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Interpretatite, vulgo: gripe das letras

Interpretatite, vulgo: gripe das letras

Escrever – seja que tipo de texto for – é sempre um desafio; porém, considero que escrever por encomenda possa ser um desafio maior… Pelo menos, para mim. E nesse contexto concordo inteiramente com o que li recentemente no linkedin sobre a importância de evitarmos as expressões que tendem à generalização. Como romancista, contudo, considero todas estas preocupações excessivas e um reflexo da sociedade paternalista que temos estado a criar; temos pavor de ofender. No entanto, entenda-se que a ofensa nasce da ignorância de quem não sabe interpretar o que foi escrito; e, se assim pensarmos, será que estamos a ofender?

Se, por ventura, usarmos a expressão «Vai atirar-te para a um poço!», e alguém o fizer, temos culpa?

Fomos nós – que usámos uma expressão idiomática – os verdadeiros culpados; ou foi ignorância e incapacidade, dessa pessoa, para entender a linguagem figurativa?

E, se quisermos ir mais longe, não será o sistema educativo o verdadeiro culpado?

No entanto, não pretendo falar de culpados… O que me preocupa, enquanto ser humano, é procurarmos soluções para um sintoma em vez de procurarmos soluções para a cura; e, enquanto escritor – artista –, é estarmos, aos poucos e poucos, a cercear a criatividade, manipulando as ferramentas criativas, retirando-lhes carga expressiva, transmutando a expressão artística – que, por natureza, é única e original – num conjunto de obras amorfas, taxativas e sem qualquer tipo de expressividade…

Desde sempre, dos princípios dos tempos, que as posições de uns ofendem os outros; e isso nunca foi um problema. Faz parte na natureza humana discordar de outros, ter as suas próprias opiniões e aceitar que outros tenham opiniões diferentes. Porque razão isto se tornou um problema, agora; porque há tanta preocupação em não ofender?

Talvez me digam: porque há cada vez mais ofendidos. Mas será que isto significa que são eles que estão certos e todos os outros têm de mudar?

Numa epidemia, de repente, há muitos doentes… O que fazemos? Tentamos curar ou decidimos todos adoecer?

O problema – parece-me – não está na liberdade de expressão, mas na falta de capacidade em saber lidar com ela; quer de quem produz, quer de quem consome.

Poderão ainda argumentar que há uma maioria que discorda de mim; que é a maioria dos consumidores que se sente ofendida. Passando à frente a metáfora da epidemia – que aqui também se aplica; será que é mesmo assim?

Vivemos num mundo global com acesso fácil à comunicação… É fácil parecer uma maioria; e lembro que só os descontentes protestam, pelo que não conseguimos comparar o número de descontentes com os que estão satisfeitos… Mas – estou quase certo – se fosse possível fazer uma estatística sobre isto, verificaríamos que talvez os desagradados não fossem tantos assim; talvez até se conseguissem isolar e entender que a razão por que estão ofendidos é não terem entendido o que foi dito…

Não deveríamos, em vez de os protegermos, esforçamo-nos por os ensinar a interpretar?

Não estaremos, ao proteger, a promover uma anomalia educacional?

Aqui há muitos anos, quando os filmes do Super-Homem apareceram pela primeira vez, contava-se que uma criança colocara uma capa e atirara-se de uma janela; acreditando que poderia voar. Sendo uma criança, disse-se que fora levada pela fantasia do filme e não soubera distinguir essa fantasia da realidade… Se fosse um adulto a fazê-lo, dir-se-ia – simplesmente – que era maluco. Porquê?

Porque é aceitável que uma criança não tenha argumentos para saber distinguir a realidade da fantasia; mas tal já não o é para um adulto normal… Por isso mesmo, não se parou de fazer filmes sobre o Super-Homem, nem se «proibiu» o Super-Homem de voar; contudo, se isso acontecesse hoje, e fosse – por ventura – um adulto a tentar voar com uma capa sobre os ombros, talvez isso fosse ponderado…

A questão é:

Deveremos matar a cultura e a inteligência comunicacional humana, apenas, porque há um conjunto de pessoas que não tem as ferramentas necessárias para saber comunicar?

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