“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”, é o que afirma o Artigo. 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O ECA inaugura uma nova era de direitos e representa uma reparação histórica de violação de direitos humanos de meninas e meninos no Brasil. O estatuto foi criado com a Lei 8069 e entrou em vigor em 13 de julho de 1990. No ano que completa três décadas de existência, o estatuto continua pouco compreendido e sem visibilidade pela sociedade brasileira com recorrentes discussões distorcidas que pregam a inversão de direitos. O resultado desta conjuntura é o impedimento das garantias constitucionais em defesa e promoção do exercício pleno da cidadania na infância e na adolescência.
Um exemplo dessa situação de pouca efetivação do ECA é a falta de políticas públicas estruturantes que materializem o acesso aos direitos fundamentais com respeito a condição humana de crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento. O fortalecimento da rede de proteção integral é condição necessária e imprescindível ao reconhecimento da cidadania das pessoas que ainda não atingiram a maioridade civil estimulando o protagonismo de meninas e meninos como titulares de direitos assim como são os adultos.
Além disso, o estatuto enfrenta discursos de desvalorização que o impede de ser compreendido pela população. Exemplo dessa situação é que ao longo destes 30 anos do ECA, a conquista de luta por direitos no campo da infância e da adolescência é tratada por experiências sociais da cultura de ódio com narrativas de rejeição e indiferença de crianças e adolescentes pobres, negras e periféricas, apontados quase sempre como “delinquentes”.
A produção de discursos de ódio em relação ao ECA contribui para uma ideia coletiva e equivocada do estatuto como uma “lei que protege bandido”. Esta narrativa frequente é replicada na sociedade na maioria das vezes por representantes das forças de segurança pública que argumentam que a Lei 8069 “protege menores”, ideia amplamente difundida na sociedade pelos noticiários.
Com isso, questões complexas como a defesa da redução da maioridade penal são pautadas como prioridade e de forma descontextualizada nos espaços midiáticos, colocando em segundo plano a agenda de debates de acesso a direitos em um lugar simbolicamente de rejeição social.
Para além dos desafios impostos ao ECA, é importante ressaltar sua contribuição histórica enquanto uma das mais avançadas legislações do mundo no campo dos direitos da criança e do adolescente, fruto das luta dos movimentos populares e sociais da infância como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA) , Projeto Axé e Unicef.
Sua importância histórica está no grande avanço social para a promoção e consolidação de defesa dos direitos humanos numa perspectiva de garantias sociais e reconhecimento de direitos fundamentais em diálogo com tratados internacionais que proclamaram uma nova era de direitos conhecidos como o da quarta geração. Seu surgimento tem como referência a Constituição Cidadã de 1988, base jurídica que inspirou a criação do estatuto e que marcou o processo de redemocratização do Brasil após 20 anos de Regime Militar.
É fruto desta conjuntura política, jurídica e social que o ECA contempla as demandas da criança e adolescente face a uma agenda de direitos por meio do Art. 227 da Constituição Federal que afirma:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”
Pelas considerações feitas aqui, é preciso dizer que a efetivação do ECA continua em construção e que a garantia de direitos é o seu maior legado, o que deve pautar o exercício da vida social.
Os direitos, como Norberto Bobbio (2004) afirma, só fazem sentidos se forem exercidos:
“Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados”. (BOBBIO, 2004, p17).
Partindo da afirmação acima, é necessário o exercício efetivo do ECA com mudanças profundas na estrutura social em defesa de um projeto coletivo pelos direitos humanos!
Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro, Campus, 2004.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal n. 8069, de 13 de julho de 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
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