Temos um Melhor Filme do Ano? (Um texto enquanto despedida subjetiva – ao menos, por enquanto)

Nas mais de três horas de duração de “RRR: Revolta, Rebelião, Revolução”, o espectador não tem tempo para ficar entediado: o filme é tecnicamente irrepreensível e fascinante em suas pulsões genéricas assaz exageradas. As intervenções musicais são acachapantes e os momentos de embate são estrondosos: o filme é superlativo em termos fotográficos, sonoros, directivos, actanciais e discursivos (vide o modo imponente como a bandeira indiana surge, em mais de uma seqüência). Os efeitos visuais são esplêndidos – havendo um aviso inicial de que os animais que aparecem em cenas de lutas foram inseridos digitalmente. Trata-se de uma grata surpresa, que, no momento em que escrevo estas linhas, configura-se como o melhor filme contemporâneo visto em 2022.

“A gente tem que ter um sonho, não é?”: a democracia enquanto fábula aplicável!

Declarando hipocritamente que são patriotas, os manifestantes de extrema-direita aproveitam qualquer oportunidade para cantar o Hino Nacional Brasileiro e/ou entoar orações em voz alta. Mas ignoram aspectos importantes da constituição cultural do país, visto que o ministério concernente a esta área foi extinto na gestão presidencial de Jair Messias Bolsonaro. O restabelecimento do Ministério da Cultura será uma das primeiras providências corretivas do novo mandato do presidente eleito. E, por conta disso, temos a obrigação de exaltar alguns valorosos filmes brasileiros que estão estreando em circuito comercial, como o ótimo “Paloma” (2022, de Marcelo Gomes).

Acerca dos gritos de “Fora, Bolsonaro!” no Festival de Cinema de Gramado: quando a Arte vence, há resistência!

Os discursos dos premiados foram unânimes no repúdio ao atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que desvaloriza a diversidade cultural do país em suas intervenções de extrema-direita. A quase totalidade dos profissionais que foram focalizados pelas câmeras que transmitiam o evento foram flagrados difundido o seu apoio ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, o que é metonimizado através de um gesto com as mãos, que imita a letra L.

“Sem Carnaval, não se pode reiniciar a vida cotidiana”, ou uma tentativa de (re)afirmar-se, para além da polarização político-partidária

A extrema-direita segue disseminando-se em vários países, na contemporaneidade. E, de forma tão discreta quanto intensiva, é isso que percebemos nas entrelinhas do documentário “Terminal Norte” (2021, de Lucrecia Martel), através do viés exaltador que salta aos ouvidos na música de resistência composta e cantada pelas personagens escolhidas pela diretora, que demonstram-se contestatórias pela simples existência!

Se tu sobreviveste à pandemia, siga fazendo-o: o Cinema te dá os parabéns!

Tal como vem acontecendo nos últimos dois anos, as exibições cinematográficas parcial ou completamente ‘on-line’ serão mantidas. Dentre elas, a Mostra do Filme Livre, cuja vigésima edição – após uma breve interrupção – ocorre entre os dias 10 e 16 de janeiro de 2022. Tema comum aos filmes selecionados: a pandemia, justamente!

“Passei muito tempo da minha vida sentindo medo”: Para que acolher? Por que se importar?

Escolhido para representar a Bulgária na possibilidade de indicação a uma vaga na categoria de Melhor Filme Estranheiro, no Oscar 2022, “Medo” possui um diferencial singelo em relação a inúmeros títulos semelhantes: aborda a questão tensa dos imigrantes ilegais na Europa através de um viés ousadamente cômico. O que não elimina uma dramaticidade intensificada, contornada no desfecho pelo incentivo à esperança.

Na impossibilidade de uma feijoada militante, um bom cozido cinematográfico antirracista…

Em exibição nalgumas salas de cinema e disponível através do serviço de ‘streaming’ GloboPlay, o longa-metragem “Doutor Gama” permite que o diretor Jeferson De restabeleça a urgência de seus mandamentos reivindicativos. Na trama, o personagem-título encara os espectadores de frente e pergunta-nos como conseguimos ser coniventes com a morte de tantas pessoas, por causa do racismo – que possui um acentuado viés estrutural, no país. Até que acompanhamos, em ‘flashback’, os fatos que possibilitaram que, antes de a escravidão ser abolida no Brasil, ele tenha conseguido formar-se em Direito.

“Eu não quero pão com geléia de morango!”, ou a importância (sobrevivencial) de focar em boas notícias…

Passados quase dois anos desde que surgiram os primeiros casos do CoronaVírus na China, a população mundial está saturada de enumerar mortos, de lidar com as irresponsabilidades administrativas de seus representantes políticos, de estar confinada. E, como tal, as aberturas benfazejas de reconstituição social através da educação e da arte são extremamente urgentes – e possíveis. Ao final desse artigo, falaremos sobre a noticiabilidade de uma delas. Por ora, é necessário recomendar um longa-metragem brasileiro contemporâneo, sobremaneira oportuno: “A Nuvem Rosa” (2021, de Iuli Gerbase).

Diálogo com o público: “Para que o povo lute, ele precisa saber que houve quem lutasse antes”!

Apesar de ser o protagonista do filme que leva seu título, Carlos Marighella não vive isolado. Pelo contrário: é cercado de jovens motivados – e atravessados por inevitáveis contradições sociais –, que o ajudam a pôr em prática os seus ataques contra a violência ditatorial. Porém, o filme parece duvidar da melhor abordagem ativista: por vezes, adere às táticas de guerrilha baseadas na lógica do “olho por olho, dente por dente”; na grande maioria das cenas, opta por digressões familiares que não funcionam a contento.

“Não escute os poços. Eles são traiçoeiros”: uma ou outra palavra sobre a Memória enquanto resistência…

Analisando-se “A Voz da Lua” (1990, de Federico Fellini) hoje, num contexto muito diferente da era em que foi realizado, percebemos o quanto o diretor parecia clamar por algo que, por mais óbvio que estivesse, não foi bem compreendido durante o lançamento: os admiradores do realizador esperavam encontrar no filme a confirmação de seus apanágios autorais, mas depararam-se também com um enredo que tematiza metaforicamente as derrotas recorrentes da esquerda política…

Sem a prerrogativa da dúvida, “quanto mais se pode ver, mais se pode cometer erros”!

O lançamento de um documentário como “Não Haverá Mais Noite” (2020, de Eléonore Weber) surpreende pela aplicação prática das teorias virilianas, numa conjuntura assaz contemporânea: é o corolário perfeito (e apavorante) do combate de narrativas, convertido em potenciais genocídios, que caracteriza a chegada ao poder das facções de extrema-direita, além de metonimizar a perene atividade destrutiva do imperialismo estadunidense ao redor do mundo.

Ressignificando más notícias: “essa dor que sentes é porque estás a virar pajé”!

Numa má conjuntura noticiosa, que afeta de maneira determinante as comunidades indígenas do País, a disponibilização do filme “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos” (2018, de João Salaviza & Renée Nader Messora) surge como recomendação mais que benfazeja. Premiado na mostra ‘Un Certain Regard’ do Festival Internacional de Cinema de Cannes, este longa-metragem rodado em Tocantins destaca-se pela sensibilidade sobressalente de seu roteiro.

“Não é loucura, é dor!”: o presente é música de resistência!

Dirigido pelo jovem realizador Fradique, “Ar Condicionado” (2020) consegue a proeza de adequar elementos dos gêneros musical e ficção científica à realidade cotidiana de Luanda, capital de Angola. O estilo do roteiro possui o elã fantástico das narrativas caras a escritores como José Saramago e Mia Couto, mas sob uma perspectiva assaz pessoal, visto que o país é marcado por duradouras guerras civis, que ainda deixam máculas profundas no dia a dia dos habitantes.

Sobre a vicinalidade ou por que devemos prestar atenção a quem está do nosso lado

Em dezembro de 2019, a revista Cahiers du Cinéma publicou um grande elogio ao filme brasileiro “No Coração do Mundo” (2019, de Maurílio Martins & Gabriel Martins). Segundo a publicação em pauta, que reproduz um elogio do cineasta Kléber Mendonça Filho, este filme seria “um dos melhores da atual ‘nouvelle vague’ brasileira, e é precisamente o que o desastre político quer erradicar: apaixonado e verdadeiro”.

“Quando assistir ao noticiário tornou-se algo tão interessante?”: da TV para a vida real, e-ou vice-versa

Depois de receber um prêmio Emmy de Melhor Comédia por um especial de Natal realizado em 2018, no qual Jesus Cristo desaparece após alcoolizar-se na Última Ceia, a Netflix realizou uma releitura bíblica ainda mais audaciosa, envolvendo menções homossexuais e toxicomaníacas. Como consequência, alguns alardistas pretensamente religiosos iniciaram um boicote à plataforma. A audiência ao […]

Interstício confessional – ou do abandono (aparente) quando ocorre o inevitável

Na conjuntura política atual, torna-se um ato de pura resistência subversiva voltarmo-nos para a genialidade de Jerry Lewis: conhecido por seu mau humor fora das telas e pelos rompantes atrozes de depressão, ele era um verdadeiro mestre da ‘mise-en-scène’ diante das câmeras, além de criar um tipo muito peculiar de interpretação cômica que ressignificava a noção dostoievskiana de idiotia

Interstício confessional – ou do abandono (aparente) quando ocorre o inevitável

Na conjuntura política atual, torna-se um ato de pura resistência subversiva voltarmo-nos para a genialidade de Jerry Lewis: conhecido por seu mau humor fora das telas e pelos rompantes atrozes de depressão, ele era um verdadeiro mestre da ‘mise-en-scène’ diante das câmeras, além de criar um tipo muito peculiar de interpretação cômica que ressignificava a noção dostoievskiana de idiotia

Resistir

Resistimos porque resistir é o que faz a América desde a invasão dos europeus.