“Por isso, o menino não fala: ele sente a tensão” — assim na Turquia como no Brasil!

No documentário “Os Maus Patriotas” (2024), o diretor Victor Fraga – que também esteve presente no evento – interroga o cineasta Ken Loach e, em determinado momento, pergunta-lhe se um realizador socialista pode servir-se de algum gênero que não seja o realismo. O filme turco “Rocinante” (2023, de Baran Gündüzalp) responde, na prática, de maneira mui similar ao que diz o britânico…

Em defesa da mídia física: “quando não se tem algo bom para dizer, é melhor calar”?

O texto ora redigido surge como esforço deste colunista para lidar com os píncaros de uma estafa física e emocional, que o acomete há alguns dias. Partindo-se da pergunta “quem lê tanta notícia?”, que Caetano Veloso lança numa canção icônica (“Alegria, Alegria”), convém buscar algum alento nalgo que traz conforto legítimo, simultaneamente entretenedor e informativo. O colecionismo de mídias físicas surge como opção válida, ainda que a aquisição de DVDs não seja uma unanimidade entre os cinéfilos hodiernos…

“Quando eu alçar o vôo mais bonito da minha vida/ Quem me chamará de amor, de gostosa, de querida?”: uma resenha musical.

Contendo quatorze faixas, compostas parcial ou integralmente pela cantora Liniker, “Caju” inicia-se de maneira intimista e dançante, com a faixa-título sobre uma paixão intensa, em que ouvimos ruídos de alto-falantes, em japonês, no que parece ser um aeroporto. O eu-lírico pergunta ao seu interlocutor quem estaria esperando por ela ali, pedindo para que seja diminuído o fluxo de viagens e eventos. “Será que você sabe que, no fundo, eu tenho medo de correr sozinha e nunca alcançar?”, ressalta a letra. É difícil não ser conquistado pelo tom confessional desta canção!

Pausa para a deontologia (e para a recomendação de uma obra-prima fílmica)

Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes e do Oscar de Melhor Fotografia, “O Terceiro Homem” (1949) é conhecido, sobretudo, por causa de sua trilha musical (o famoso tema de cítara, composto pelo austríaco Anton Karas) e pela breve mas onipresente participação do mestre Orson Welles [1915-1985] como ator. De repente, revela-se um drama sobremaneira existencial, como sói acontecer nas tramas do escritor Graham Greene [1904-1991], que, aqui, é também roteirista. Um filme obrigatório, em múltiplos sentidos.

“Talvez o ódio seja mais forte que a morte, como estás a perceber”, ou aquilo que aprendemos com as tramas de terror…

Antes de proceder à indicação audiovisual desta semana, é necessário que seja acrescida uma declaração de consciência, por parte deste redator: algumas vezes, aquilo que testemunhamos ao nosso redor é ainda mais atroz que os enredos de alguns filmes — não obstante, haver um intercambiamento imitativo entre eles. Assistir a um telejornal, por alguns minutos, […]

Interrompeu-se a marcha de vida de uma grande militante orgânica. Mas o seu exemplo fica, bem como a crença numa “democracia diferente no Brasil”: eis uma homenagem cinebiográfica!

Nascida em Portugal e emigrada para o Brasil, a fim de fugir da ditadura salazarista, Maria da Conceição Tavares afirmava que “tornou-se raivosa” neste país, em razão de uma sucessão gritante de derrotas: acreditava plenamente na instauração de uma “democracia multirracial nos trópicos”, conforme descrevia o antropólogo Darcy Ribeiro [1922-1997], e insistia que “aqueles que não se preocupam com quem paga a conta não são economistas sérios, mas tecnocratas”. Uma grande formadora de líderes, portanto.

“A gente tem que ter um sonho, não é?”: a democracia enquanto fábula aplicável!

Declarando hipocritamente que são patriotas, os manifestantes de extrema-direita aproveitam qualquer oportunidade para cantar o Hino Nacional Brasileiro e/ou entoar orações em voz alta. Mas ignoram aspectos importantes da constituição cultural do país, visto que o ministério concernente a esta área foi extinto na gestão presidencial de Jair Messias Bolsonaro. O restabelecimento do Ministério da Cultura será uma das primeiras providências corretivas do novo mandato do presidente eleito. E, por conta disso, temos a obrigação de exaltar alguns valorosos filmes brasileiros que estão estreando em circuito comercial, como o ótimo “Paloma” (2022, de Marcelo Gomes).

“A lei das ruas é olhar, ouvir… e ficar calado!”, ou de quando precisamos saber a hora de parar…

Dentre os títulos que puderam ser conferidos de maneira virtual, na quadragésima sexta edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, recomendamos o longa-metragem mexicano “As Hostilidades” (2021, de M. Sebastián Molina), sobre a crescente ação dos traficantes no povoado de Santa Lucia, onde vive a família do realizador. Em pouco menos de setenta minutos de duração, o diretor entrevista vários de seus parentes, que falam sobre as transformações ocorridas na cidadezinha em que vivem, agravadas pelas ações dos cartéis de drogas. Apesar da indução temerosa de certo pessimismo, o documentário possui diversos instantes de beleza, proporcionados pelos olhares graciosos e pelos sorrisos de crianças que brincam de maneira entusiasmada, alheias às preocupações dos adultos.

Acerca dos gritos de “Fora, Bolsonaro!” no Festival de Cinema de Gramado: quando a Arte vence, há resistência!

Os discursos dos premiados foram unânimes no repúdio ao atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que desvaloriza a diversidade cultural do país em suas intervenções de extrema-direita. A quase totalidade dos profissionais que foram focalizados pelas câmeras que transmitiam o evento foram flagrados difundido o seu apoio ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, o que é metonimizado através de um gesto com as mãos, que imita a letra L.

“A pandemia prejudicou o mercado imobiliário: os imóveis estão bem mais baratos que no ano passado”, ou que ótimo e horroroso filme!

Quem adentra a sessão de “A Tristeza” (2021, de Rob Jabbaz) sem saber especificamente do que se trata – caso isso seja possível – pensará tratar-se de uma abordagem existencial sobre a vida pré-matrimonial (o que, de certa forma, procede): somos apresentados a um casal jovem e bonito, que acorda antes mesmo do despertador tocar. Trocam carícias e declaram amor duradouro, até que surge um dissabor inevitável: ela quer viajar nas férias exíguas de que dispõe, enquanto ele recusa, pois aceitara um trabalho importante, no mesmo período. É essa a tristeza enfatizada no título do filme? Sim e não…

“Está todo mundo passando fome e tu tens coragem de falar em ordem?!” [o Brasil antes, o Brasil hoje]

Pela similaridade lamentosa com a situação contemporânea do país, é oportuno debater a trindade composta pelos filmes “Vidas Secas” (1963, de Nelson Pereira dos Santos), “Os Fuzis” (1963, de Ruy Guerra) e “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963, de Glauber Rocha), obras-primas inquestionáveis do cinema brasileiro. Deter-nos-emos em particular no segundo destes filmes, merecedor de inúmeros prêmios internacionais, entre eles o Urso de Prata no Festival de Berlim, em 1964.

“Estrelas são [como] os furos na lona do circo” (declarem seu amor aos vivos, hoje – isso imortaliza!)

Quando o falecimento ocorre por vias trágicas – e no fulgor da idade – a comoção é ainda maior. E, neste sentido, convém aproveitarmos esta oportunidade para comentar o lançamento do documentário “Já que Ninguém me Tira Para Dançar” (2021, de Ana Maria Magalhães), sobre a trajetória da icônica atriz fluminense Leila Diniz [1945-1972], que morreu num acidente aéreo, numa viagem através da Índia, aos vinte e sete anos de idade, quando voltava de um festival de cinema na Austrália.

“Que mania de achar que a gente não pode ter as coisas!”, ou o Cinema enquanto evocação feliz do dia a dia…

Após ter estreado no Festival Internacional de Cinema de Roterdã, o longa-metragem “A Felicidade das Coisas” (2021, de Thaís Fujinaga) também fez parte dos lançamentos brasileiros exibidos na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: primeiro trabalho de sua realizadora, este filme foi um dos mais elogiados por público e crítica durante o evento, o que é bastante compreensível. Muitíssimo bem conduzido em suas evocações da vida cotidiana, ele serve como um pertinente reflexo socioeconômico das mudanças políticas enfrentadas pelo Brasil nos últimos anos…

“Passei muito tempo da minha vida sentindo medo”: Para que acolher? Por que se importar?

Escolhido para representar a Bulgária na possibilidade de indicação a uma vaga na categoria de Melhor Filme Estranheiro, no Oscar 2022, “Medo” possui um diferencial singelo em relação a inúmeros títulos semelhantes: aborda a questão tensa dos imigrantes ilegais na Europa através de um viés ousadamente cômico. O que não elimina uma dramaticidade intensificada, contornada no desfecho pelo incentivo à esperança.

Assim na Romênia como no Brasil: “quanto mais idiota uma opinião, mais importante ela é”?

Na manhã do dia 09 de outubro de 2021, a curadora e produtora cultural Renata de Almeida realizou uma conferência de imprensa, a fim de apresentar aos jornalistas as novidades do evento cinematográfico mais importante do Brasil, organizado por ela: a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, cuja quadragésima quinta edição ocorre entre os dias 21 de outubro e 03 de novembro. Na ocasião, ela anunciou os títulos de alguns filmes que serão exibidos na programação deste ano, e emocionou-se bastante ao refletir sobre o modo como parte considerável da sociedade brasileira ataca os profissionais da imprensa e da cultura no (des)governo atual…

Na impossibilidade de uma feijoada militante, um bom cozido cinematográfico antirracista…

Em exibição nalgumas salas de cinema e disponível através do serviço de ‘streaming’ GloboPlay, o longa-metragem “Doutor Gama” permite que o diretor Jeferson De restabeleça a urgência de seus mandamentos reivindicativos. Na trama, o personagem-título encara os espectadores de frente e pergunta-nos como conseguimos ser coniventes com a morte de tantas pessoas, por causa do racismo – que possui um acentuado viés estrutural, no país. Até que acompanhamos, em ‘flashback’, os fatos que possibilitaram que, antes de a escravidão ser abolida no Brasil, ele tenha conseguido formar-se em Direito.

“Eu não quero pão com geléia de morango!”, ou a importância (sobrevivencial) de focar em boas notícias…

Passados quase dois anos desde que surgiram os primeiros casos do CoronaVírus na China, a população mundial está saturada de enumerar mortos, de lidar com as irresponsabilidades administrativas de seus representantes políticos, de estar confinada. E, como tal, as aberturas benfazejas de reconstituição social através da educação e da arte são extremamente urgentes – e possíveis. Ao final desse artigo, falaremos sobre a noticiabilidade de uma delas. Por ora, é necessário recomendar um longa-metragem brasileiro contemporâneo, sobremaneira oportuno: “A Nuvem Rosa” (2021, de Iuli Gerbase).

De como a Literatura ajuda-nos a lutar e resistir, depois que a nossa língua é decepada… [diretamente ao ponto: abaixo o racismo!]

A difusão de um romance contemporâneo tão primoroso quanto “Torto Arado”, escrito pelo baiano Itamar Vieira Júnior, merece exaltação: lançado em 2019, inicialmente em Portugal, este livro recebeu diversas láureas importantes, entre elas o tradicional Prêmio Jabuti, em 2020. E é uma obra que faz jus à sua fama. Narrado de maneira épica, conta as desventuras enfrentadas pelas irmãs Bibiana e Belonísia – que são filhas de escravos libertos – ao longo de algumas décadas, numa fazenda no sertão da Bahia.

“É preciso falar seriamente sobre o problema da morte” ou de quando chorar durante uma resenha é indicativo de resistência…

Ainda que pareçam imediatamente disassociados, há pontos de intersecção possíveis entre o primeiro (e magistral) longa-metragem de Júlio Calasso Jr. e a situação desoladora em que encontra-se o Brasil atual: “Longo Caminho da Morte” (1971) revela-se um título profético – porque mui historicizado – para compreendermos a gestação diuturna do ódio político no contexto hodierno. O bolsonarismo advoga a morte; Júlio Calasso Jr. diagnosticou a origem longeva deste processo.