“Para os jacarés, o restaurante estará disponível assim que aterrissarmos!” – ou porque precisamos falar sobre os ditos “filmes ruins”!

A despeito da tendência predominante em classificar os filmes em meramente bons e ruins, atribuindo-lhes cotações reducionistas que não levam em consideração as inúmeras possibilidades entre um e outro adjetivo, convém investigarmos as produções que vemos (e debatemos) de maneira orgânica, enfatizando o que pode ser apreendido das experiências espectatoriais. Trata-se de um conselho legitimamente bazaniano, que explica o porquê de obras defenestradas em seu lançamento converterem-se em objetos de culto, anos depois. Talvez seja o caso aqui.

“Basta colocar a panela em cima do fogo e comer o que sair, uai!” – ou de como é urgente contextualizar o que testemunhamos…

Num excelente livro, escrito em colaboração com a sua esposa Kristin Thompson, o teórico fílmico norte-americano David Bordwell analisa várias obras hollywoodianas através de um escopo aleatório, a fim de demonstrar algumas recorrências narrativas moldadas pelas convenções de gênero e pelas determinações do ‘studio system’ e do ‘star system’. E é assim que chegamos ao musical “As Garçonetes de Harvey” (1946, de George Sidney – rebatizado como “A Batalha do Pó de Arroz”, em Portugal), que – mesmo visto por acaso, numa sessão dominical de algum canal de TV – traz consigo lições valiosas sobre a lida cotidiana…

“Qual é o formato de teu pénis?” ou de como os (pós)adolescentes norte-americanos tornam-se empreendedores do amor!

Reconfigurando elementos e recursos narrativos que foram adotados em “Embriagado de Amor” (2002) e “Vício Inerente” (2014), obras que alguns cinéfilos consideram atípicas em sua coerente filmografia, “Licorice Pizza” passa-se no Vale de São Fernando, região de Los Angeles em que o diretor cresceu e que ficou famosa pela produção de filmes pornográficos. Estamos em 1973, e os longas-metragens de sexo explícito começam a invadir as salas tradicionais de cinema. É nesse cenário que conhecemos os dois protagonistas.

“Por que utilizar um código antigo para espelhar algo novo?” (ou “o ano termina, e começa outra vez”…)

Repetindo o mesmo procedimento do já clássico filme de 1999, Neo encontra Morpheus, ingere a pílula vermelha e desperta em seu casulo humano, no centro da enorme colméia de alimentação maquínica. Diferentemente da situação anterior, seu corpo não parece irremediavelmente atrofiado e ele consegue movimentar-se com certa desenvoltura, inclusive percebendo que sua amada Trinity (Carrie Anne-Moss) jaz poucos casulos abaixo do seu. É resgatado por algumas máquinas do bem – sim, agora elas existem! – e levado a uma colônia de rebeldes, onde os eventos do segundo e terceiro filmes são repetidos. Por mais que se tente simular algum perigo irreversível, é tudo previsível na condução da narrativa: alguém exclama “precisamos de um milagre” – e é óbvio que ele ocorrerá!

É preciso sempre voltar aos clássicos! (conselho da arte, conselho na vida)

Vencedor do Oscar de Melhor Diretor por “Gigi” (1958), o norte-americano Vincente Minnelli [1903-1986] realizou em 1952 a obra-prima dramática “Assim Estava Escrito”, que sintetiza com maestria os cacoetes produtivos que engendraram a magnificência dos filmes estadunidenses. Era a época dos grandes gêneros, das superproduções, do ‘studio’ e do ‘star system’. E é tudo brilhantemente retratado neste longa-metragem, cujo título original é ‘The Bad and the Beautiful’ [“O Bruto e a Bela”], mas foi batizado em Portugal como “Cativos do Mal”. Afinal, cada país incutia nos títulos dos filmes chamarizes específicos para suas audiências nacionais…

“É complicado”, eles repetem: “a heroína alivia um pouco a dor, mas tudo volta depois, pior que antes”!

Conforme o próprio título deixa evidente, conheceremos um pouco dos percalços envolvendo a trajetória artística da cantora Billie Holiday [1915-1959], que faleceu aos 44 anos de idade, em decorrência de complicações da cirrose, após uma vida trágica e uso contínuo de opiáceos. Entretanto, conforme percebemos no mesmo título, a abordagem jornalístico-judicial sobrepuja-se aos demais aspectos biográficos, de modo que, mais uma vez, escolhe-se uma imponente personalidade negra como coadjuvante de sua própria história…

Em qual situação “um distintivo é mais assustador que uma arma”? Pensaram no racismo?

A biografia do líder dos Panteras Negras no Estado de Illinois é contada numa narrativa que mescla o gênero policial com os rompantes de drama familiar. O protagonista é personificado com uma intensidade mui aplaudível, de maneira que todo e qualquer prêmio que Daniel Kaluuya receber por este papel é deveras merecido. Mas a contrapartida actancial de Lakeith Stanfield é ainda mais drástica: afinal, ele interpreta alguém que está interpretando um papel, de modo que o agente do FBI Roy Mitchell (Jesse Plemons) chega a comentar, após observar o seu comportamento gregário: “tua interpretação merece um Oscar”.

“De que serve um criado sem patrão?” (lições fílmicas de oportunismo capitalista)

Adaptado a partir de um romance do escritor indiano Aravid Andiga, “O Tigre Branco” possui muitas similaridades rítmicas com os filmes do cineasta britânico Danny Boyle, tanto que, em determinado momento, faz uma emulação distintiva de caráter chistoso, quando o protagonista declara que não participou de nenhum programa televisivo de perguntas e respostas para poder modificar o seu destino…

(Título não autorizado)

Surpreendentemente indicado em quatro categorias importantes do prêmio Globo de Ouro (Melhor Filme Dramático, Melhor Direção, Melhor Atriz e Melhor Roteiro), “Bela Vingança” ajudou a concretizar algo histórico – e muitíssimo importante: pela primeira vez, dentre as cinco indicações destinadas a Melhor Direção, três delas foram ocupadas por mulheres. O filme chega num momento mais que pontual, adequadíssimo.

A política contemporânea é uma trama hitchcockiana invertida?

Sob a égide dos esforços propagandísticos de guerra em Hollywood, Alfred Hitchcock realizou, através de “Sabotador” (1942), uma obra externamente afim às convenções de gênero da época, sem a profusão dos rasgos sumamente autorais que o eternizaram enquanto “mestre do suspense”. Vendo o filme hoje em dia, percebemos que há muitas perspectivas indiciais em meio à sua estrutura enredística convencional.

Sem a prerrogativa da dúvida, “quanto mais se pode ver, mais se pode cometer erros”!

O lançamento de um documentário como “Não Haverá Mais Noite” (2020, de Eléonore Weber) surpreende pela aplicação prática das teorias virilianas, numa conjuntura assaz contemporânea: é o corolário perfeito (e apavorante) do combate de narrativas, convertido em potenciais genocídios, que caracteriza a chegada ao poder das facções de extrema-direita, além de metonimizar a perene atividade destrutiva do imperialismo estadunidense ao redor do mundo.

“O ouro muda as pessoas. Até os amigos. Tome cuidado!”: ou de quando é importante errar para prolongar os abraços…

Não obstante a perfeita consonância com o momento histórico-reivindicativo atual, Spike Lee refuta o “discurso de manada” (por melhor intencionado que seja) e opta por uma proposta discursiva muito mais complexa, provocadora e autocrítica. Demonstra que as contradições idealistas e comportamentais são inevitáveis em quaisquer contextos – principalmente, nos mais explicitamente sobrevivenciais…

A ameaça mais que visível, em chave recorrente: quem acusa? Quem se defende?

Mesmo que “O Homem Invisível” não seja a obra revolucionária de terror hodierno que alguns apregoam, a total ruptura em relação à trama original é digna de nota mui elogiosa. Em verdade, exceto pelo título wellsiano, não há mais nada em comum com o enredo clássico: o que interessa ao diretor é denunciar a invisibilização das mulheres que denunciam agressões

Nas rebarbas do Oscar 2020: “quando tu consegues um pouco de poder, podes te converter num monstro”

Apesar de ser republicano, a filmografia de Clint Eastwood ultrapassa o esquerdismo explícito de alguns cineastas afobados ao erigir um ‘corpus’ sobremaneira sólido, em que protagonistas injustiçados são defendidos de maneira incisiva. Ou seja, tal cineasta é um patriota irrepreensível, mas não esquiva-se quando é necessário denunciar as más ações de homens poderosos e do “lado certo da Lei”.

Pergunta supratextual: no feminismo orgânico, há lugar para as patricinhas?

“Adoráveis Mulheres” (2019), indicado a seis categorias no Oscar 2020 mas preterido na categoria de Melhor Direção, engendrou polêmicas acerca do machismo dominante na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Em paralelo a estas polêmicas, foi muito criticado o olhar excessivamente “branco” (porque privilegiado) da diretora Greta Gerwig. Em que sentido tais polêmicas favorecem ou denigrem o filme em si?

Apesar da vendabilidade progressiva, o amor não é defeito: mesmo cooptado, ele salva vidas!

A terceira maior bilheteria cinematográfica de 1968 foi “Se Meu Fusca Falasse” (1968, de Robert Stevenson) – tradução titular brasileira para “The Love Bug” –, lançado num ano em que o Código Hays entrava em desuso em Hollywood e quando o movimento ‘hippie’ foi devidamente assimilado pelo ‘establishment’. O que isso tem a ver com os brasileiros?

“What the Fox”: denúncias bombásticas são potentes furos cinematográficos!

Em meados de 2016, em meio à agressiva campanha eleitoral do magnata Donald Trump, que, afinal, foi eleito presidente dos Estados Unidos da América, a jornalista Gretchen Carlson processou o então presidente da emissora Fox News, Roger Ailes, por assédio sexual, numa situação que desencadeou diversas denúncias semelhantes. Em 2019, esta cadeia de eventos (extra)jornalísticos converteu-se em enredo do filme “O Escândalo” [título original: ‘Bombshell’], dirigido por Jay Roach e roteirizado por Charles Randoph,

Começa a temporada de premiações hollywoodianas (e algo para além disso)!

No dia 05 de janeiro, aconteceu a cerimônia dos Globos de Ouro 2020 – e, como sói acontecer neste tipo de evento, os prêmios em si – que pareciam os mais importantes – eventualmente são eclipsados por discursos, protestos, manifestações públicas ou designações políticas que ultrapassam o tecnicismo da concessão de láureas.