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Protestar contra o que oprime: a balbúrdia mais que necessária!

Protestar contra o que oprime: a balbúrdia mais que necessária!

Em abril de 2019, o ministro brasileiro da Educação Abraham Weintraub – por mais antitética que seja esta associação entre nome e cargo – realizou um pronunciamento abjeto, declarando que os recursos públicos de algumas universidades seriam cortados em razão da manifestação renitente de “balbúrdia” nas referidas instituições. O pronunciamento, obviamente, causou muita revolta e constrangimento, de modo que o próprio ministro tentou remendar a má situação criada, piorando ainda mais a extensão de sua malevolência administrativa. Passeatas de repúdio ao tal pronunciamento foram abundantes (e ainda insuficientes), mas este tipo de julgamento estouvado torna evidente a necessidade emergente de contestar radicalmente a afirmação deletéria.

Demonstrando que este tipo de protesto contra a pretensa implantação de uma torpe “etiqueta” universitária não é exclusividade da conjuntura (des)governamental hodiernamente em curso, convém trazer à tona a filmografia de uma das mais autorais vozes protestantes contra a repressão ditatorial na esfera dos costumes. No ‘corpus’ da cineasta Ana Carolina, encontramos como ponto nodal a famosa “trilogia da garota mal-comportada”, que tematiza polifonicamente os ímpetos de revolta no seio familiar [“Mar de Rosas” (1977)], nas instituições escolares [“Das Tripas, Coração” (1982)] e no casamento em crise [“Sonho de Valsa” (1987)]. E é sobre o segundo desses filmes que passarmos a falar a partir de agora…

Merecidamente premiado com os troféus de Melhor Direção e Melhor Montagem no Festival de Cinema de Gramado, em 1983, este filme foi obviamente perseguido pela Censura oficial do governo ditatorial, que exigiu que fosse inserida uma Advertência no cartaz original no filme: “Este filme apresenta uma visão delirante, que não corresponde à realidade. Não se trata, pois, de uma tese que se imponha a título de proposta. Neste sentido, o filme não agride crenças e visões do mundo, cujos símbolos exibe”. Necessário acrescentar que esta advertência de nada serviu? (risos)

Como se não fosse suficiente, o filme foi absurdamente mal-interpretado em suas proposições enredísticas, afinal esparsas, visto que a diretora preocupa-se bem mais com o deslindamento de uma situação opressiva que com a confecção de um entrecho. É tudo bastante improvisado e gritado, sendo que as interpretações do elenco chegam a emular o estilo esquizofrênico de condução actancial do polonês Andrzej Zulawski (1940-2016). Piadas espontâneas, improvisos gritados, chistes e ditados populares, tudo é aproveitado como gancho discursivo pelos atores (sobretudo, pelas atrizes), que utilizam os próprios corpos como ferramentas múltiplas de protesto. Extenuante, nalguns momentos, mas enfático em proposta de ataque à insuficiência dos “bons costumes” pequeno-burgueses e/ou militaristas.

Tramaticamente, em termos bastante gerais, o filme tem como mote inicial a chegada de um interventor estadual (Antônio Fagundes) num colégio para moças, cujas dirigentes são suspeitas de desvio de verbas e de ineficácia educacional. Enquanto aguarda o momento de conferenciar com as diretoras (interpretadas por Dina Sfat e Xuxa Lopes), o interventor adormece – precisamente quando faltavam cinco minutos para as cinco horas da tarde. E, daí para a frente, as situações mais estapafúrdias são apresentadas, à guisa de ‘flashback’, antes do inevitável fechamento do colégio. Dentre estas situações, testemunhamos aulas interrompidas pela rebeldia incontrolável das alunas, arremedos de orgias sendo desenvolvidos num banheiro, troca de afagos e acusações entre um professor de Literatura lúbrico e as insatisfeitas diretoras, comparação de cotidianos entre o alunado, o corpo docente e os faxineiros da instituição, e o confronto ideológico renitente entre a necessidade de se obedecer às leis (ainda que injustas) e os anseios mais elementares de qualquer ser humano social…

O cabedal de elementos anárquicos atinge um píncaro tão elevado no filme que, numa quase inacreditável translação subjetivo-punitiva, a sinopse desta obra foi resumida da seguinte maneira, no sítio eletrônico colaborativo Wikipédia: “Em um colégio para meninas, moças seminuas e neuróticas praticam todas as modalidades de sexo e de masturbação”. Logicamente, o filme está longe disso, ainda que algumas destas modalidades apareçam efetivamente no filme. Atribuir esta síntese erótica deturpada ao compêndio de denúncias levadas a cabo pelo filme – que possui momentos de extrema subversão, como quando uma rapariga urina no meio de uma igreja, em plena missa, a fim de ganhar uma aposta, ou quando, diante de uma insinuação orgiática, uma figura crucificada de Jesus Cristo pede para lamber as pessoas que fazem sexo – demonstra não apenas um extremo desconhecimento do que ele representa politicamente como uma perniciosa intenção destrutiva de algo que põe a nu a fragilidade e a malevolência da ideologia conservadora de direita. Não é por acaso que ele foi aqui exortado: quando o filme foi realizado, O Brasil estava numa época de reabertura democrática. Hoje, lamentavelmente, descamba para o retrocesso parafascista…

Wesley Pereira de Castro.

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