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O ‘new-new journalism’ é ‘high-tech’: à beira do ‘lockdown’, ficamos reféns do ‘cyberporn’. Diálogo salva vidas, visse?

O ‘new-new journalism’ é ‘high-tech’: à beira do ‘lockdown’, ficamos reféns do ‘cyberporn’. Diálogo salva vidas, visse?

Em decorrência de um agendamento noticioso [nos manuais dos comunicólogos, aquilo que aprendemos como ‘agenda-setting’] imposto por necessidades sobrevivenciais e coletivas, a pandemia causada pelo CoronaVírus tornou-se o assunto dominante e obrigatório em todos os meios de comunicação de massa existentes. Os números de mortos ao redor do mundo só aumentam a aflição de quem está confinado reveste-se de variegados contornos. Entretanto, no dia 08 de maio de 2020, o presidente brasileiro Jair Messias Bolsonaro anuncia a convocatória para um churrasco com muitas pessoas. Mais de onze mil pessoas já morreram no país, por causa do COVID-19. O presidente, então, tacha os jornalistas de “idiotas” e reclama que a notícia do churrasco era ‘fake’. Temos toda a radiografia de uma época neste primeiro parágrafo.

Para além da completa malevolência do presidente brasileiro – enfaticamente comentada nesta coluna crítica – e das preocupações avassaladoras que decorrem da pandemia em pauta, é mister abordar algumas consequências intrínsecas das submissões comportamentais à adoção providencial de quarentena. Como será o retorno à normalidade das aglomerações cotidianas? Por enquanto, não há como saber. Mas, tal qual é descrito a respeito dos mal-estares que afligem a velhice do padre Antônio Vieira [1608-1697] no romance ficcional “Boca do Inferno”, da cearense Ana Miranda: “ainda que tivessem cessado as causas dos males, os efeitos continuavam”

Analisemos alguns aspectos: a sujeição às Tecnologias de Informação e Comunicação [TICs] torna-se cada vez mais premente e a anglofilia impregna as expressões vernaculares de vários países, justamente por conta da premência de conteúdos norte-americanos no ambiente digital. O que não é algo ruim ‘per si’, mas que requer cuidados identitários e ideológicos emergenciais, além dos biológicos e psicológicos a que já estamos expostos. O hipermodernismo está em curso, comemoram os seguidores do filósofo francês Gilles Lipovetsky!

É nesse contexto que o curta-metragem egípcio “Major Tom” (2017, de Khaled Medhat Moeit) surge como indicação elementar. Na trama, um rapaz de 17 anos (interpretado por Abdelrahman Salem) é abandonado pela namorada, que alega não mais amá-lo. Uma situação bastante corriqueira, mas que desencadeia uma tempestade emocional que coaduna-se ao tipo de depressão que acomete muitas pessoas nesta época forçada de isolamento social que enfrentamos atualmente…

Thomas é definido como um “romântico desesperançado”, e não tem amigos. Os únicos companheiros de conversa de que ele dispõe são alguns manequins que ficam guardados em seu quarto. Um deles, com feições femininas, serve-lhe como sucedâneo de uma amante. Mas ele retira os seus braços e pernas, a fim de que, em sua projeção paranóica, ela não fuja. “É assim que ele aprendeu a tratar as mulheres”, comenta a linda voz feminina que narra o filme, a cargo da atriz Flore Bernier. Na trama, ela representa o ícone erótico de que Thomas vale-se para masturbar-se diariamente, desde que a viu pela primeira vez, na pré-adolescência, num filme. E, além destas evocações pornográficas, Thomas refugia-se na música…

Ao longo dos quinze minutos de duração do curta-metragem, Thomas executa várias canções anglofílicas em seu aparelho portátil de fitas cassetes. Como egípcio, o idioma natal de Thomas é o árabe. Mas ele é obcecado pelo cantor David Bowie, conforme evidenciado desde o título do filme. Seu pai reclama que ele seja excessivamente obcecado por artistas estrangeiros. Mas Thomas não tem amigos, repete-se. Thomas declara-se extremamente infeliz. Escreve cartas de suicídio todos os dias. E tenta matar-se, sem sucesso.

A fim de não estragar as descobertas emotivas que explodem na curta duração deste filme impressionante, convém interromper aqui a descrição e exortar os leitores deste texto à descoberta deste elogiadíssimo curta-metragem. O seu diretor, Khaled Medhat Moeit, tinha apenas vinte anos de idade quando o realizou. Foi a sua primeira experiência directiva, tendo estudado Cinema através de oficinas virtuais. Foi bastante premiado. E dedica seu filme a um personagem criado pelo mais consagrado cineasta do Egito, Youssef Chahine [1926-2008]. Uma estréia sumamente poética, íntima, profilática e assaz referencial!

No mais belo momento do curta-metragem, Thomas interage com a projeção de um clássico dreyereano – emulado num filme de Jean-Luc Godard – dentro de um cinema vazio. Tem a ver com o que ele sentia em relação às ausentes interações diuturnas, aos desentendimentos familiares (é órfão de mãe, vive apenas com seu pai) e à sua solidão devastadora. Por motivos tanto econômicos quanto pandêmicos, a depressão torna-se ainda mais severa entre os brasileiros. Talvez esteja assolando, neste exato momento, quem escreveu esse texto, quem o lê, quem o publicou… O suicídio, diante da falta de perspectivas imediatas, é uma tentação aparentemente acessível, como manifesta-se para Thomas, em mais de um instante. Conversar é o que pode nos salvar – em nosso idioma local, inclusive. Em português, gritamos: “socorro!”. O clamor é estendido aos mais diferentes idiomas e conjunturas. Ainda que fisicamente distantes, a hora de aproximarmo-nos é agora!

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