Depois de provar, com dados, que a comunidade lusófona esteve invisível no Brasil nos primeiros 20 anos da CPLP, passei a investigar sobre o pouco que foi divulgado nessas duas décadas em O Globo e a Folha de S.Paulo, os dois maiores jornais brasileiros. Fui buscar quais foram as temáticas, as abordagens, o que se disse sobre essa comunidade no Brasil. Vasculhar poucas notícias sobre a CPLP pode ajudar a compreender o porquê de tantos silenciamentos e invisibilizações dela no Brasil.
De forma didática, dividimos os poucos registros na Folha de S.Paulo e em O Globo em dois blocos: no primeiro, tratamos das personagens dos presidentes da República do Brasil que tiveram papel noticioso em torno dessa comunidade, mas buscamos também registros sobre os presidentes dos demais países da CPLP. No segundo bloco, reunimos as temáticas gerais apresentadas para fazer falar e fazer mostrar essa comunidade. Os temas foram divididos em Acordos Institucionais, Conflitos e Cultura.
Nos 20 anos da CPLP, os presidentes brasileiros foram Fernando Henrique, Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. Em todo esse período encontramos registros com presidentes e/ou primeiros-ministros de Portugal, do Timor-Leste, de Moçambique e de Cabo Verde.
Sobre esse primeiro bloco, as notícias da CPLP e a presença dos presidentes da República resultaram em 26 registros na Folha de S.Paulo, sendo 7 com Fernando Henrique Cardoso e 14 com Luís Inácio Lula da Silva. Em O Globo, o volume total de menções sobre os presidentes dos países da CPLP foi de 22, e esses dois presidentes brasileiros tiveram 5 e 7 menções, respectivamente. Os demais registros foram distribuídos entre os outros mandatários lusófonos.
Os dados revelam que na Folha, a “presença” de Lula associada à comunidade lusófona foi o dobro da verificada com Fernando Henrique. Em O Globo, a diferença entre os dois foi pequena, mas com leve vantagem para Lula. Nesse levantamento, chama atenção a ausência de registros com a presidenta Dilma. Ela esteve no poder por cinco anos e oito meses e não há nenhuma notícia do seu envolvimento direto com as temáticas dos países lusófonos. Em 2016, encontramos um único registro de Temer em razão de uma conferência da CPLP em Brasília.
Ressaltamos a presença significativa, em O Globo, dos presidentes e/ou dos primeiros-ministros de Portugal. Eles tiveram o mesmo número de notícias que o presidente Lula. Esses jornais também publicaram entrevistas com Joaquim Chissano, de Moçambique, e com Ramos-Horta, de Timor-Leste. O Globo trouxe ainda uma minúscula entrevista com José Maria Neves, primeiro-ministro de Cabo Verde. Em resumo, sobre os presidentes “estrangeiros”, na Folha houve 4 registros, sendo 2 de Portugal. Em O Globo foram 10, sendo 7 deles portugueses, o que revela clara predominância europeia na escolha de quem devia falar sobre a comunidade.
No segundo bloco, passamos a considerar os registros das Temas Gerais da CPLP. Nele, tanto na Folha de S.Paulo quanto em O Globo, a categoria Acordos Institucionais foi a que abrigou os maiores registros. Nossa investigação apontou que 74% dos registros sobre os Acordos Institucionais trataram apenas do acordo ortográfico. Existem outras pequenas notícias sobre convênios nas áreas de educação, saúde, segurança e informática, mas as predominantes foram sobre as tentativas de unificação da escrita no espaço lusófono.
Importante ressaltar que, em algumas notícias na categoria Cultura, o acordo ortográfico também foi citado, mas sem predominância narrativa. Outra constatação é que quando a investigação buscava pela palavra-chave “Lusofonia” os registros nos dois jornais remetiam sempre para as notícias das temáticas culturais. Ou seja, não existe uma associação nítida e direta entre lusofonia e CPLP. Essa entidade apareceu quase sempre vinculada aos Acordos Institucionais e aos conflitos na comunidade.
Nesse último tópico podem ser vistas notícias sobre golpes ou tentativas em Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, além de registros de corrupção e de ditadura em Angola e Guiné-Equatorial. Destacou-se também as notícias nesse período sobre a luta pela independência de Timor Leste.
Ao avançar sobre os dados nos jornais, averiguamos em que editorias essas notícias foram publicadas nos 20 anos da CPLP. Em O Globo, a maioria foi para a cobertura internacional, na editoria de O Mundo, especialmente quando as suas temáticas trataram de conflitos. Na sequência, nesse mesmo jornal, temos os registros dos presidentes da República e dos Acordos Institucionais. No Segundo Caderno e no encarte Prosa & Verso estiveram todas as notícias culturais e, quando juntas, elas superaram o volume inserido em O País, onde geralmente os presidentes da República foram os protagonistas. Do ponto de vista da editoria de economia, a CPLP não teve qualquer atenção de O Globo. Além disso, o jornal dedicou, em duas décadas, um editorial e, nele, tratou das relações diplomáticas Brasil/África, condenando-as duramente.
Na Folha de S.Paulo, a localização dos registros segue uma ordem pontualmente inversa à de O Globo. Nesse jornal, a predominância está na cobertura nacional e que, geralmente, envolveu os presidentes do Brasil. Os Acordos Institucionais da CPLP acabaram seguindo para a editoria de Cotidiano; os Conflitos para Mundo, e os cadernos Ilustrada e Mais abrigaram as temáticas da Cultura. Existem 3 registros de economia (Mercado) e um único editorial em que a Folha critica os esforços do Brasil em colocar em prática a reforma ortográfica sem esperar pelo “aval” de Portugal.
Para finalizar a apresentação do que foi coletado nessa investigação, verificamos sobre as assinaturas desses registros nos dois jornais. A ideia era saber se as agências internacionais de notícias colaboraram decisivamente, ou não, nas informações em O Globo e na Folha de S.Paulo sobre a CPLP. Em outras palavras, buscamos apurar em que medida as agências europeias e estadunidenses noticiaram os países da comunidade, e se essa cobertura foi reproduzida nos jornais brasileiros.
Os resultados do levantamento revelaram que a grande maioria dos registros foi produzida por repórteres dos próprios jornais no Brasil, em especial de Brasília, do Rio de Janeiro e de São Paulo. Em apenas 4 notícias, em O Globo, e 9 na Folha existem a clara indicação de que houve a colaboração das agências internacionais, a exemplo da Agência de Notícias de Portugal (Lusa) e da Agence FrancePresse (AFP).
Há um volume expressivo da participação de correspondentes de O Globo e da Folha de S.Paulo nessas notícias. A maioria deles acompanhava as viagens dos presidentes brasileiros. Em resumo, a visão que se construiu da CPLP no Brasil é obra da cobertura realizada por jornalistas de O Globo e da Folha, com pouca interferência – pelo menos expressa – das agências internacionais de notícias. Isso, do ponto de vista de nossos objetivos, é interessante porque revela que a CPLP teve um regime de visibilização proposto por “falas diretas” dos jornais brasileiros.
Depois de apresentar todos esses números e dados nesses últimos textos, reforçamos que a comunidade lusófona esteve em profunda invisibilização nos seus primeiros 20 anos em terras brasileiras. Na próxima semana, vamos aprofundar ainda mais nossa investigação na tentativa de buscar saber o porquê dessa construção de apagamento, para além dessas constatações.