Resenha de livro: Rodney, W. Como a Europa subdesenvolveu a África. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2022, 352p.
Walter Anthony Rodney (1942–1980) foi um historiador, ativista guianense, e representante do pan-africanismo. Ele destacou-se muito cedo como um brilhante intelectual que estudou na University of the West Indies da Jamaica e doutorou-se, em 1966, na School of Oriental and African Studies (SOAS) de Londres. Foi um dos responsáveis, juntamente com o historiador britânico Terence Ranger (1929–2015), pela criação da corrente historiográfica da Escola de Dar es Salaam, na Tanzânia. É autor dos livros West Africa and the Atlantic Slave-Trade (1967), A History of the Upper Guinea Coast, 1545–1800 (1970), World War II and the Tanzanian Economy (1976), entre outros, e autor do texto “A economia colonial” que está presente no sétimo volume da História Geral da África (2010).
O livro Como a Europa subdesenvolveu a África foi originalmente publicado em 1972, e mostra que W. Rodney se apropriou da teoria da dependência da América Latina para analisar o colonialismo e o neocolonialismo na África. Os textos introdutórios desta edição brasileira (pp. 9–12, 15–30) destacam principalmente a contribuição da obra e da militância de W. Rodney para os afro-americanos e afrodescendentes em geral. Mas seria importante destacar também a grande contribuição do livro para os estudos da história colonial da África.
Sumário
Apresentação de Angela Y. Davis (pp. 9–12)
Prefácio de Walter Rodney (pp. 13–14)
Introdução de Vincent Harding, Robert Hill, e William Strickland (pp. 15–30)
1. Algumas questões sobre desenvolvimento (pp. 31–58)
2. Como a África se desenvolveu antes da chegada dos europeus — até o século XV (pp. 59–100)
3. A contribuição da África ao desenvolvimento capitalista da Europa — o período pré-colonial (pp. 101–118)
4. A Europa e as raízes do subdesenvolvimento africano — até 1885 (pp. 119–174)
5. A contribuição da África ao desenvolvimento capitalista da Europa — o período colonial (pp. 175–232)
6. Colonialismo como sistema de subdesenvolvimento da África (pp. 233–316)
Posfácio de A.M. Babu (pp. 317–322)
Guia de leituras recomendadas (pp. 323–330)
Índice remissivo (pp. 331–350)
Sobre o autor (p. 351)
No primeiro capítulo, intitulado “Algumas questões sobre desenvolvimento” (pp. 31–58), W. Rodney problematiza a noção de desenvolvimento e defende que é necessário introduzir nesta discussão os conceitos de classe, imperialismo e socialismo, assim como a avaliação do papel dos trabalhadores e dos chamados povos oprimidos. A partir desta abordagem seria possível descartar determinada versão europeia a respeito do subdesenvolvimento da África. Dessa forma, W. Rodney rejeita as ideias racistas que associavam o subdesenvolvimento a um suposto atraso da raça dos povos africanos negros. Para ele, a explicação do subdesenvolvimento africano estaria nas relações capitalistas de exploração do chamado sistema imperialista (p. 55): os países capitalistas da Europa tomam a riqueza gerada pelo trabalho africano e pelos recursos africanos, e impedem que os africanos se desenvolvam economicamente.
No segundo capítulo, intitulado “Como a África se desenvolveu antes da chegada dos europeus — até o século XV” (pp. 59–100), W. Rodney defende que é possível distinguir entre o que era e o que não era exclusivamente africano em termos de estágio de desenvolvimento. Ele apontou para diversos elementos que supostamente foram produto da evolução das sociedades africanas e não o transplante de algo vindo de fora. Cabe destacar os trechos (pp. 64–65, 98) em que W. Rodney aponta que não houve desenvolvimento da escravidão nas sociedades africanas pré-coloniais.
O terceiro capítulo, intitulado “A contribuição da África ao desenvolvimento capitalista da Europa — o período pré-colonial” (pp. 101–118), destaca principalmente o papel do comércio de africanos escravizados no sentido de suprir as necessidades europeias de desenvolvimento econômico. O comércio de africanos escravizados, segundo W. Rodney, foi responsável por estabelecer as condições para o posterior crescimento econômico da Europa e também para a ascensão do racismo no pensamento europeu.
No quarto capítulo, intitulado “A Europa e as raízes do subdesenvolvimento africano — até 1885” (pp. 119–174), W. Rodney busca refutar a ideia de que os contatos com a Europa beneficiaram a África no período pré-colonial. Neste sentido, ele destaca que as formações políticas africanas, principalmente aquelas que mantiveram maiores contatos com os europeus, não tiveram acesso à tecnologia europeia. Nas palavras de W. Rodney:
[…] “o capitalismo só introduziu na África aspectos muito limitados de sua cultura material que fossem essenciais para uma exploração mais eficiente; a tendência capitalista tem sido, em geral, manter subdesenvolvida a tecnologia da África. (p. 134)
O quinto capítulo, intitulado “A contribuição da África ao desenvolvimento capitalista da Europa — o período colonial” (pp. 175–232), talvez seja o mais importante do livro. Aqui W. Rodney constrói o argumento de que o colonialismo seria um dos pilares do sistema imperialista. Mesmo mencionando diversos nomes de empresas, de bancos e de indivíduos capitalistas europeus e estadunidenses que atuaram na África, o argumento de W. Rodney não vai no sentido de vilanizá-los e condená-los isoladamente. As empresas, os bancos e os indivíduos capitalistas atuaram em prol dos interesses das potências capitalistas e de acordo com as sucessivas partilhas econômicas da África, e direta ou indiretamente beneficiaram todas as nações capitalistas.
No último capítulo, intitulado “Colonialismo como sistema de subdesenvolvimento da África” (pp. 233–316), W. Rodney defende que o colonialismo teria intencionalmente interrompido o desenvolvimento africano e produzido diversos impactos negativos. Ou seja, qualquer crescimento econômico que tenha ocorrido na África sob o colonialismo, principalmente como fruto do trabalho e dos recursos africanos, era uma intensificação da exploração e não tinha características de desenvolvimento. Nas palavras de W. Rodney: “O único desenvolvimento positivo do colonialismo se deu com seu fim” (p. 294).
Ainda que W. Rodney, por um lado, tenha atribuído pouca relevância às iniciativas dos africanos sob o colonialismo, elas teriam sido “simplesmente respostas às opções abertas pelos colonialistas” (p. 253); por outro lado, ele exaltou “o imenso vigor demonstrado pelos africanos em dominar os princípios do sistema que os subjugava” (p. 296), algo que produziu resultados contrários aos propósitos dos colonialistas.
Para finalizar, é preciso afirmar que o livro de W. Rodney trata-se de uma grande referência para os estudos da história colonial da África. A abordagem de W. Rodney não enfatiza as especificidades históricas da colonização em distintos contextos africanos, sua ênfase volta-se para os principais aspectos da geografia econômica da colonização na África. Cabe destacar também que W. Rodney reconhece que os europeus estavam em uma posição vantajosa e dominante durante o encontro colonial, mas ele não deixa de mencionar as influências das iniciativas africanas.
[Capa do livro elaborada por Antonio Kehl a partir de imagem da Walter Rodney Foundation.]
Referências
Cooper, F. “Conflito e conexão: repensando a história colonial da África.” Anos 90, 15(27): 21–73, 2008 [1994].
Mamdani, M. Citizen and Subject: Contemporary Africa and the Legacy of Late Colonialism. Princeton: PUP, 1996.
Ranger, T. “A invenção da tradição na África colonial.” Hobsbawm, E.; Ranger, T. (orgs.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997 [1983], pp. 219–269.
Rodney, W. West Africa and the Atlantic Slave-Trade. Nairobi: East African, 1967.
Rodney, W. A History of the Upper Guinea Coast, 1545–1800. Oxford: Clarendon, 1970.
Rodney, W. How Europe Underdeveloped Africa. Dar-es-Salaam: TPH, 1972 [Edição brasileira: Boitempo, 2022].
Rodney, W. World War II and the Tanzanian Economy. Ithaca: Cornell University, 1976.
Rodney, W. “A economia colonial [1985].” Boahen, A.A. (ed.). História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880–1935. 2.ed. Brasília: Unesco, 2010, pp. 377–400.