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À gauche Carlos Drummond de Andrade

À gauche Carlos Drummond de Andrade

Nos trinta anos de sua morte escrevi vários poemas, muito sentido pela perda do grande poeta, lembrando o décimo segundo dia de sua insuportável tristeza pela perda da Maria Julieta, na próxima metade do Agosto que vem, far-se-ão 33 anos que se foi, quem sabe, para encontrar a verdade do amor que não teve, ou para estar com sua filha, que quereria acompanhar, e para se livrar da megera Dolores.

Um pai nunca deveria enterrar um filho. No seis de Agosto desse 1987, pouco mais de um ano depois de episódio que já lhes contei, pedem-me para ir ao cemitério em Botafogo, ao enterro da Maria Julieta, a única filha de Drummond. Lembro-me de passar um dia por Manguinhos e ver nos muros da Fundação Osvaldo Cruz imensa faixa com o nome da Maria Julieta, simpatizava com ela, vou ao cemitério. Lá está o poeta, mais defunto que a morta, de preto, rosto congelado, cumpre as funções que eram de se esperar dele, acompanhar à campa o ser a que ele mais amou em sua vida, e o faz maquinalmente, o faz como que por um instinto social, por uma razão de existir, que existir nos obriga a muita coisa. Vive ainda uma dúzia de dias de insuportável tristeza, até que nesse décimo segundo dia não suporta mais.

Passadas três décadas e três anos desses fatos ainda os recordo com espanto, porque para mim é espantosa a ligação entre as pessoas, quando são tão fortes, lembro de Minha bisavó Zizinha e sua filha mais velha, uma num dia e a outra no seguinte, como a nos dizer que esses dois seres viviam conectados, e tendo-se acabado um, o propósito do outro esvanecera.

Mas deixemo-nos de coisas tristes que a herança drummondiana deixa-nos muito o que lembrar por boas razões, não que as da morte não sejam boas, certamente serão, mas, sendo funéreas, decerto não são alegres, e alguém que amou e foi amado, alguém que desejou e soube cantar o desejo, alguém que viveu a realidade de seu tempo em plenitude, “Vosso pai evém chegando” deve ser lembrado no dia de sua morte por melhores razões que ela mesma. Lembremos de como se descrevia em face da vida:

“Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.”

Por fim deixo-vos um poema meu da fase drummondiana, em que, creio, Drummond se reveria:

As palavras.

“Palavra quando acesa
Não queima em vão
Deixa uma beleza posta
em Seu carvão.”
Fernando Filizola.
Na canção que se canta
No telefone que toca
Na notícia que chega
Na carta que vem
No letreiro que se lê
Lá estão elas imperiosas
E resolutas com tudo a dizer.
Drummondianamente
Repita-te a pergunta:
“Trouxestes a chave?”
Só uma pode abrir a porta!
Como abracadabra
É como mágica
A palavra certa.
A que abre a porta…
Abre, pois que em abrir está tudo…
Mas há que conhecê-la
E há que pronunciá-la,
Será como deixar de ser mudo
Ao usar a chave exata
Que tudo irá destrancar
E desvendar mundos…
O das coisas cerradas
Desde as mentes aos corações
Do que se entende ao que se sente
Mas é mister dar-lhes luz,
Roubá-las à escuridão
Como quem rouba um pão
Ávido para o comer…
Facho definitivo que revela
E como tal, como vela,
Vigília e sentinela,
Alumia a escuridão
Da alma até a mão,
Luz do coração.
A descerrar
E revelar todas evidências…
E para cada qual há uma
E só essa chave,
A que lhe abre a intenção
Conhecê-la e usá-la,
Este o poder infinito da palavra!
Palavras, palavras,
Assim, como sempre, desde o princípio
São o verbo!
E ateiam fogo aos sentimentos e os deixam arder…
Têm coração
Sentir e sensibilizar
Sua missão.
Palavra:
Tanto a que cria como a que destrói
A que protege e a que condena
A que despede e a que acena
A que defende ou a que acusa
Como a que chama, como a que expulsa
A que é certeza ou a que é dilema;
De todas as formas pulsa…
É a centelha,
Chispa que incandesce,
Energia que move,
Alegria que comove
Dor que se padece,
Espírito que se invoca:
Toca tudo e
À todos toca!
É Teresa d’Ávila em êxtase
Shakespeare apaixonado
Cervantes escarnecendo
Pessoa questionado
É Camões a dar brio aos portugueses
Victor Hugo a  dar densidade às coisas
E Dostoievski a olhar o infinito…
Ou Vinícius a fazer poemas,
Qual deles o mais bonito?

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Rútilas  e opacas
Cintilantes ou esmaecidas
São as mesmas velhacas
Encantando nossas vidas.

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