Conhecido por um estilo dramaúrgico despojado e marcado pelos diálogos inteligentes abordando crises relacionais, o cineasta tipicamente nova-iorquino Noah Baumbach tornou-se um dos artistas mais comentados do ano por causa de seu mais recente filme, “História de um Casamento” (2019). Produzido pela plataforma Netflix, este filme foi o mais indicado no anúncio dos concorrentes ao prêmio Globo de Ouro, cuja cerimônia ocorrerá em 05 de janeiro de 2020. Não obstante não ter sido nomeado como Melhor Diretor, este filme foi lembrado em seis importantes categorias: Melhor Filme – Drama, Melhor Roteiro, Melhor Trilha Musical (a cargo do compositor Randy Newman) e três categorias interpretativas, afinal merecidas e comentadas a posteriori.
Protagonizado por Adam Driver e Scarlett Johansson, ambos indicados ao referido prêmio nas categorias dramáticas de interpretação, “História de um Casamento” vai direto ao ponto na apresentação de sua amarga situação elementar: depois de um breve e unitário crédito titular, ouvimos o realizador teatral Charlie Barber enumerar aquilo que mais aprecia em sua esposa Nicole. Em seguida, ouvimo-la narrar algo semelhante e, poucos instantes depois, percebemos que tais narrações fazem parte de uma mediação matrimonial, no intuito por administrar amigavelmente um casamento fadado ao término. Se, por um lado, Charlie não se opõe em publicizar o que escrevera acerca de sua esposa, por outro, Nicole recusa-se, não sente-se confortável, o que instaura a abertura de um ciclo a ser fechado de maneira primorosa no desfecho do filme, conciliatório nalguma medida. Mas, até que cheguemos a este desfecho, muitas agressões verbais serão trocadas num tribunal, a cargo dos advogados de cada um dos ex-cônjuges…
Vivificada de maneira imponente por Laura Dern, a altiva e dispendiosa advogada de Nicole, Nora Fanshaw, pronuncia um diálogo que viralizou interneticamente, quando enfatiza o quão injusta é a cobrança destinada às mulheres em litígios, desde que a Virgem Maria engravidou sem sexo de um pai presente de maneira apenas simbólica. Graças a esta audaciosa metáfora bíblica, a intérprete é a favorita na categoria Melhor Atriz Coadjuvante, ainda que componha um papel deveras semelhante àquele que representou – e pelo qual também foi bastante premiada – na telessérie da HBO “Big Little Lies”. Não será uma láurea imerecida, enfatizemos: a atriz está extraordinária em cada uma de suas afrontosas entradas em cena. Tanto que chega mesmo a irritar-nos por estar tão coberta de razão em momentos delicados de uma assimétrica troca de acusações.
Analisando-se o filme de maneira clínica, pode-se constatar no enredo similaridades e posicionamentos do próprio diretor enquanto projeção de alter-ego no personagem de Adam Driver. Afinal, tal qual aconteceu com o protagonista masculino do filme, Noah Baumbach envolveu-se num processo mui complicado de divórcio com a atriz Jennifer Jason Leigh, concluído apenas em 2013, depois de mais de um biênio de enfrentamento público das “diferenças irreconciliáveis” entre ele e ela. Não é mais ou menos o que ocorre em “História de um Casamento”?
Fica evidente, na maior parte das seqüências, que a perspectiva defendida no filme é a surpresa vitimada de Charlie em relação às críticas e reclamações de sua esposa Nicole. Segundo ela, ele negligenciou os seus anseios pessoais enquanto atriz, ignorou as suas propostas de consolidação da carreira por recusar-se em mudar de cidade, e não a amava suficientemente, a ponto de ter tido um caso extraconjugal com a contra-regra da companhia teatral para a qual ambos trabalhavam. Ele tenta defender-se, mas demonstra-se estabanado ou displicente, o que atinge o cúmulo da evidência na desconfortável situação em que ele é visitado por uma assistente social, que avaliará o grau de seu envolvimento com o filho Henry (Azhy Robertson), de oito anos de idade. Segue-se um despejo de estultices, desde a incapacidade em esconder os resquícios de um soco dado na parede até o corte acidental do braço por um canivete. A partir desta seqüência, fica evidente que Nicole obterá êxito em suas queixas judiciais, mas o diretor mantém-se ao lado de seu protagonista, defende-o afetuosamente. E, neste sentido, Noah Baumbach expõe os seus maiores méritos directivos: uma pungente condução de atores e o uso inspirado de recursos de montagem que aproximam à distância os rostos do casal brigado através de enquadramentos que se concatenam…
Também conhecido por suas habilidades cômicas, Noah Baumbach instaura alguns pretensos alívios humorísticos através dos personagens de Alan Alda e Ray Liotta, que interpretam os dois advogados contratados, em diferentes momentos, por Charlie Barber. Numa das cenas próximas ao desfecho do filme, Adam Driver executa uma versão emocionada da canção “Being Alive”, de Stephen Sondheim, que o torna também favorito aos vindouros prêmios Oscar. Mas há algo de descompassado no filme, que não esconde o seu aburguesamento societal, a sua indissociabilidade descritiva quanto à elite aquisitiva dos EUA, e um esnobismo quase abstrato ao compartilhar conosco as angústias dos personagens. Ao final, felizmente, tudo se justifica: por mais que o roteiro coloque-se frontalmente ao lado de Charlie, também torcemos e ficamos felizes pelo sucesso e concomitante realização profissional e pessoal de Nicole. Na vida real, entretanto, os resultados são bem menos felizes. Sobretudo para as mulheres que lutam para alcançarem a sua independência expressiva. Em breve, falaremos sobre Greta Gerwig, atual esposa de Noah Baumbach, e também em evidência na temporada de premiações hollywoodianas por causa de um filme recente.