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Voltemos sempre aos clássicos. Pois hoje é o dia em que vivemos: eis onde encontra-se alguma eternidade…

Voltemos sempre aos clássicos. Pois hoje é o dia em que vivemos: eis onde encontra-se alguma eternidade…

Se ainda estivesse vivo, o cineasta italiano Mario Monicelli [1915-2010] completaria cento e seis anos de idade no dia 16 de maio de 2021. Entretanto, por causa das complicações relacionadas a um câncer de próstata, ele atirou-se da janela do quarto andar do hospital em que estava internado, em 29 de novembro de 2010. Suicidou-se aos noventa e cinco anos de idade, o que tem tudo a ver com o espírito sardônico de seus filmes, em que comicidade e tragédia não precisavam distinguir-se: ambas coexistem na realidade, no cotidiano. Cabe ao espectador/vivente escolher como lidar com aquilo que sente e experimenta…

Continuando o exercício acima, se ainda estivesse vivo, Mario Monicelli testemunharia as notícias de inúmeros falecimentos na atualidade. Por causa da pandemia do CoronaVírus e, no caso específico do Brasil, em decorrência da instauração de um (des)governo genocida, milhares de pessoas perdem a vida diariamente. Isso sem contar as demais doenças, os outros tipos de cânceres, como o de sistema digestivo e o de ovário, que, num mesmo final de semana, ceifou as existências terrestres do prefeito da cidade de São Paulo, Bruno Covas [1980-2021], e da atriz Eva Wilma [1933-2021], respectivamente. Para morrer, basta estar vivo, dizem. Para viver em si, entretanto, somente esta condição elementar não basta!

Mais uma vez, entramos no meandro temático da filmografia monicelliana, que tem em “A Grande Guerra” (1959) um de seus magnos momentos. Um dentre vários, acrescentemos. Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza – empatado com “De Crápula a Herói” (1959, de Roberto Rossellini) –, este longa-metragem surpreende pelo modo como retrata alguns eventos relacionados à Primeira Guerra Mundial [1914-1918], com foco no penúltimo ano do conflito e, obviamente, em território italiano.

Protagonizado por Vittorio Gassman [1922-2000], um dos colaboradores mais habituais do diretor, “A Grande Guerra” acompanha a amizade inaudita entre dois soldados, um anarquista milanês e um covarde romano (Alberto Sordi), ao longo de alguns meses. Ambos conhecem-se durante um alistamento militar e, cada qual a seu modo, reagem aos fatos absurdos que circundam as batalhas: o primeiro deles, chamado Giovanni Busacca, é leitor aguerrido de Mikhail Bakunin [1814-1876] e grita que “a verdadeira guerra é contra os favorecidos”; o segundo, por sua vez, de nome Oreste Jacovacci, esforça-se para permanecer vivo em meio aos tiroteios e bombardeios. No derradeiro diálogo, serão acusados de serem desertores, ainda que tenham realizado um sacrifício involuntário em prol do sucesso das tropas de seu país. Como isso ocorre? Acreditem: vale muito a pena conferir!

Construído através de esquetes anunciados por letras de canções populares, o roteiro deste filme não possui uma trama definida, mas um compêndio de chistes pacifistas que não eliminam a dramaticidade inerente a qualquer morticínio. Num dado momento, a esposa de um soldado pede que Giovanni e Oreste entreguem uma encomenda para o seu marido, o abnegado Bordin (Folco Lulli). No campo de batalha, este comumente oferece-se como voluntário para executar tarefas perigosas, desde que os soldados inicialmente escolhidos contribuam com alguma quantia em dinheiro. É um personagem tragicômico por excelência, que, como quase todos ao longo da projeção, angariam de imediato a nossa simpatia. Mario Monicelli é, sobretudo, um humanista!

Sem recorrer ao cinismo misantrópico, típico de quem ousa criticar as instituições nacionais, o diretor põe-se ao lado dos mesmos, esforça-se para compreender os motivos que levam homens comuns a envolverem-se num contrato de ódio por estrangeiros desconhecidos, o que é brilhantemente metonimizado no momento em que os dois protagonistas vêem-se diante de um soldado austríaco distraído, e ambos hesitam em atirar nele. Até que alguém o faz – e os repreende pela aparente displicência!

Por mais que insista que “é um homem de idéias, e não de ação”, Giovanni progressivamente confronta um ambiente em que considera-se que “um amigo morto é melhor que um inimigo vivo”. Ele não concorda com isso, obviamente. Não obstante reiterar chistosamente alguns preconceitos contra os romanos, em termos de desaconselhável bonomia, trata seus colegas de pelotão com simpatia homogênea. Inclusive, chega a apaixonar-se por uma prostituta chamada Constantina (Silvana Mangano), que rouba a sua carteira no primeiro encontro, no desespero por encontrar meios para prover o sustento de seu filho pequeno, que vive num vilarejo distante de si. A trilha musical de Nino Rota [1911-1979] realça os momentos sentimentais, sem que esqueça que, inclusive estes, são também prenhes de comicidade. Mario Monicelli é um gênio!

Nalgumas seqüências, o diretor recorre a estratagemas humorísticos que, de tão imitados, converteram-se em baluartes da resistência ao horror através do afeto. Vide a definição da guerra como “um ócio sem fim, com poucos momentos de descanso” ou o instante em que os soldados italianos elevam uma panela em direção às tropas inimigas, para que, assim, disponham de um utensílio que lhes permita assar castanhas. São variegadas as situações de “A Grande Guerra” que conduzem-nos às gargalhadas, bem como os momentos que levam-nos ao choro, sobretudo no cotejo em relação aos acontecimentos hodiernos. Parece cada vez mais difícil sorrir em meio a tanto caos, diante de notícias cada vez mais terríveis. O diretor não tornou-se imortal por acaso: deixa-nos valiosas lições práticas, através de seus filmes, para que sigamos em frente… Até quando? De que adianta saber? Vivamos!

Wesley Pereira de Castro.

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