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Para pensar a comunidade lusófona: alguns vínculos históricos entre nós

Para pensar a comunidade lusófona: alguns vínculos históricos entre nós

CPLP

Nossa tese é de que a língua portuguesa sozinha não é capaz de produzir o sentimento de comunidade entre os países lusófonos. Não há menor dúvida de sua importância, mas é preciso ir além, querer enxergar os profundos encontros e desencontros históricos entre nós. Seja de lá para cá, de cá para lá, saindo e chegando de todos os lados há pontes que construímos e que são tão fundamentais que constitui o nós mesmos. Esse é um processo incontornável e independe de vontades políticas contemporâneas. Por isso, perceber com clareza essas raízes identitárias pode, ao nosso julgar, fazer que nos imaginemos como comunidade.

Nesse sentido, apresento abaixo um pequeno resumo de histórias que passam por Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe, na África lusófona; e do Timor Leste. Proponho uma narrativa que possamos perceber o quanto estamos atravessados por todos, com ampla participação de Portugal e do Brasil. Reforço que nesse espaço apenas trago alguns sucintos lances da história que indicam não um simples contato, mas profundas relações entre nós.

Angola
Por volta de 1482, quando Portugal invadiu aquelas terras pelo rio Congo elas já eram ocupadas por povos bantos, que se dividiam em vários reinos: Ovimbundu, Ambós, Bakongos, Lunda-Cokwel, Mbundu, entre outros. Os invasores encontraram o chefe dos Ndongo que, segundo Oliver e Fage (1980, p. 139), “possuía o título hereditário de Ngola, que os colonizadores deturparam dando mais tarde o nome de Angola à Colônia”. Para esses historiadores, e também para Rela (1992), em 1560, os portugueses Paulo Dias Novais e Diogo Cão avançaram sobre as terras de Ngola. Entretanto, a grande ocupação somente ocorreu no século seguinte.

É preciso lembrar-se da grande resistência dos africanos, o que resultou em vários massacres. Os sobreviventes dos genocídios eram escravizados nas minas de prata e muitos eram mandados para o Brasil. Em Angola, foram adotadas capitanias hereditárias e os seus donatários teriam que se manter sem ajuda direta de Portugal. Assim, uma das principais atividades econômicas para garantir as terras foi, segundo Delgado (1955), o comércio de africanos capturados para que fossem escravizados naquela colônia e em outras, como a do Brasil. As resistências lideradas por Bula Matadi, Ngola Kilwenje, a rainha Njinga Mbandi, Ekwikwi nunca cessaram, mas o poder bélico europeu e a catequese da missão civilizatória foram impiedosos e responsáveis por inúmeros massacres.

Cabo Verde
Essa nação-arquipélago formada por dez ilhas tem a invasão portuguesa datada de 1460, segundo Daniel Pereira (2011), sob o comando de António de Noli e Diogo Afonso. Um dos documentos mais antigos é a Carta Régia de 3 de dezembro de 1460, pela qual D. Afonso V doa as ilhas ao infante D. Fernando, seu sobrinho. Sua efetiva ocupação teria sido difícil por falta interesse da coroa portuguesa, em razão da não existência de metais, especiarias e escravos, além de terras pouco férteis.

Em 1497, a armada de Vasco da Gama, a caminho das Índias, lançou âncoras na Vila da Praia. Isso também aconteceu com Cristóvão Colombo e outros navegantes. Em 1500, antes de chegar ao Brasil, Pedro Álvares Cabral fez escala em Cabo Verde. Do ponto de vista humano, como as condições de sobrevivência ali eram difíceis, a solução encontrada por Portugal foi transportar africanos escravizados para Cabo Verde. Assim, a tarefa destinada para as ilhas foi a de ser um porto estratégico em razão de sua localização mediana entre Portugal e África. Segundo Pereira (2011, p. 26), a cabo-verdianidade “tem a marca indelével do negro africano, na sua condição degradante de escravo”.

Esse autor ressalta que enormes levas de negros arrancados da África, e que teriam o destino à escravização no Nordeste do Brasil, passavam, de forma obrigatória, por Cabo Verde. Lá eles recebiam a catequese e “aprendiam” a língua portuguesa e o cultivo da cana-de-açúcar. Destacamos, também, que para Cabo Verde foram enviados europeus e brasileiros considerados inimigos políticos da coroa portuguesa, ou seja, as ilhas se transformaram em lugar de exílio, uma grande prisão.

Guiné-Bissau
A história da Guiné-Bissau tem relação direta com as ilhas de Cabo Verde e com o Brasil. Por exemplo, Guiné e Cabo Verde são geograficamente muito próximos e a grande maioria dos guineenses capturados como escravos pelos portugueses era levada para um primeiro cativeiro em Cabo Verde e, depois, seguiam para o Brasil, de modo especial para a Província do Grão Pará, atuais estados brasileiros do Pará e do Maranhão.

Relata Carlos Lopes (1998) que por volta de 1446, alguns portugueses, entre eles Nuno Tristão e Álvaro Fernandes, teriam invadido a Guiné em busca de negros para a escravização e também de ouro, marfim e especiarias. A principal fortaleza erguida foi instalada às margens do rio Cacheu. Essa região era subordinada ao governador português em Cabo Verde. Como a rentabilidade do comércio escravagista era alta, a Guiné passou a ser uma parada obrigatória de ingleses, franceses, holandeses. A Inglaterra chegou a ter um mercado próprio naquela colônia portuguesa. Por conta disso, em 1879, os portugueses separaram as administrações de Cabo Verde e da Guiné para o maior controle. Durante mais de três séculos, a Guiné-Bissau não passou de uma fortaleza militar e de um local de captura e de comércio escravagista, fornecedor de negros africanos para o Brasil.

Guiné Equatorial
Assim como muitos países colonizados, sua história tem a narrativa mais conhecida a partir da invasão europeia. Lembra-nos Pedro Acosta-Leyva (2014), que os portugueses chegaram à Guiné Equatorial por volta de 1471. Fernando Pó invadiu as ilhas de Bioko (que passaram a ser Fernando Pó), e a de Ano Bom. Em razão dos tratados de Santo Ildefonso e de El Prado, entre Portugal e Espanha, em 1778, a Guiné Equatorial passa para Castella. Em troca, os portugueses conseguiram que as tropas espanholas deixassem a ilha de Santa Catarina, no Brasil, e que concordassem com a demarcação das fronteiras na colônia portuguesa nas Américas.

Esses acordos teriam causado a revolta dos “colonos” portugueses estabelecidos na Guiné desde 1494, especialmente nas ilhas de Fernando Pó, Ano Bom e Corisco. Isso porque a Guiné Equatorial Portuguesa já era um forte ponto de captura e venda de escravos para o Brasil e Europa (Acosta-Leyva, 2014). A ocupação espanhola demorou a se concretizar e apenas no final do século XIX a Espanha teve controle sobre a Guiné Equatorial. A Guiné conquistou sua independência em 12 de outubro de 1968.

Moçambique
Séculos antes da invasão dos portugueses em Moçambique, aquelas terras eram ocupadas por vários reinos bantus, que se dividiam nas ações de agricultura e no trabalho com ferros e metais. Desde o século X, também entraram ali os árabes, que chegaram a montar entrepostos para o comércio de ouro, marfim, madeiras e escravos. Somente em finais de século XV, iniciou-se a invasão portuguesa. Por volta de 1497, Vasco da Gama teria chegado a Moçambique. Depois de lutas contra os árabes, os portugueses conseguiram se estabelecer e logo levantaram fortalezas em Sofala, em 1505; na Ilha de Moçambique, em 1509; e em outras áreas.

José Capela (2010) revela a importância dos jesuítas nessas missões portuguesas para o “amansamento” dos negros capturados para o trabalho escravo nas minas em Moçambique e, principalmente, aqueles que eram levados ao Brasil. Somente “em 1761 é que Moçambique teria merecido atenção da Coroa quando foi nomeado o primeiro governador enviado do reino” (Capela, 2010, p. 23). A ocupação mais efetiva dos portugueses ocorreu em razão da persistência dos árabes, que jamais se deram por vencidos. Além disso, as grandes minas de ouro, prata e o intenso comércio de escravos também atraíam ingleses e franceses.

Lembra-nos José Luís Cabaço (2007) que apenas no século XIX Portugal tentou se firmar em Moçambique e, para isso, foi buscar apoio de empresas privadas. Foram montados consórcios de companhias para maior exploração da colônia, empresas que foram chamadas de majestáticas porque tinham direitos quase soberanos sobre as terras e as gentes de Moçambique. Com o Estado Novo em Portugal, essas companhias privadas continuaram atuando, mas com uma maior presença da metrópole, principalmente com o envio de soldados e de ações mais repressoras. Portugueses presos e perseguidos pela ditadura foram exilados em Moçambique e em outras colônias (Cabaço, 2007). 

São Tomé e Príncipe
Antes da entrada dos portugueses João de Santarém e Pedro Escobar na ilha de São Tomé, em 1460, e, um ano depois, na de Príncipe, esse arquipélago já era ocupado por poucos nativos, conforme diz Augusto Nascimento (2001). Em razão da pouca povoação, os invasores despejaram lá inúmeros europeus degradados, filhos de judeus, e outros negros já escravizados na costa da África. Também para lá foram mandados brasileiros inimigos da coroa portuguesa. Por força de sua localização geográfica estratégica, as ilhas se tornaram importante entreposto comercial de escravos. Muitos dos que chegaram ao Brasil, também passaram pelas Ilhas de São Tomé e de Príncipe.

Nascimento (2001) ressalta a extrema violência para com os escravos, o que sempre produzia fortes reações. Eram registradas fugas dos negros para as florestas e ações organizadas de resistência. No interior das ilhas eram formados quilombos e em um dos mais importantes deles, Amador, um escravo chegou a ser proclamado rei de São Tomé, comandando grandes revoltas (Nascimento, 2001). Com a redução do tráfico de escravizados para as ilhas, muitos mais moçambicanos, cabo-verdianos e angolanos foram deslocados para elas e se envolveram nas roças de cana-de-açúcar, cacau, pimenta, fumo, café.

Timor-Leste
Ele somente tornou-se um país livre em 20 de maio de 2002. Sua história é de longas dominações coloniais, de massacres e de uma constante reconstrução. Timor fica no sudeste asiático, tem fronteira terrestre com a Indonésia e marítima com a Austrália. Diz Carolina Galdino (2012) que a ida de Portugal ao sudeste asiático era parte do projeto econômico de estabelecer comércio com o Oriente, desviando-se do controle quase total que os venezianos e genoveses tinham.

Antes dos invasores europeus, Timor era ocupada por caçadores e agricultores que já faziam uma espécie de comércio com chineses e com a Índia. A região produzia madeira, sândalo e outras especiarias, e as sociedades eram organizadas em reinos (Galdino, 2012). Os portugueses chegaram em Timor por volta de 1511 em busca de escravos, metais e especiarias. Como ocorreu em outras invasões, a violência era marca registrada. No caso do Timor, era bastante comum os europeus cortarem as cabeças, em praça pública, dos nativos que se recusavam a se converter em cristãos-escravos, como nos lembra Johanna Schouten (1999).

Timor-Leste também foi um palco de inúmeras ações de resistência. Uma das revoltas mais conhecidas foi a de Manufahi, entre 1911 e 1912, e com mais de 15 mil mortos. Com o fim da Segunda Guerra e com as tensões políticas em Portugal que resultaram no fim da ditadura de Salazar, os grupos de resistência em Timor se mobilizaram para sua independência. Essas ações também chamaram a atenção da vizinha Indonésia. Na prática, Timor parecia terra de ninguém (Galdino, 2012). Alegando agressões e falta de capacidade do governo português, a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente proclamou, unilateralmente, a independência em 28 de novembro de 1975. Portugal abandona o Timor e, cinco dias depois, a Indonésia tomou aquele país e implantou um período de 27 anos de terror, estendendo-se até 2002.

Ao trazermos de forma extremante resumida alguns tópicos das histórias dos países membros da CPLP, logo podemos perceber o quanto estamos entrelaçados por tantas pontes, e isso, muito além do idioma. É esse emaranhado de fios históricos e identitários que nos amarram de uma forma tão profunda que, em algum momento, desenvolveu-se o sentido de comunidade entre nós. Mas que comunidade é essa? O que de fato é a CPLP? Sobre esse aspecto, os detalhes políticos da construção da CPLP, com as participações de Brasil e Portugal, é o que vamos tratar no próximo texto dessa coluna.

Referências

Acosta-Leyva, P. (2014). Guiné Equatorial na história do Atlântico: o território brasileiro e a manutenção escravista em cuba. Revista Mnemosine, PPGH-UFCG, v.5, n.1, p. 150-162, jan/jun. Disp. em <http://mnemosinerevista.wixsite.com/ppgh-ufcg>. Acesso em 12 mai. 2016.

Cabaço, J. L. (2007). Moçambique: identidades, colonialismo e libertação. (Tese de Doutorado). USP: São Paulo.

Capela, J. (2010). Moçambique pela sua história. Ribeirão/Portugal: Húmus.

Delgado, R. (1955). História de Angola. Lobito, Benguela: Livraria Magalhães.

Galdino, C. F. (2012). Nasce um Estado: a construção de Timor-Leste. Dissertação do Programa de Pós-Gradução em Relações Internacionais da Unesp. São Paulo.

Lopes, C. (1988). Para uma Leitura Sociológica da Guiné-Bissau. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Lisboa-Bissau.

Nascimento, A. (2001). S. Tomé e Príncipe. In: Marques, A. & Serrão, J. Nova História da Expansão Portuguesa – O Império Africano 1890-1930, Lisboa: Estampa.

Oliver, R. & Fage, J. D. (1980). Breve história de África. Lisboa: Sá da Costa.

Pereira, D. A. (2011). Das relações históricas Cabo Verde/Brasil. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão.

Rela, J. M. Z. (1992). Angola: entre o presente e o futuro. Lisboa: Escher e Agropromotora.

Schouten, M. J. (1999). Antropologia em Timor Português – Os constrangimentos do colonialismo. In: Congresso Práticas e Terrenos da Antropologia em Portugal, Lisboa. Disponível em <http://www.infocambiouniversitario.com.br/pag/schouten-johannaantropologia-timor-portugues.pdf>. Acesso em 06 nov. 2017.

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