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“Com ou sem crise, os pneus furam”: o Capitalismo é o maior indutor de depressão que existe!

“Com ou sem crise, os pneus furam”: o Capitalismo é o maior indutor de depressão que existe!

É sobremaneira conhecido o ditado popular que prediz que “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”. Há também uma famosa citação, atribuída ao dramaturgo alemão Bertolt Brecht [1898-1856] que indaga-nos: “o que é roubar um banco, comparado a fundar um?”. Entre as reflexões advindas de uma e outra frase, deparamo-nos com um filme argentino, que foi um sucesso de bilheteria local, além de arrebatar o prêmio Goya de Melhor Filme Íbero-Americano. Sendo assim, “A Odisséia dos Tontos” (2019, de Sebastián Borensztein) é uma obra que tem muito a ver com a preocupante noticiabilidade econômica e depressiva dos dias atuais…

Iniciado em agosto de 2001, o filme apresenta-nos ao casal formado por Fermín (Ricardo Darín) e Lidia Perlassi (Verónica Llinás). Ambos são proprietários de um posto de gasolina, numa cidade pequena do interior argentino, e decidem fundar uma cooperativa agrícola, quando deparam-se com as ruínas de uma empresa falida. Servindo-se da metáfora do bolo de chocolate para convencer seus vizinhos a contribuírem para o financiamento desta idéia – que ofereceria diversos empregos à população – ele obtêm parte considerável do valor requerido para a compra do terreno. O restante dependeria de um empréstimo bancário. E é a partir desse ponto que a estória muda completamente de rumo…

Para quem já está acostumado ao ótimo cinema comercial argentino, é sabido que um de seus mais consagrados méritos é inserir fatos socioeconômicos e políticos como essenciais para o desenvolvimento tramático. Seja numa simples comédia romântica ou num intricado enredo policial, os eventos nacionais são apresentados como corriqueiros, organicamente compartilhados entre os cidadãos. A História (com H maiúsculo) é fundamentalmente importante, no que tange à compreensão do que é disposto enredisticamente. É o que leva muitos críticos a considerarem-no uma das inteligentes filmografias hodiernas.

Ainda que não seja um filme excelente, “A Odisséia dos Tontos” possui, em sua concepção, inúmeros aspectos merecedores de destaque analítico. Tanto em sentido propriamente cinematográfico como ideológico. No primeiro caso, chama a atenção, de imediato, o uso da valsa “Danúbio Azul”, de Johann Strauss II (1825-1899), que remete a um clássico kubrickiano de ficção científica, a fim de justificar o título do filme, mas que é executada diegeticamente numa seqüência de casamento, no clímax da trama. Para os cinéfilos, esse tipo de referência chistosa é um deleite!

Outro momento destacável de chiste cinefílico está no momento em que Fermín assiste ao filme “Como Roubar um Milhão de Dólares” (1966, de William Wyler) e tem uma idéia-chave, a partir da repetição específica da cena em que um alarme toca inúmeras vezes, até ser desativado pela equipe de segurança. É exatamente o que ele fará para obter o seu intento justiçador. O que leva-nos a um primeiro questionamento: até que ponto os filmes sobre crimes – bem ou mal-intencionados – impulsionam o público a repeti-los? O cinema ensina as plateias a cometer delitos, portanto?

Passamos para o segundo caso de destaque, o viés ideológico, abundante no roteiro co-escrito por Eduardo Sacheri, autor da obra literária em que o filme se baseou. Depois que o casal Perlassi guarda o dinheiro obtido entre seus vizinhos num cofre, o gerente do banco convence Fermín a converter os dólares arrecadados em pesos argentinos, depositando-os numa conta bancária. Ocorre que isso dá-se em 2001, quando aconteceu o mote de uma violenta crise econômica no país, apelidada de “corralito”, em que as poupanças de várias pessoas foram desvalorizadas e impedidas de serem sacadas. Como é de se esperar nesse tipo de situação, pobreza e suicídios tornaram-se frequentes. Mas sempre há quem enriqueça com a miséria de outrem…

Na trama do filme, Fermín descobre que um advogado vilanaz que gozava de informações privilegiadas e realizou a operação bancária inversa: converteu seus pesos em dólares e sacou-os antes que a crise eclodisse. Esconde as cédulas num cofre subterrâneo e refere-se às mortes de seus clientes como meras eventualidades. Até que os membros da cooperativa idealizada resolvem invadir a área onde o cofre está enterrado e recuperar o dinheiro que investiram. Apenas o que investiram, prometem. O que era um drama nacional torna-se um filme de aventuras, portanto.

Na segunda metade do filme, acompanhamos os diversos estratagemas utilizados pelos amigos para abrirem o cofre, protegido por um sofisticado sistema de alarmes eletrônicos. E, a fim de que este objetivo seja atingido, as consequências públicas das ações são ignoradas: quando todo o sistema elétrico da região é explodido, por exemplo, isso é mostrado como um simples acidente de percurso. Na vida real, sabemos que os prejuízos são muito superiores aos valores que os personagens desejam recuperar… Como assevera uma pichação urbana bastante conhecida, o que faz com que tantas pessoas desejem se matar, hodiernamente, “não é a depressão, mas o capitalismo”. Infelizmente, procede!

Dentre os componentes elogiosos do filme, é mister celebrar o seu extraordinário elenco, que dá vida a tipos excêntricos porém simpáticos, como: Rolo Belaúnde (Daniel Araóz), o funcionário peronista da estação de trem ainda ativa mas sem funcionamento pragmático – como o peronismo em si, segundo uma piada interna do roteiro; Carmen Lorgio (Rita Cortese), a dona de uma empresa de logística que enfrenta conflitos recorrentes com seu filho; e Antonio Fontana (Luis Brandoni), engenheiro autodeclarado anarquista que converteu-se em borracheiro após a placidez de sua velhice. É ao divertido Fontana que pertence os melhores diálogos deste filme, como aquele que intitula este artigo e as diversas vezes em que celebra o ideário bakuniniano, ao desejar que “o indivíduo esteja acima do Estado e das instituições”. Não é bem o que ocorre neste filme, mas, além de possuir uma sinopse divertida, a discussão derivada é exemplar!

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