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“What the Fox”: denúncias bombásticas são potentes furos cinematográficos!

“What the Fox”: denúncias bombásticas são potentes furos cinematográficos!

Antes que as denúncias generalizadas contra os assédios sexuais perpetrados pelo produtor cinematográfico Harvey Weinstein viralizassem e dessem origem ao movimento de protesto “#MeToo”, houve uma acachapante situação similar envolvendo âncoras telejornalísticos da emissora Fox News. Em meados de 2016, em meio à agressiva campanha eleitoral do magnata Donald Trump, que, afinal, foi eleito presidente dos Estados Unidos da América, a jornalista Gretchen Carlson processou o então presidente da emissora Fox News, Roger Ailes, por assédio sexual, numa situação que desencadeou diversas denúncias semelhantes.

Em 2019, esta cadeia de eventos (extra)jornalísticos converteu-se em enredo do filme “O Escândalo” [título original: ‘Bombshell’], dirigido por Jay Roach e roteirizado por Charles Randoph, especializado em tramas que satirizam as mutretas socioeconômicas de seu país. Em “O Escândalo” por exemplo, a perspectiva inicial de narração está sob o jugo da apresentadora telejornalística Megyn Kelly (interpretada por Charlize Theron), que explica aos espectadores porque é merecedora da alcunha de “boca grande”. Num debate com o então candidato Donald Trump, ela confronta-o quanto às suas declarações chauvinistas, o que traz à tona uma perseguição moral bastante similar ao que ocorre no Brasil quanto aos opositores dos bolsonaristas no poder…

Enquanto testemunhamos os rompantes de profissionalismo de Megyn Kelly, cujos esforços são agravados pelo fato de ela ser uma mulher imersa numa corporação extremamente machista, conhecemos as estórias paralelas de Grtechen Carlson (Nicole Kidman) e Kayla Popisil (Margot Robbie). A primeira delas é conhecida por suas posturas tendentes à defesa feminista, tanto que, após uma tentativa de denunciar a flagrante objetificação da mulher nos programas televisivos da Fox News (recusou-se a usar maquiagem enquanto apresentava um telejornal vespertino), enceta uma briga feroz com Roger Ailes (vivido por John Lithgow, em impressionante transformação física) que resulta em sua demissão. E é a partir daí que provas coletadas ao longo de anos de assédio sexual e moral serão publicizadas como mote para o processo jurídico que ela abrirá contra o poderoso comandante da emissora, metonimicamente designado pela alcunha de “segundo andar” quando ordena alguma decisão administrativa.

A segunda destas personagens, por sua vez, possui uma trajetória mais delicada, registrada no roteiro de maneira extremamente sutil, a fim de não ser vilanizada: em suas primeiras aparições, Kayla é mostrada com uma evangélica adaptando-se às novas necessidades de seu trabalho, causando um desconforto generalizado ao admitir que não conhece “música secular”, quando erra a imagem do vocalista da banda Eagles numa reportagem. Logo em seguida, trabalhando como assistente de Gretchen Carlson, ela é convidada para ascender em sua carreira ao migrar para a equipe de um conceituado jornalista, o que causa uma rusga com a sua mentora, que requer lealdade de sua parte. Ambiciosa, Kayla anseia por aparecer na TV e atender ao que fora esperado por sua família extremamente conservadora, obcecada pela tendência direitista do canal Fox News. E, neste sentido, ela submete-se a vexatórias exposições sexuais para o diretor Roger Ailes, que consegue transar com ela, mesmo sendo praticamente paralítico em razão de conseqüências de uma hemofilia crônica, que afinal causaram a sua morte em 2017. E estamos ainda no começo do filme…

Pouco a pouco, o ótimo roteiro de Charles Randolph concatena estas e outras estórias, demonstrando o quão generalizada é a permissividade dos estupros na emissora, visto que eles providenciam a fama imediata e o sucesso das apresentadoras, que são obrigadas a usar roupas curtas, a fim de que suas pernas fiquem em evidência durante os telejornais e debates. Ou seja, por mais talentosas que as jornalistas sejam, seus dotes físicos erotógenos são mais enfatizados que as suas idéias e posicionamentos políticos. E, até então, todo este abuso parecia consensual, visto que poucas vozes atreviam-se a denunciar os desconfortáveis momentos de extremo assédio, sob a ameaça de perderem os seus empregos. Até que Gretchen Carlson ergue a voz, depois que é demitida…

Não obstante a contextualização fílmica reproduzir os bastidores originais da emissora telejornalística Fox News – em que os personagens negros estão radicalmente ausentes, por exemplo – a pujança militante do roteiro merece aplausos pela manutenção da ambigüidade reativa às denúncias das mulheres assediadas: por mais numerosos que sejam os relatos, elas são acusadas de estarem agindo por revanchismo, com vistas à obtenção de dinheiro, o que intimida ainda mais as denunciantes, que passam a ser hostilizadas até mesmo por companheiras de sofrimento. Ao instigarem uma paranóia generalizada de uns em relação aos outros, sobretudo no ambiente profissional – o que é ilustrado pormenorizadamente na trajetória pessoal de Roger Ailes – o capitalismo naturaliza este tipo de abuso como sendo parte constitutiva do processo de consecução posicional. Tanto que, por mais que compartilhem relatos de exploração de seus dotes físicos – afinal, “a TV é um meio visual”, como repete Roger antes de seus assédios – as jornalistas abusadas não tornam-se amigas, permanecem submetidas ao papel de competidoras entre si. “O Escândalo”, portanto, apenas instaura um debate. A busca pela organicidade necessária entre gênero, raça e classe social deve ocorrer na vida íntima dos espectadores. Tudo o que fazemos, mesmo quando confinados em nosso ambiente doméstico mais recôndito, é político, jamais esqueçamos!

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