“Não se deve combinar ‘crack’ com amor. O efeito bate ruim demais!”: acerca de um filmaço sobre “as idiossincrasias das ruas dominicanas”!

É bastante pitoresco que, em A BACHATA DE BIÔNICO (2024, de Yoel Morales), nas diversas vezes em que o protagonista decide largar o ‘crack’, ele fique preocupado que, com isso, a documentação cinematográfica de sua vida deixe de ser interessante, o que nos leva a pensar no quão ético é o relacionamento entre a equipe técnica – no filme dentro do filme – e os personagens reais, antes que descubramos que não se trata de um documentário efetivo – cujas maiores suspeitas para tal têm a ver justamente com a presença hiperativa e indumentariamente refinada de Calvita. Mas, ainda assim, mesmo em seu auge artificioso, o enredo nos obriga a refletir acerca dos sentimentos de interdependência existentes entre aquelas pessoas…

“Ela morreu bem velhinha, mas lúcida — e ainda contava histórias”… (uma resenha ensaística)

Chamamos a atenção para a produção sergipana “Donas da Terra” (2025, de Ana Marinho), que dá continuidade àquilo que foi mostrado em “Velho Chico, a Alma do Povo Xokó” (2024, de Caco Souza), que concorreu no Festival de Cinema de Gramado, em 2024. Neste filme, fala-se sobre a perene luta dos indígenas que vivem na Ilha de São Pedro, no município de Porto da Folha, localizado em Sergipe, menor Estado do Brasil, onde vivem os habitantes do povo Xokó, infelizmente negados, por muito tempo, em seu direito elementar à identidade e à terra nativa. Neste curta-metragem, acompanhamos os depoimentos de mulheres que, segundo a sinopse, “ao retornarem às lembranças do período de lutas pelo território indígena Xokó, (…) destacam na narrativa coletiva novos personagens”.

“Subindo o altar do cinema”, ou de como curtas-metragens podem ser transformadores!

Um trabalho que se destaca na seleção do Kinoforum deste ano é o mais recente curta-metragem do paulistano Lincoln Péricles (LK), cineasta deveras apreciado por Jean-Claude Bernardet, “Filme sem Querer” (2025), que, de maneira espontânea, aborda os sonhos de três jovens que passam a estudar técnicas audiovisuais, graças ao Instituto Levando Cinema, e realizam um filme sobre aquilo que desejam, sobre aquilo que aprenderam, sobre aquilo que são… Todos eles esperam conseguir uma residência melhor para as suas respectivas famílias e sentem orgulho das gírias características que eles falam. Para tal, têm esperança de serem contemplados por editais públicos, que financiem as suas histórias sobre vivências periféricas.

“O que levou o comunismo ao fracasso foi a negação da religião”: afinal, todo mundo tem opinião!

Da maneira a que está habituada, Petra Costa preenche a sua narração com frases evasivas e/ou circunloquiais, declarando que está descobrindo relações a partir daquilo que ela apresenta, como se estivesse se surpreendendo, tanto quanto ela parece projetar no espectador. Para isso, ela não hesita em rebobinar uma determinada seqüência, a fim de esmiuçar movimentos cúmplices entre Jair Bolsonaro e Silas Malafaia, além de repetir frases e explicar sentenças que, por si só, são demasiado evidentes. Contrariando uma definição senso-comunal, Petra Costa não permite que seu documentário seja didático ou imparcial, e chega a ser repetitiva naquilo que pretende expor enquanto tese, partindo de um pressuposto deveras errôneo: ela refere-se aos evangélicos de maneira sempre coletiva, em bloco, negligenciando as distinções que ocorrem entre congregações e doutrinas.

“Para pensar na desgraça, é necessário senti-la!”: mais uma vez, falemos sobre a ressignificação da dor através da arte…

O documentário “A Lembrança de um Futuro” (2001, de Yannick Bellon & Chris Marker) foi realizado pela filha da personalidade homenageada e pelo idealizador do que hoje conhecemos como cinema-ensaio. Este média-metragem, com pouco mais de quarenta minutos de duração, homenageia os feitos de Denise Bellon [1902-1999], uma fotógrafa francesa que, ao registrar imagens do pós-guerra, captando situações ocorridas após a I Guerra Mundial, captou, por similaridade previdente, elementos concernentes ao pré-guerra, no sentido de que evidenciam questões que balizariam os eventos da II Guerra Mundial, ocorrida entre 1939 e 1945. Exemplo: ao flagrar os relances de pessoas despidas, celebrando a própria nudez enquanto indicativo de liberdade, ela chamou atenção para o culto à perfeição corporal que se tornaria uma das bases ideológicas do Nazismo.

“Tente usar a roupa que estou usando/ Tente esquecer em que ano estamos”: acerca da imponência de um artista imortal!

“Luiz Melodia – No Coração do Brasil” (2024, de Alessandra Dorgan) é uma produção documental que respeita aquilo de mais notável na produção do artista titular, que é a sua originalidade. Chama positivamente a atenção o fato de não haver uma narração em ‘off’, proveniente de alguma figura de autoridade, com voz empostada: quem comenta os eventos de sua vida e carreira é o próprio Luiz Melodia [1951-2017], através de depoimentos antigos, magistralmente resgatados.

“Liberem os homens e mulheres que existem dentro de vocês”: da importância de filmar a realidade e revelar as estrelas do dia a dia…

O documentário “Madeleine à Paris” (2024, de Liliane Mutti) documenta o cotidiano de Roberto Chaves, um dançarino baiano que migrou para a França há mais de trinta anos e, lá, organizou a versão internacional de uma tradição do sincretismo religioso brasileiro, que é a lavagem das escadarias de igrejas católicas, por adeptos do candomblé. Orgulhoso de seus traços quase andróginos, Roberto conta histórias de sua vida, como a primeira paixão por uma mulher e que seu pai era obcecado por sexo. Mas o que está em destaque é a organização da lavagem supramencionada de uma igreja.

“…E o rio, como qualquer ser vivo, também pode morrer”: ou de como pesquisas acadêmicas são importantes, mas não se configuram automaticamente em estética cinematográfica de resistência!

É motivo de grande noticiabilidade que o documentário em longa-metragem “Velho Chico, a Alma do Povo Xokó” (2024, de Caco Souza) tenha sido selecionado para uma das mostras competitivas da quinquagésima segunda edição do Festival de Cinema de Gramado. O orgulho sentido pelos sergipanos quanto a esta indicação, entretanto, não deve olvidar uma série de problemas constitutivos em relação à feitura do filme em pauta…

“Nós somos de gerações diferentes: eu amo Caetano Veloso; ele ama Taylor Swift”: a subjetividade enquanto voto suprapartidário

Contando com o subtítulo “A Frágil e Catastrófica Masculinidade de Bolsonaro”, este documentário é, na verdade, um relato sobre as experiências íntimas do realizador em relação à assunção de sua própria homossexualidade. A narração em tom merencório possui crucial importância na organização dos efeitos emocionais que desejam ser imputados no espectador. Porém, além da dicotomia genérica entre esquerda X direita, há outra bem maior nas entrelinhas de cada situação analisada: as conotações classistas, ainda que os embates inevitáveis entre ricos e pobres pareçam oportunamente escamoteados pelas alegadas boas intenções do diretor…

Documentário sobre o Caminho da Geira galardoado em festival de cinema na Alemanha

O documentário “O Meu Caminho”, do realizador Pedro Gil Vasconcelos, venceu a categoria de Melhor Documentário de Fé & Religião na edição de agosto do New Wave Short Film Festival, em Munique, na Alemanha. Este festival pretende criar oportunidades para cineastas emergentes, apoiando e destacando mensalmente curtas-metragens de baixo orçamento que produzem novas experiências e […]

“Muito pior é a monocultura de mentes, com a propaganda como agrotóxico!” (a propósito de mais um documentário)

A TV Globo esforça-se para obnubilar a perseguição que desferiu contra o líder do Partido dos Trabalhadores, novamente concorrendo à presidência do Brasil. Numa entrevista ocorrida em 25 de agosto de 2022, no “Jornal Nacional”, quiçá o noticiário televisivo mais influente do país, foi difundido que o ex-presidente não está em débito com a Justiça Brasileira. E é nesse contexto que “A Fantástica Fábrica de Golpes” (2022 , de Valnei Nunes & Victor Fraga) é lançado!

Galeria Anjos Teixeira homenageia Saramago com exibição do documentário “José e Pilar”

No âmbito das comemorações do centenário do nascimento de José Saramago, o Centro Cultural e Galeria Anjos Teixeira, no Funchal, exibiu na passada quinta-feira, dia 25 de agosto, pelas 19h00, o documentário “José e Pilar” (2010). Importa recordar que esta sessão integra o conjunto de iniciativas intituladas “Palavra Resistente. Com Saramago”. De acordo com nota […]

“Sem Carnaval, não se pode reiniciar a vida cotidiana”, ou uma tentativa de (re)afirmar-se, para além da polarização político-partidária

A extrema-direita segue disseminando-se em vários países, na contemporaneidade. E, de forma tão discreta quanto intensiva, é isso que percebemos nas entrelinhas do documentário “Terminal Norte” (2021, de Lucrecia Martel), através do viés exaltador que salta aos ouvidos na música de resistência composta e cantada pelas personagens escolhidas pela diretora, que demonstram-se contestatórias pela simples existência!

… e se te disserem que desgostas dos filmes de Oscar Micheaux porque foste condicionado para tal?

Após trabalhar como carregador de trens, onde interagia com passageiros ricos e brancos, Oscar Micheaux foi exitoso na aquisição de alguns bilhetes que loteria que garantiram-lhe alguns lotes de terra no Estado norte-americano de Dakota do Sul. Logo estava publicando seus próprios romances e iniciando a realização de filmes mudos, entre eles “Dentro de Nossos Portões” (1920). Os embates raciais eram evidentes em seus enredos, mas ele também ousava tematizar as traições cometidas por determinados membros das comunidades negras, como ocorre com o protagonista de “Corpo e Alma” (1925), um presidiário em fuga que finge ser um reverendo, a fim de usurpar o dinheiro dos fiéis. Trata-se de um de seus melhores filmes, inclusive.

“Contra o ‘terror branco’, responderemos com o ‘terror vermelho’”/ “Na Rússia, tudo de importante é decidido em Moscou”: entre uma e outra frase, mais de cem anos!

Apesar de serem produzidos em circunstâncias absolutamente distintas, os filmes aqui analisados possuem uma condução histórico-narrativa que flerta com a linguagem jornalística. Se a produção vertoviana é um predecessor do que veio a ser conhecido como cinejornalismo, o outro documentário assume isso de maneira explícita, visto que é produzido pelo canal televisivo norte-americano CNN. Nos dois casos, deparamo-nos com estratégias propagandísticas, que visam à legitimação do que é proferido por seus personagens reais.

E quando o pretenso discurso antipropagandístico é também propagandístico, o que a gente faz? [observação: tudo o que fazemos é político!]

Fingindo ser uma realização norte-coreana contrabandeada internacionalmente, “Propaganda” (2012, de Slavko Martinov) serve-se de vasto material de arquivo para expor as limitações democrático-midiáticas ocidentais, a partir de uma crítica incisiva ao modelo imperialista de dominação cultural estadunidense. A fim de hipertrofiar o seu charme denuncista, não há créditos internos, de maneira que o mito da difusão clandestina da produção é reiterado…

“Quando eu paro de pensar no futuro, eu volto ao presente”: sobre as verdades que precisam ser vistas, ouvidas e sentidas!

Quem pôde participar da conferência de imprensa que anunciou a programação do festival É Tudo Verdade, assistiu em primeira mão a “Diários de Mianmar” (2022), documentário creditado ao Coletivo Cinematográfico de Mianmar (antiga Birmânia), e que foi recentemente premiado no Festival Internacional de Cinema de Berlim. A opção pela ausência de créditos individuais tem a ver com as perseguições sofridas por quem ousa documentar os abusos de poder cometidos pelo general Min Aung Hlaing, que tomou definitivamente o poder no país, através de um golpe de estado, em 01 de fevereiro de 2021.

Mais um documentário sobre a tênue linha midiática entre o sucesso e os traumas noticiosos de assédio sexual: qual é a verdadeira polêmica?

Lançado com compreensível estardalhaço no Festival de Cinema Independente de Sundance, o documentário sueco “O Menino Mais Bonito do Mundo” (2021, de Kristina Lindström & Kristian Petri) trouxe novamente à tona o assédio internacional envolvendo Björn Andrésen, que, aos quinze anos de idade, protagonizou o clássico “Morte em Veneza” (1971, de Luchino Visconti), no qual um pianista de meia-idade fica obsessivamente apaixonado por ele. Por mais que o enredo aborde um tipo de envolvimento estético que não envereda pela sexualidade – com base numa novela homônima do escritor Thomas Mann –, há quem considere o filme imoral, por estimular a hebefilia. Infelizmente, é o que os diretores do documentário fazem desde o início…

Tu já viste algum filme da cineasta Esfir Shub? Se não, sabes o porquê?

No livro “Introdução ao Documentário”, de Bill Nichols, a diretora e montadora é entusiasticamente citada, como uma representante mui laudatória do que o autor chama de “documentário expositivo”, que seria aquele tipo de filme que “agrupa fragmentos do mundo histórico numa estrutura mais retórica ou argumentativa do que estética ou política”. Não por acaso, houve quem rejeitasse o tipo de filme realizado por Esfir Shub, em razão de seu viés ostensivamente propagandístico. ..