O produtor-executivo Ryan Murphy não é conhecido pelas sutilezas: sua adesão às causas raciais e de gênero, em seriados que conciliam entretenimento e militância identitarista de envergadura ‘pop’, é perpassada por algumas marcas registradas, sobremaneira rentáveis, como as reconstituições de crimes famosos e as críticas às práticas manicomiais abusivas. Sob o seu financiamento, saíram obras tão díspares quanto “Glee”, “Estética” (‘Nip/Tuck’), “Ratched” ou “O Assassinato de Gianni Versace: American Crime Story”. Sua produção mais recente é uma série de antologia, na Netflix, que, em cada temporada, biografa algum assassino serial famoso. Na primeira e bem-sucedida temporada, em 2022, ele expôs detalhes da biografia do terrível Jeffrey Dahmer [1960–1994]; na terceira, ele volta-se para o paradoxalmente influente Ed Gein [1906–1984].
Protagonizado por um esforçadíssimo Charlie Hunnam, “Monstro: A História de Ed Gein” decepciona por não cumprir o que é exposto em seu subtítulo: a despeito do episódio inicial perturbador e bem dirigido, o personagem titular vai desparecendo no enredo, que comete inúmeras digressões, a fim de observar a extrema influência deste psicopata real em Hollywood. Depois de desenterrar a sua mãe, Augusta (Laurie Metcalf), e de descobrir uma inusual predileção necrofílica, Ed Gein é preso e internado numa clínica psiquiátrica como esquizofrênico, onde falece, em idade avançada, devido às complicações atreladas a um câncer pulmonar. Ele era tão simpático e terno, em seus comportamentos, que foi tratado com muita benevolência pelos funcionários da clínica, ao contrário do que acontece com Jeffrey Dahmer, na prisão, de modo que, no desfecho de “Dahmer: Um Canibal Americano — Monstro: a História de Jeffrey Dahmer”, o psicopata é esmurrado até a morte, como se fosse uma vingança coletiva.
Roteirizado integralmente por Ian Brennan, que dirige os quarto e quinto episódios, “Monstro: a História de Ed Gein” é dividido em oito capítulos, dirigidos por Max Winkler (exceto nos dois supracitados) e mistura, além de fatos relacionados aos relacionamentos entre Ed e sua mãe e entre ele e sua vizinha Adeline (Suzanna Son), situações derivadas de uma história em quadrinhos sobre Ilse Koch [1906–1967], a “Cadela de Buchenwald” — capitã nazista que foi celebrizada negativamente por construir móveis com as peles esfoladas de prisioneiros judeus –, além das filmagens de longas-metragens inspirados nos atos mórbidos cometidos por Ed Gein, como “Psicose” (1960, de Alfred Hitchcock), “O Massacre da Serra Elétrica” (1974, de Tobe Hooper) e “O Silêncio dos Inocentes” (1991, de Jonathan Demme). Como tal, o roteiro exagera ao tentar conectar todas estas referências, o que fica ainda mais gritante quando entra em cena a cantora Christine Jorgensen [1926–1989], primeira personalidade norte-americana a se submeter a uma cirurgia de redesignação sexual, e que é mostrada como uma musa do protagonista, por causa de seu fascínio por roupas femininas.
Numa das primeiras sequências do seriado, Ed Gein é flagrado, por sua mãe, masturbando-se enquanto utiliza as suas calcinhas e cintas-ligas, o que desencadeia uma das várias repreensões dela, que finaliza com o conselho recorrente de que Ed “nunca deve fazer sexo com nenhuma mulher”. Irritada por causa do casamento do irmão de Ed, Henry (Hudson Oz), com uma mulher que ela considera adúltera, a fanática religiosa Augusta demonstra-se assaz traumatizada em relação aos homens, pois fôra maltratada por seu marido bêbado. Tudo isso interfere drasticamente na personalidade confusa de Ed, que, mesmo parecendo estar apaixonado por Adeline, só consegue transar com cadáveres, o que fica ainda mais evidente depois que ele assassina uma mulher mais velha, considerada promíscua na cidade, ainda que bastante generosa (interpretada por Lesley Manville), em meio a um delírio em que ouve a voz de sua falecida mãe. Por uma das coincidências típicas — ou melhor, forçadas — desse tipo de produto audiovisual espetaculoso, a mulher que Ed assassina é justamente a mãe de um policial local, Frank Worden (Charlie Hall), que converte-se num alcoólatra e, num episódio constrangedor, é convidado para um jantar de ação de graças, onde a esposa do seu anfitrião utiliza, pela primeira vez, uma faca elétrica, o que traz à tona lembranças dolorosas, relativas ao esquartejamento de sua mãe, cuja carcaça foi encontrada num celeiro.
Quando o roteiro passa a investigar a inaceitação interna dos desejos homossexuais do ator Anthony Perkins (Joey Pollari) ou hipertrofia a suposta culpa que o cineasta Alfred Hitchcock (Tom Hollander, caricato ao extremo) sente ao incutir o gosto por sanguinolência no público, esta temporada da série de analogia revela-se mui equivocada e até desrespeitosa na maneira como parte de eventos reais para tecer elucubrações reconhecíveis de seu produtor executivo. Porém, no derradeiro episódio, Ed Gein volta a ser protagonista, numa conclusão melancólica e poética para a sua própria história, que confirma a extrema simpatia que todos os envolvidos nesta série sentem, afinal, por seus personagens psicóticos. Por mais que eles exponham crimes hediondos e reconstituam os atos criminosos de maneira a atiçar a curiosidade das plateias, fica evidente que há uma tentativa legítima de compreensão acerca de seus sofrimentos, conforme demonstrado na redenção intentada em relação ao envelhecido Ed Gein, que se torna uma espécie de consultor para investigadores do FBI, no afã por capturar psicopatas ainda em ação. Interessante é que, num dos capítulos, o penúltimo, o roteiro ouse criticar, ostensivamente, a espetacularização desse tipo de crime, de modo que, no desfecho, vários assassinos famosos são representados, todos declarando-se influenciados por Ed Gein. É uma minissérie irregular, mas que não disfarça o seu pedido declarado de ajuda, no que tange ao envolvimento com a depressão e/ou enlouquecimento advindo da solidão crônica. Erra bastante, mas, quando acerta, é mui efetiva e fascinante no compartilhamento de dores narrativas com a audiência. Sendo assim, consideramos esta temporada merecedora de debate e acolhimento exegético. Dá para entender o que fica pessoalmente implícito nesta recomendação, por parte de quem redigiu este texto?
Wesley Pereira de Castro.
Fonte da imagem disponível em: https://www.hollywoodreporter.com/wp-content/uploads/2025/10/Monster__The_Ed_Gein_Story_n_S1_E4_00_28_10_00R-H-2025.jpg?w=1296&h=730&crop=1



