A proposta de ensino domiciliar no Brasil parece contemplar uma aspiração antiga das famílias mais ricas, que terão condições de contratar bons professores para acompanhar seus filhos, com o objetivo de formar um sujeito que esteja de acordo com os valores familiares próprios de cada lar. Essas famílias, além de serem formadas, em sua maioria, por pais de nível universitário, que podem acompanhar os estudos dos filhos e garantir horários adequados para tal ação, podem compensar o vácuo de vivência social que isso acarretará matriculando seus filhos em aulas externas ao lar, como a de línguas diversas, esportes, entre outras opções disponíveis no mercado.
Já para as famílias mais pobres a situação é bem diferente. São famílias que não contam com a presença dos pais em casa o dia todo e, em sua maioria, são formadas por adultos que não conseguiram terminar o ensino universitário, o que prejudica o acompanhamento dos estudos das crianças. Quem garantirá que essas crianças estarão estudando e não trabalhando para ajudar financeiramente suas famílias? Ou ainda sofrendo abusos diversos, que por não estarem frequentando a escola, tornam-se difíceis de identificação e possível ação protetiva?
Pergunte para sua avó
No início do século passado, algumas crianças em idade escolar por morarem distantes das escolas, por serem meninas destinadas a cuidar de seus futuros lares ou apenas por trabalharem para ajudar suas famílias, não eram obrigadas a frequentar escolas regulares. Essas crianças estudavam em suas casas nas horas vagas e não havia uma política educacional que garantisse educação básica gratuita para todos.
Com o processo de democratização do ensino essa situação mudou, as crianças em idade escolar foram matriculadas em escolas regulares, independente de sua situação social, crença ou opção política. O analfabetismo foi aos poucos ficando perdido no passado e outras questões mais contemporâneas passaram a ocupar as discussões educacionais. As principais preocupações foram a discussão em torno da escolha de um currículo escolar que garantisse a formação de um sujeito crítico, reflexivo e apto a viver em Sociedade e a formação de bons Professores. Ambas são tarefas fundamentais que até hoje são discutidas e demandam ainda muita dedicação do Estado e da Sociedade.
Escola pública de qualidade para todos
Parece-me que a regulamentação do ensino domiciliar nesse momento, considerando a desigualdade social grave e presente em nosso país, só agravará a discriminação cultural entre nossos jovens e não contribuirá em nada com a formação de um todo chamado Sociedade.
Temo pelo fato de que, quando uma pessoa não tem a garantia de seus direitos básicos, como comida, abrigo, segurança e saúde, não encontra espaço para pensar em questões mais amplas como as abordadas nessas linhas, mesmo que sejam a raiz de seu sofrimento. Mesmo assim, devido ao martírio humano vivido, não enxerga mais nada além de sua sobrevivência imediata. Infelizmente, é essa a realidade de uma parcela cada vez maior de nossa população; lamentavelmente, a promessa, mesmo que excludente, de uma escola que promete de alguma forma aliviar essa situação, não encontra espaço para contestação em uma parcela da população privada da possibilidade de reflexão e de escolha.
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