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É válida uma cobertura de festival baseada em apenas metade da programação vista? Por que torcemos por obras específicas em premiações?

É válida uma cobertura de festival baseada em apenas metade da programação vista? Por que torcemos por obras específicas em premiações?

As perguntas constastes deste título são inicialmente retóricas, mas que nos direcionam a uma necessária reflexão acerca do excesso de entusiasmo que alguns espectadores depositam nos resultados de premiações, convertendo a audiência a algumas obras em passos exordiais de uma rinha cinematográfica. No caso brasileiro, por conta do sucesso que “O Agente Secreto” (2025, de Kléber Mendonça Filho) vem fazendo em alguns festivais de cinema, já tem quem esteja buscando “‘tweets’ antigos” de fortes concorrentes, como Jafar Panahi, Joachim Trier ou Kaouther Ben Hania, a fim de fazer com que polêmicas externas diminuam as possibilidades de valorização na edição vindoura do Oscar, em 2026 — conforme aconteceu com a atriz espanhola Karla Sofía Gascón. É um traço geracional que prejudica a recepção orgânica a filmes que têm algo a nos dizer, apenas por existirem, a despeito da empolgação que provocam em torcidas de caráter quase futebolístico. Ver, elogiar e divulgar os filmes, na maioria dos casos, é mais do que suficiente!

Tal preâmbulo serve como deixa para que comentemos algumas experiências vivenciadas na quinquagésima oitava edição do Festival de Cinema Brasileiro de Brasília, que ocorreu entre 12 e 20 de setembro de 2025. Esta última data corresponde à noite de premiação, em que serão conhecidos os filmes eleitos pelos jurados e público presente nas diversas seções competitivas do evento. Porém, a lista de laureados não esgota o interesse no que foi visto, pois quase uma centena de produções, entre curtas e longas-metragens, foi exibida na edição atual deste festival, vários deles em mostras paralelas e não competitivas.

O responsável por este texto teve o privilégio de estar presente no festival por três dias e meio e assistiu a alguns dos principais títulos em competição, de modo que serão comentadas, aqui, algumas obras: o primeiro filme a ser exibido, na seção competitiva de longas-metragens, foi a produção cearense “Morte e Vida Madalena” (2025, de Guto Parente), que já tinha feito sucesso na vigésima oitava edição da Mostra Tiradentes, enquanto projeto ainda não finalizado, e na edição 2025 do FIDMarseille. Trata-se de uma divertidíssima comédia, sobre uma produtora grávida, a personagem-título (intensamente vivida por Noá Bonoba), que enfrenta diversos problemas relacionados ao filme que está gravando, baseado num roteiro de seu pai recém-falecido (Carlos Francisco). Dentre estes problemas, as variações de humor de um diretor cocainômano (Marcus Curvelo), com quem ela é emocionalmente envolvida, os surtos alucinados de um ator frenético (Tavinho Teixeira, magnífico num papel muito parecido consigo mesmo) e as dificuldades para angariar recursos e pagar a equipe técnica, problemas que terminam engendrando uma greve entre os profissionais envolvidos na sua produção.

Magistralmente bem-humorado, este filme — quiçá o nosso favorito, dentre tudo o que foi visto no festival — lida com delicadeza quanto a situações que, noutro registro directivo, seriam assaz dramáticas, como o luto, as privações monetárias e as crises e discussões ocorridas entre a equipe. O motivo para que um bebê seja batizado de Fellini e a sequência em que a protagonista despeja as cinzas de seu pai cremado no mar são, desde já, alguns dos mais interessantes motes cinematográficos do ano, quanto ao que foi realizado no Brasil. Na mesma seção competitiva em que está “Morte e Vida Madalena”, encontramos filmes tão diversos como o documentário Xingu à Margem” (2025, de Wallace Nogueira & Arlete Juruna), sobre uma líder comunitária paraense que lida com a devastação provocada pela instalação de uma usina hidrelétrica na região em que vive, e o drama carioca “Quatro Meninas” (2025, de Karen Suzane), sobre um quarteto de moças escravizadas que, no final do século XIX, fogem das residências onde estavam aprisionadas e, no percurso, são acompanhadas por quatro raparigas brancas, que se sentiam maltratadas num pensionato, onde eram prometidas em casamento a homens que não desejavam. O viés desta última produção é marcadamente feminista, mas algo no roteiro instaura um mal-estar progressivo, de modo que o discurso emancipatório ou identitário do filme chafurda numa trama desleixada, que desperdiça a direção de arte exuberante e as atuações espontâneas das jovens atrizes. Uma pena!

Os demais filmes concorrentes nessa seção principal, não vistos pelo autor destas linhas, são: a produção paraibana “Corpo da Paz” (2025, de Torquato Joel), sobre um garoto que “enfrenta o embate entre desejo e repressão no momento em que chega um enigmático pesquisador americano ao Centro de Pesquisas do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS)”, conforme resume a sinopse; o documentário mineiro “Aqui Não Entra Luz” (2025,de Karol Maia), sobre as pesquisas e memórias da diretora, filha de uma empregada doméstica, e o modo como estas profissionais são tratadas na atualidade, em quartinhos afastados dos cômodos principais das residências de seus patrões; a trama policial “Assalto à Brasileira” (2025, de José Eduardo Belmonte), auto-explicativa desde o título; e a ficção científica gaúcha “Futuro Futuro” (2025, de Davi Pretto), que, para muitos, chega como favorita, em sua abordagem sobre os perigos viciantes da Inteligência Artificial, entre outras questões. Para além de quem seja premiado, no sábado derradeiro do evento, é nossa obrigação fazer com que estes filmes sejam também vistos e debatidos após o festival. E isto vale para o conjunto de indicados em qualquer certame!

Wesley Pereira de Castro.


Crédito da imagem: registrada pelo autor durante a sua participação no evento comentado no texto.

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