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Às vezes, é necessário mostrar novamente o que já foi visto… [Ou por que o vangoghismo não sai de moda?]

Às vezes, é necessário mostrar novamente o que já foi visto… [Ou por que o vangoghismo não sai de moda?]

A pergunta entre colchetes no título deste artigo é uma provocação. E justifica-se magistralmente através do fotograma do filme que aparece como imagem de fundo: afinal, por mais abundantes que sejam as biografias sobre o pintor holandês Vincent Willem Van Gogh (1853-1890), os mistérios que rondam os seus últimos dias de vida permanecem obscuros, ainda que descrevam-se minuciosamente os acontecimentos que anteciparam a sua morte precoce, ao 37 anos de idade.

São inúmeras as versões fílmicas sobre este personagem real e, em cada uma delas, beneficiamo-nos de aspectos diferentes em cada abordagem autoral: no premiado curta-metragem documental “Van Gogh” (1948, Alain Resnais), entramos em contato com os eventos-chave da vida do artista com base na análise de suas obras, mais ou menos como ocorreu liricamente num episódio de “Sonhos” (1990, Akira Kurosawa); na minissérie televisiva – posteriormente convertida em filme – “Van Gogh – Vida e Obra de um Gênio” (1990, Robert Altman), acompanhamos as nuanças da relação delicada entre o pintor e seu irmão Theo, que trabalhava justamente como mercador de obras de arte; e na obra-prima francesa “Van Gogh” (1991, Maurice Pialat), deparamo-nos com um surpreendente alívio prazenteiro, focando mais nos momentos de júbilo experimentados pelo artista que em sua angústia tão amplamente conhecida.

Recentemente, foi lançada uma versão animada, “Com Amor, Van Gogh” (2017, Dorota Kobiela & Hugh Welchman), mas esta destacou-se mais por ser um longa-metragem completamente pintado a mão que pelo roteiro um tanto policialesco, abordando os derradeiros dias do pintor por um viés investigativo não de todo interessante. É o que não ocorre no novíssimo “No Portal da Eternidade” (2018), dirigido pelo também artista plástico Julian Schnabel e centrado nos mesmos temas que tornaram o clássico “Sede de Viver” (1956, Vincente Minnelli) um filme tão impactante: o desamparo psiquiátrico do protagonista e a sua indissolúvel fé religiosa, advinda da criação direcionada de seu pai, que era um pastor protestante e queria que seu filho seguisse a mesma orientação. Entretanto, o que deveria causar perpétua sensação de beatitude, frente à grandiosidade inequívoca da natureza, fez com o que o pintor chafurdasse numa sensação de incompreensão que o levou à loucura. Ou talvez fosse o que hoje compreendemos como depressão, mal do século XXI.

Repleto de sequências conduzidas com a câmera na mão e reproduzindo brilhantemente o impacto cromático das telas do pintor pós-impressionista, o filme de Julian Schnabel diferencia-se dos anteriores pelo modo como convida o espectador a sentir a mesma aflição experimentada pelo protagonista, interpretado de maneira intensa pelo excelente Willem Dafoe. Além de utilizar planos subjetivos em profusão, em vários momentos ouvimos as reflexões do pintor, sobre uma tela negra: logo no início, ele lamenta por não ser como os demais pintores, benquistos pela crítica de arte da época; mais à frente, ele explica o título do filme, ao referir-se às belezas naturais como um portal aberto para o infinito; ao fim, nem mesmo o profundo amor a Deus é suficiente para livrá-lo da tentação de acabar com a própria vida, num caso ainda mal-explicado, envolvendo adolescentes que brincavam com uma arma à sua volta, enquanto ele pintava. Morreu paupérrimo. Hoje, é celebrado como um dos maiores artistas de todos os tempos. Isto serve de consolo?

Num recurso cênico genial, o diretor faz com que os quadros postumamente famosos de Vincent Van Gogh sejam expostos enquanto seu corpo jaz, num velório. São recolhidos e desejados com avidez pelos compradores, enquanto o falecido artista não gozou em vida do merecido reconhecimento por seu extraordinário talento. Numa seqüência fascinante, Louis Garrel lê, em ‘off’, uma crítica favorável ao pintor, não devidamente compreendida sequer por ele mesmo. Ao término do filme, antes dos créditos finais, um elogio apaixonado à cor amarela, bastante marcante em suas obras. O diretor defende-o apaixonadamente, como o fizera em filmes anteriores – comumente centrados em artistas marginais e à frente de seus respectivos tempo – em relação a Jean-Michel Basquiat (1960-1988), Reinaldo Arenas (1943-1990) e Lou Reed (1942-2013). Julian Schnabel sente na pele a lógica do desamparo íntimo enquanto motor criativo e faz questão de impregnar-nos com tal sentimento. E, por mais que doa, é absolutamente gratificante. Além de ótimo, “No Portal da Eternidade” é também bastante terapêutico.

Malgrado desperdiçar seu fôlego nalgumas cenas pretensamente didáticas sobre um estilo idealizado nas obras de arte, este filme faz jus ao legado do mestre biografado e acrescenta algo de bastante relevante a um personagem real cuja história trágica já foi trazida para as telas do cinema diversas vezes. De maneira literalmente frontal, faz com que o espectador questione alguns preconceitos estéticos que acompanham a eclosão das vanguardas e enseje uma autoinvestigação acerca da possibilidade de converter em expressão artística os sofrimentos existenciais que porventura o acompanhem e o definam identitariamente. Vincent Van Gogh pode ter falecido mui precocemente, mas, no cabedal de filmes mencionado nesse texto, não se nega: antes de sucumbir à morte, ele viveu mui intensamente!

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