A despeito das tensões provocadas pela variante Delta do CoronaVírus, muito mais transmissível e ainda insuficientemente estudada, as cerimônias de premiação artística retomam um ritmo quase normal: na primeira quinzena de setembro de 2021, dois importantes eventos aconteceram, o Festival de Cinema de Veneza e o VMA – Video Music Awards, promovido pela emissora MTV. Em ambos, os discursos de representatividade foram bastante exortados…
Ocorrido entre os dias primeiro e onze de setembro, o Festival de Cinema de Veneza anunciou o filme francês “L’Événement” (2021) como merecedor do Leão de Ouro, prêmio máximo do certame. Dirigido pela cineasta e roteirista Audrey Diwan, com base num romance homônimo e autobiográfico de Annie Ernaux, este filme foi bastante aclamado pela maneira frontal com que se posiciona em relação a algo que ainda vitima inúmeras mulheres, o aborto clandestino.
Na trama, o dilema de uma rapariga (interpretada por Anamaria Vartolomei) que é graduanda em Letras, no início da década de 1960, e lida com uma gravidez indesejada, de modo que recorrerá a um procedimento ilegal, visto que o aborto só seria autorizado em 1975, graças à promulgação da lei Veil (que recebeu o sobrenome da então Ministra da Saúde, Simone Veil). A narrativa corrobora os depoimentos da autora do romance em que o filme se baseia, que assume a postura de “trânsfuga de classe”, ou seja, de alguém que lida com os sentimentos de culpa e dor, à medida que se afasta das condições sociais de origem.
Além deste filme, outros longas-metragens dirigidos por mulheres receberam prêmios importantes, com destaque para “Ataque dos Cães” (2021, de Jane Campion), que recebeu o prêmio de Melhor Direção, e “A Filha Perdida”, estréia na direção de Maggie Gyllenhaal, que recebeu o prêmio de Melhor Roteiro, com base num elogiado romance de Elena Ferrante. Ambos os filmes tiveram os seus direitos de distribuição adquiridos pela plataforma Netflix, de modo que ficarão disponíveis para os assinantes em dezembro de 2021, enquanto “L’Événement” foi programado para estrear nos cinemas franceses em fevereiro de 2022.
Outros filmes laureados no Festival de Veneza foram: “A Mão de Deus” (2021, de Paolo Sorrentino), evocação também autobiográfica que obteve o Leão de Prata (ou seja, o Grande Prêmio do Júri), além de um prêmio de Melhor Jovem Intérprete para o pós-adolescente Filippo Scotti; o drama espanhol “Madres Paralelas” (2021, de Pedro Almodóvar), que justificou um prêmio de Melhor Atriz para Penélope Cruz; o ‘thriller’ policial filipino “On the Job: The Missing 8” (2021, de Erik Matti), que foi agraciado com o prêmio de Melhor Ator para o ambientalista John Arcilla; e o documentário italiano “Il Buco” (2021, de Michelangelo Frammartino), que recebeu um Prêmio Especial do Júri.
Vale acrescentar que o Festival de Cinema de Veneza costuma demarcar alguns dos favoritos à cerimônia do Oscar na temporada seguinte, o que pode acontecer com “Spencer” (2021, de Pablo Larraín), em que Kristen Stewart interpreta a princesa Diana [1961-1997], “Duna” (2021, de Denis Villeneuve), provavelmente indicado a vários prêmios técnicos, e “O Último Duelo” (2021, de Ridley Scott), para ficar em apenas alguns títulos exibidos no evento…
A consagração de um filme dirigido por uma mulher confirma aquilo que também ocorreu no Oscar 2021 [cujo vencedor foi “Nomadland” (2020, de Chloé Zhao), que venceu o Leão de Ouro em Veneza no ano anterior], no Festival de Cannes [em que “Titane” (2021, de Julia Ducournau) foi bastante celebrado, tendo recebido a Palma de Ouro] e no Festival de Gramado, no Brasil, em que a ficção científica “Carro Rei” (2021, de Renata Pinheiro) recebeu o Kikito de Melhor Filme, além dos prêmios de Trilha Musical (para o sergipano DJ Dolores), Direção de Arte e Desenho de Som e de um Prêmio Especial da Crítica para o ator Matheus Nachtergaele, “pela construção e domínio do personagem e pela brilhante capacidade de se reinventar”.
Já no que diz respeito ao VMA 2021, transmitido na noite de domingo, 12 de setembro, em comemoração ao quadragésimo aniversário da MTV, astros juvenis da música ‘pop’ foram laureados, como Justin Bieber (que recebeu os prêmios de Melhor Artista do Ano e de Melhor Clipe Pop, para “Peaches”, em colaboração com Daniel Caesar e Gideon) e Olivia Rodrigo (que foi condecorada com os troféus de Música do Ano, para “Driver’s License”, Artista Revelação e Performance Impulsionada do Ano). Mas o prêmio principal da noite (Vídeo do Ano) foi para o extraordinário videoclipe de “Montero (Call Me By Your Name)”, do ‘rapper’ Lil Nas X, que também recebeu as láureas de Melhor Direção, Melhores Efeitos Visuais e Melhor Direção de Arte, além de deixar todo mundo boquiaberto com a sua apresentação ao vivo de “Industry Baby”…
Negro e assumidamente homossexual, Lil Nas X é o nome de palco para Montero Lamar Hill, jovem de vinte e dois anos que foi fotografado “grávido” de seu primeiro álbum, “Montero”, cujo lançamento foi agendado para 17 de setembro de 2021. Muito hábil na maneira como administra temáticas escandalosas em suas divulgações publicitárias, o cantor dançou seminu no palco, cercado por diversos dançarinos, numa simulação mui excitante de uma orgia homoerótica. Ao receber seus troféus, o agradecimento foi enfático: “muito obrigado à ‘agenda gay’”. Espetaculosamente representados, nós também agradecemos!
Wesley Pereira de Castro.