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Temos um Melhor Filme do Ano? (Um texto enquanto despedida subjetiva – ao menos, por enquanto)

Temos um Melhor Filme do Ano? (Um texto enquanto despedida subjetiva – ao menos, por enquanto)

Pedirei licença aos leitores desta coluna para iniciar esse texto com uma declaração em primeira pessoa: recebi o convite para ser colaborador de A Pátria – Jornal da Comunidade Científica de Língua Portuguesa no dia 07 de janeiro de 2019. Era o meu aniversário. Chego agora ao meu ducentésimo primeiro texto e sinto-me na obrigação de agradecer pelo presente recebido: aprendi muito ao longo das semanas em que pude expressar as minhas opiniões acerca do mundo que nos rodeia, tendo os filmes que vejo como ponto de partida… Tudo é político, repeti inúmeras vezes. E faço-o mais uma vez, à guisa de agradecimento: muito obrigado pelas oportunidades dialogísticas compartilhadas!

Dito isso, passo a falar sobre um longa-metragem mui surpreendente, que merece estar na lista de melhores filmes lançados neste ano, o indiano “RRR: Revolta, Rebelião, Revolução” (2022, de S. S. Rajamouli). Situado no início do século XX, quando a Índia ainda estava sob domínio britânico, o roteiro deste filme ficcionaliza um encontro entre dois revolucionários reais, Komaram Bheem [1900-1940] e Alluri Sitarama Raju [1897-1924]. Ambos foram muito importantes no processo de independência da Índia – que aconteceu apenas em 15 de agosto de 1947 – e foram implacavelmente mortos pelas tropas britânicas. Não chegaram a se conhecer, entretanto.

No filme, esses dois heróis nacionais estabelecem a cumplicidade numa situação inusitada e num contexto permeado por muita violência: tramaticamente, Bheem é associado à água. Interpretado por N. T. Rama Rao Jr., ele vê a sua irmã Malli (Twinkle Sharma) ser raptada por Catherine Buxton (Alison Doody), esposa de um governador opressor, que apropria-se da menina, como se fosse um animal de estimação, após ficar fascinada pela beleza de seu canto. Quando tentam resgatar Malli, os seus familiares são espancados, e caberá a Bheem a tarefa de se disfarçar como muçulmano, encontrar um emprego na cidade e, no momento azado, invadir a residência do Governador e salvar a sua parenta. É quando ele encontra Raju…

Associado ao fogo, por sua vez, Raju (Ram Charan) é um policial que se comporta como um dos mais abnegados defensores da colonização britânica. Durante uma rebelião, na cidade de Délhi, Raju captura um revoltoso e fere diversos compatriotas, sendo tachado de traidor por todos eles. Temido e reconhecido por seus métodos eficazes e impiedosos, Raju consegue obter um posto privilegiado entre os oficiais ingleses, ainda que possua a “pele marrom”. Até que saibamos quais são as suas verdadeiras intenções com estas atitudes, que fazem com que ele se sinta bastante culpado por colaborar provisoriamente com os inimigos de sua nação…

Durante uma perseguição a um cúmplice de conspiração contra o governo invasor, Raju percebe que um garoto está prestes a se afogar e/ou ser queimado por causa de um desastre ferroviário que ocorre numa ponte. Numa ação imediatamente coordenada com Bheem, ele monta num cavalo, enquanto o outro o acompanha numa motocicleta, estabelecendo um tropo cinematográfico de cunho salvacionista. O garoto é salvo, eles apertam as mãos e uma canção irrompe na trilha sonora, comentando as relações entre a amizade inusitada que se inicia, os meandros do destino que colaboraram para tal encontro e a possibilidade de que tudo isso desencadeie um enorme “derramamento de sangue”. É o que ocorrerá, afinal, mas pelas mais inusitadas das vias fílmicas…

É difícil resumir o que ocorre em “RRR: Revolta, Rebelião, Revolução”, tamanhas as reviravoltas acumuladas – que servem-se de oportunos ‘flashbacks’ – e a opulência visual das elaboradíssimas seqüências de ação. Lutas com animais selvagens, tiroteios, perseguições ensandecidas e invasões populares são recorrentes neste filme, que chega ao cúmulo de possuir uma seqüência em que um homem torturado numa sessão pública de açoitamento (com um chicote repleto de espinhos) começa a cantarolar, entusiasmando a multidão que o defende. É quando um dos protagonistas percebe que isso é mais efetivo que as armas, enquanto motivação popular.

Indicado às categorias de Melhor Filme Internacional e Melhor Canção Original (“Naatu Naatu”) no Globo de Ouro 2023, além de ter sido nomeado e premiado em vários festivais internacionais, este filme amalgama diversos gêneros, sob os motes do cinema de ação com fundo político: possui a exuberância dos ‘wuxia pian’, a simbologia dos ‘tokusatsu’, os números dançantes que acostumamo-nos a encontrar nas produções de Bollywood e as reconstituições históricas das superproduções hollywoodianas. Tudo isso embalado por uma utilização da violência que foi confessadamente inspirada nos filmes de Quentin Tarantino. E a mixórdia soa incrivelmente original!

Nas mais de três horas de duração de “RRR: Revolta, Rebelião, Revolução”, o espectador não tem tempo para ficar entediado: o filme é tecnicamente irrepreensível e fascinante em suas pulsões genéricas assaz exageradas. Seja quando Bheem corteja a jovem britânica Jenny (Olivia Morris), seja quando ele e Raju digladiam-se de maneira mortal. As intervenções musicais são acachapantes e os momentos de embate são estrondosos: o filme é superlativo em termos fotográficos, sonoros, directivos, actanciais e discursivos (vide o modo imponente como a bandeira indiana surge, em mais de uma seqüência). Os efeitos visuais são esplêndidos – havendo um aviso inicial de que os animais que aparecem em cenas de lutas foram inseridos digitalmente. Trata-se de uma grata surpresa, que, no momento em que escrevo estas linhas, configura-se como o melhor filme contemporâneo visto em 2022. Agradeço a oportunidade de poder declarar isso, e suplico-vos: divulguem este filmaço!

Wesley Pereira de Castro.

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