagem ao ator e produtor musical Octávio III [1936-2020], e os interessantíssimos curtas-metragens “A Destruição do Planeta Live” (2021, de Marcus Curvelo) e “O Durião Proibido” (2021, de Txai Ferraz), para ficar em títulos sobremaneira elogiados pela crítica.
O adjetivo atrelado ao certame não é casual: a Mostra do Filme Livre enfatiza a diversidade nos conteúdos e modos de feitura, de maneira que, para além do tema unificado, são exibidos os olhares mais diversos possíveis sobre o assunto – desde a troca de videocartas entre os diretores do média-metragem “Domício Incerto” (2020, de Davi Mello & Deborah Perrotta) até a metalinguagem teatral contida em “A Quarta Zaragata Porvindoura” (2020, de Georgette Fadel). Opções para os mais variegados gostos não faltarão!
Compreensivelmente, a maior parte dos filmes selecionados provém da região Sudeste do Brasil, com nove realizados em São Paulo, oito no Rio de Janeiro e três em Minas Gerais. Entretanto, quase todas as regiões estão representadas: há três produções pernambucanas, duas provenientes de Sergipe e curtas-metragens representando Alagoas, Ceará, Paraná, Rio Grande do Sul e Roraima. Um destaque: “O Ciclope” (2021, de Guilheme Cenzi & Pedro Achilles), sobre as lembranças da visita de um jovem ao seu pai encarcerado, onde há um paralelismo com a lenda de um ser mitológico que já nasce sabendo o dia em que vai morrer…
Reiterando-se que todos os títulos merecem ser conferidos e debatidos, pede-se licença nestes parágrafos finais para recomendar um curta-metragem em particular, o sergipano “O Futuro é um Vazio” (2020), dirigido por este articulista que vos escreve. Trata-se de uma obra cuja pujança e dramaticidade advêm de um fato alarmante: o material original era um amontoado de intenções audiovisuais de suicídio, afinal ressignificadas através da montagem do realizador Fábio Rogério, também sergipano, amigo íntimo do diretor. Passado algum tempo desde que as imagens foram captadas, o registro fílmico decorrente surge como testemunho de resiliência, como declaração de enfrentamento a um terrível surto depressivo, muito freqüente nos primeiros meses de confinamento, quando a pandemia foi assim categorizada.
No filme, acompanhamos o cotidiano de Wesley, um rapaz solitário que vive com sua mãe e seu irmão, num ambiente periférico. Não vemos os demais convivas do personagem real e ele interage compulsivamente com a câmera de seu telefone celular, inclusive questionando a possível ficcionalização de seu dia a dia. A estrutura narrativa é permeada pela crueza documental, mas as referências artísticas do realizador-protagonista permitem a detecção de algum humor, como quando, com uma tesoura enfiada em seu pescoço, ele decide cortar o cabelo, por não conseguir efetivar as suas volições suicidas. Noutro momento, sobremaneira poético, as imagens de flores acompanham um pedido de desculpas, direcionado a alguém por quem ele está apaixonado. Seria este o próprio espectador?
A instabilidade psicológica verificada neste curta-metragem encontra eco em outros dos títulos apresentados na Mostra, onde podemos encontrar títulos mui sugestivos como “Conversa com o Vazio”, de Shay Esterian (representando o Rio de Janeiro), “Corpo Infamiliar”, de Jéssica Dias (Sergipe) e “Trabalho é Campo de Guerra”, de Pedro Carcereri (Minas Gerais). Apesar de estes filmes serem exibidos num recorte competitivo e de terem sido produzidos isoladamente, a relação entre eles é de complementaridade, de mútua compreensão acerca de uma circunstância assaz demarcante neste início de século XXI. Que a Mostra do Filme Livre siga firme no resgate destes esforços resistentes, convertidos em potentes e irregulares obras de arte!
Wesley Pereira de Castro.




3 respostas
Parabens e muito sucesso🙌👏👏👏
Parabens pelo belo texto e pelo seu filme que trata de um tema tão pouco trazido à tona, obrigado por estar conosco este ano, a nossa luta, por mais arte e cultura, nunca foi nem será em vão, avante!!!
Sempre textos provocativos e agora com uma indicação de curta-metragem tão provocativa quanto a proposta no curta. Tema desafiador e tão pouco retratado. Sucesso Sempre!