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“Se paramos de respirar, morremos; se paramos de resistir, o mundo morre!”

“Se paramos de respirar, morremos; se paramos de resistir, o mundo morre!”

A frase acima é pronunciada de maneira rápida, no meio de uma disputa dialogística, no clássico hollywoodiano “Casablanca” (1942, Michael Curtiz). Apesar da celeridade, o impacto é certeiro: afeta-nos diretamente, como tudo neste filme. Na situação em pauta, o líder resistente tcheco Victor Laszlo (Paul Henreid) tentava convencer o empedernido Rick Blaine (Humphrey Bogart) a entregar-lhe dois salvo-condutos que poderiam assegurar a fuga do terreno neutro marroquino para os EUA, em razão de ser perseguido afoitamente pelos nazistas. Mas o amor por uma mesma mulher interpunha-se entre os dois. Seria o rancor individual capaz de interditar um ato que poderia salvar muitas pessoas? Eis a pergunta que baliza todo o filme…

Apesar de ser vendido publicitariamente como um exemplar modelar do cinema romântico, “Casablanca” o é também na acepção mais idealizada do termo. Seu discurso é predominantemente político, ainda que atravessado pelos interesses vendáveis do ‘studio system’. Realizado de maneira bastante conturbada, ele logo converteu-se num dos melhores filmes de todos os tempos. À época de seu lançamento, recebeu os prêmios Oscar de Melhor Filme, Diretor e Roteiro Adaptado. Mas é muito mais que isso: é um libelo bastante fundamentado contra a ascensão nazista, que destroçava a Europa naquele momento. Correspondia ao afã de Hollywood em apoiar os aliados antifascistas após a entrada decisiva dos Estados Unidos da América na II Guerra Mundial. Divertia e conscientizava em iguais medidas. E, revisto hoje, demonstra-se ainda bastante atual.

No último dia 26 de maio de 2019, no Brasil, asseclas do atual (de)governo foram às ruas, a fim de demonstrar apoio às medidas estultas levadas a cabo pelo presidente Jair Bolsonaro. A despeito das divergências quantitativas em relação à quantidade de pessoas que compareceu a tais manifestações de apoio, o que preocupa-nos sobremaneira é a inversão completa de valores cívicos que está sendo defendida por estas pessoas: comemoram o corte de verbas públicas à Educação, ignoram as vitórias insignes de filmes brasileiros no recente Festival Internacional de Cinema de Cannes, defendem ostensivamente o armamentismo, incitam a cólera por não possuírem argumentos válidos de diálogo democrático e calam-se frente às denúncias de corrupção envolvendo parentes e/ou funcionários do atual presidente da República. Mais ou menos o que encontrávamos nos interstícios marginais do filme supracitado.

Para além do triângulo amoroso que é central na trama, encontramos diversos personagens secundários em “Casablanca”: mercadores clandestinos, refugiados, traidores, ladrões, prostitutas forçosas e toda uma malta de caracteres sórdidos que amontoam-se em meio ao caos advindo de qualquer conflito mundial. Dentre estes, destaca-se o capitão Renault (Claude Rains), que comanda a polícia local sob os auspícios vilanazes do cerceamento nazista, então representado pelo major Strasser (Conrad Veidt), com quem ele não simpatiza. Numa cena-chave, quando a execução do hino nacional da França (“A Marselhesa”) é entoado vivazmente para suplantar um canto hitlerista, este capital ousa tachar o protagonista de não-patriota, quando ele próprio é francês. Ou seja, a pecha adéqua-se precisamente a si mesmo, traidor de sua pátria invadida, mas é direcionada a outrem, dadas as conveniências torpes do contexto político oportunista em que chafurda. É necessário assumir o paralelismo com a situação brasileira atual ou a carapuça serve automaticamente?

Ao longo desta resenha, fica a impressão de que Hollywood está sendo exaltada em suas boas intenções de resolução bélica. Sabemos, entretanto, que o que ocorre aqui é motivado por interesses monetifágicos, afinal recompensados pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, além das bilheterias acachapantes que o filme conquistou ao longo de seus relançamentos posteriores. No Brasil, verifica-se uma situação semelhante a partir dos arroubos de propaganda anti-bolsonrista despejados pela TV Globo nos meandros de sua programação habitual. Os interesses escusos inviabilizam o objetivo enfatizado? Os ataques antifascistas provenientes de um baluarte do capitalismo midiático seriam menos merecedores de atenção e valorização que outras medidas protestantes assumidamente esquerdistas? Os fins emergenciais justificam os meios assimilados? As perguntas acumulam-se após a revisão do filme…

Por fim, cabe reverenciar aqui o nome de Ingrid Bergman (1915-1982). Musa absoluta do ‘star system’ hollywoodiano, esta atriz possui uma biografia marcada por surpreendentes reviravoltas, inclusive um posterior relacionamento atribulado com o mestre do neo-realismo italiano Roberto Rossellini (1906-1977), com que teve três filhos. Em “Casablanca”, ela interpreta Ilsa Lund, esposa abnegada do líder resistente, que teve um caso com o protagonista norte-americano quando esteve em Paris, enquanto seu esposo estava confinado num campo de concentração. No reencontro com seu amado não mais visto, a canção-tema explica que “um beijo é sempre um beijo/ um suspiro é exatamente um suspiro/ mas as coisas fundamentais aplicam-se com o passar do tempo”. É o que ocorre com este filme, melhor a cada revisão. Esperamos que algo também possa ser aproveitado a posteriori em relação ao retrocesso político-ideológico em que o Brasil encontra-se hodiernamente…

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