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“Meu pai era um homem justo. Por isso, ele fabricava balanças: uma sociedade que produz mais balanças é uma sociedade mais justa”! Procede? Até quando?

“Meu pai era um homem justo. Por isso, ele fabricava balanças: uma sociedade que produz mais balanças é uma sociedade mais justa”! Procede? Até quando?

Quando as indicações para a trigésima sexta edição do Prêmio Goya – cerimônia publicitariamente difundida como “o Oscar espanhol” – foram divulgadas, em 29 de novembro de 2021, impressionou a quantidade de nomeações destinadas ao longa-metragem “O Bom Patrão” (2021, de Fernando León de Aranoa): além de obter o recorde de vinte indicações, este filme pode assegurar o quinto troféu de Melhor Direção para o diretor madrilenho.

Pode-se alegar que a menção nalgumas categorias parece exagerada (em Melhores Efeitos Visuais, Melhores Figurinos e Melhor Maquiagem, por exemplo), mas a grande maioria é merecida, sobretudo no que tange às categorias de atuação, em que o filme conseguiu emplacar oito nomeações. O triunfo quase garantido na premiação, que ocorre em 12 de fevereiro de 2022, não será corriqueiro, visto que o diretor realizou o seu melhor filme, até agora.

Acostumado aos temas sindicais – suas obras mais famosas são “Segunda-Feira ao Sol” (2002) e “Princesas” (2005), que abordam questões referentes à exploração da força de trabalho de seus protagonistas –, nesta sua mais recente produção, ele inverte o olhar: agora, analisa a situação pelo ponto de vista de um dono de empresa, com todos os vícios e crimes insistentemente denunciados pelas orientações políticas do cineasta.

Magnificamente interpretado por Javier Bardem, o patrão do título é dono de uma fábrica de balanças, e chama-se Julio Blanco. Além de utilizar como chavão a frase oportunista que surge no cabeçalho deste artigo, o personagem leva a cabo o assistencialismo vilanaz dos herdeiros empresariais: insiste que trata os seus funcionários como se fossem filhos (“adotivos”, no caso dos árabes) e tem encontros sexuais freqüentes com as suas estagiárias. Mas insiste em apregoar um rigor moral que vai de encontro às suas práticas diuturnas…

Funcionando como uma espécie de conselheiro e resolvedor de problemas para seus amigos – que, não por acaso, são também seus empregados – Blanco reitera que “aquilo que afeta os seus funcionários, também o afeta”, não hesitando, portanto, em interromper o seu descanso, em pleno domingo, para intervir numa solicitação de seu fiel assistente Fortuna (Celso Bugallo), que pede que ele o ajude a libertar o seu filho arruaceiro (Martín Paez), preso por espancar xenofobicamente alguns imigrantes. Evidentemente, isso implicará numa troca de favores a posteriori…

Em dado momento, numa conversa telefônica, Blanco pronuncia uma frase mui reconhecida, repetida várias vezes no clássico “O Poderoso Chefão” (1972, de Francis Ford Coppola): “vou te fazer uma proposta que tu não podes recusar”. O próprio personagem reconhece que está fazendo uma citação cinematográfica, mas evita assumir que comete o mesmo tipo de crimes “bem-intencionados” que o célebre padrinho ítalo-americano. Em sua aparência de homem íntegro e bondoso, Blanco pratica diversos delitos, a fim de assegurar os galardões recebidos periodicamente por sua excelente empresa.

Ao longo das duas horas de duração do filme, acompanhamos as tensões que se instalam antes da visita da comissão de avaliadores de mais um prêmio cobiçado por Blanco: no prazo de uma semana, variegados problemas são trazidos à tona, enquanto ele se esforça para fazer com que a sua fábrica de balanças faça jus ao produto que comercializa. Um péssimo indício: até mesmo o objeto erigido na entrada do ambiente parece descalibrado. O personagem precisará agir com firmeza nalgumas pendências acumuladas. A mais imediata delas: o recém-demitido José (Óscar de la Fuente) montou um piquete solitário diante da fábrica e perturba a paz dos funcionários com as exigências concernentes ao restabelecimento desejado de seu emprego.

Blanco é inflexível: não aceita negociar om José, e sua situação fica ainda mais delicada quando um de seus chefes de produção, Miralles (Manolo Solo), começa a apresentar um péssimo desempenho empregatício, depois que suspeita que a sua esposa está tendo um caso adúltero. Para piorar, ele envolve-se com a nova estagiária Liliana (Almudena Amor), muito mais jovem que ele, e que descobrirá que ela é relacionada a um de seus melhores amigos.

Todas as situações descritas ocorrem simultaneamente, de modo que Blanco fica cada vez mais nervoso, ainda que insista em discursar solenemente sobre os benefícios da justeza. Sua hipocrisia é evidente, como no instante em que, ao optar por uma campanha publicitária que aproveita a metáfora mais conhecida da Justiça (uma mulher com os olhos vendados e uma balança nas mãos), ele requer que o vestido dela seja demasiado curto, argumentando que “a Justiça é sensual”. Como contraponto, a estagiária de Marketing possui uma tatuagem de balança, coincidentemente, em sua nuca. Afinal, ela é libriana, defende o equilíbrio!

O roteiro do cineasta é primoroso no modo como alinhava todos estes problemas, de maneira que as obsessões militantes do diretor tornam-se sobremaneira evidentes, ainda que o seu protagonista pertença à classe social exatamente oposta à de seus protagonistas anteriores. Quanto mais explícitas as piadas, menos engraçado o filme opta por ser: estamos diante de uma tragédia anunciada, a manutenção perpétua do Capitalismo em relação às crises que ele mesmo instaura. O desfecho é trágico em sua confirmação das injustas celebrações que ocorrem na realidade: o prêmio para a empresa não é imerecido, mas… a que custo?

Dentre os componentes técnicos elogiáveis deste filme, cabe mencionar explicitamente a trilha musical sutil de Zeltia Montes, que pontua as mudanças de ritmo da obra, até que uma seqüência climática de ações paralelas é intercalada através do tema para o balé “Romeu e Julieta”, composto por Angelin Preljocaj e Sergei Prokofiev. No desfecho, entretanto, o silêncio pontua um demorado plano em que Blanco e Fortuna (a escolha destes sobrenomes não foi casual) olham para algo numa parede. Confirma-se, assim, um adendo frasal que o patrão pronuncia apenas na intimidade, ainda citando o seu pai empresário: “às vezes, tu precisas enganar a balança para obter a medida certa”. Se Adela, (Sonia Almarcha), a esposa de Blanco, eventualmente esquece as situações importantes que precisa comunicá-lo, ele domina como poucos a simpatia e a eloqüência, diferenciais na continuidade de seu poderio enquanto patriarca sem filhos legítimos. Eis o grande perigo!

Wesley Pereira de Castro.

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