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“Eis o que eu desgosto nas bichas: elas não conseguem ficar apenas na amizade!”: um lamento sobre esnobados do Oscar 2025

“Eis o que eu desgosto nas bichas: elas não conseguem ficar apenas na amizade!”: um lamento sobre esnobados do Oscar 2025

Passada a nonagésima sétima edição do prêmio Oscar, ocorrida na noite de 02 de março de 2025, comemora-se a vitória inédita de um longa-metragem brasileiro [“Ainda Estou Aqui” (2024, de Walter Salles)], na categoria Melhor Filme Internacional, e a celebração de uma produção independente [“Anora” (2024, de Sean Baker)], que venceu em cinco das seis categorias em que esteve indicada (ganhou os prêmios de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Montagem, Melhor Roteiro Original e Melhor Atriz, para a ainda novata Mikey Madison). Ainda que nem sempre os melhores trabalhos sejam efetivamente laureados, não se pode reclamar que a distribuição de estatuetas foi injusta: os profissionais laureados fazem jus aos méritos correspondentes. Mas sempre há quem esteja insatisfeito, e quem destaque ausências notáveis na lista de indicados. Enfatizaremos dois destes casos, aqui.

Tendo perdido a oportunidade de estar simultaneamente indicado por duas produções, numa mesma temporada — conforme ocorreu com Francis Ford Coppola, na safra de 1974; Herbert Ross, na premiação correspondente aos lançamentos de 1977; e Steven Soderbergh, em relação aos filmes que dirigiu no ano 2000 —, o italiano Luca Guadagnino realizou dois trabalhos mui elogiados em 2024, “Rivais” e “Queer”, mas estes filmes foram lamentavelmente esnobados pelos votantes do Oscar. O primeiro dos títulos foi assaz celebrado desde o seu lançamento (vide texto sobre ele, aqui), e merecia ter recebido ao menos uma indicação pela trilha musical de Trent Reznor e Atticus Ross, colaboradores habituais do diretor. Eles foram premiados no Globo de Ouro e em diversas outras premiações internacionais, de modo que eram os favoritos, até serem ignorados nas indicações; o segundo dos filmes, por sua vez, causou rebuliço no Festival Internacional de Cinema de Veneza…

Protagonizado pelo astro Daniel Craig, que interpreta uma versão ficcionalizada do escritor William S. Burroughs [1914-1997], autor do romance homônimo original, “Queer” fala sobre um período em William Lee refugiou-se no México, em busca de amor e das possibilidades telepáticas de uma planta alucinógena encontrada no Equador. Viciado em heroína, William Lee passa as tardes flertando com desconhecidos (um deles é o cantor Omar Apollo, que não tem pudor em se desnudar por completo), nas ruas latino-americanas, e fica obcecado por um jovem soldado expatriado, Eugene Allerton (Drew Starkey). Este alega não ser homossexual, mas permite que William lhe faça sexo oral, além de autorizar parcialmente as suas demonstrações excessivas de afeto. Até que o mais velho convida o mais novo para viajar consigo através de alguns países da América do Sul, onde tenciona encontrar yagé, o vegetal que dá origem à produção do chá de ‘ayahuasca’: o “cipó do morto”, Banisteriopsis caapi.

Dividido em três capítulos mais um epílogo, este filme decepciona quem já assistiu à excelente adaptação de “Almoço Nu”, clássico burroughsiano levado a cabo pelo diretor canadense David Cronengerg, que partiu de um livro considerado “infilmável” para realizar seu “Mistérios e Paixões” (1991). Diferentemente daquele trabalho, a opulenta produção de Luca Guadagnino revela-se inorgânica, na maneira afetada e redundante com que insiste em guetificar os comportamentos homossexuais do protagonista, bem como de seus companheiros (o amigo que Jason Schwartzman vivifica é insuportável!). No primeiro dos capítulos, as conversas de conquista entre William e Eugene são enfatizadas, mas os assuntos que eles compartilham são fugidios: falam sobre bebidas, comidas e bares ‘gays’ e, numa cena-chave, são mostrados assistindo a “Orfeu” (1950, de Jean Cocteau), que antecipa simbolicamente o que ocorrerá nos capítulos vindouros, quando surge uma “abertura de portal” que unificará ambos os personagens, através de uma transpersonificação de seus anseios corporais.

Após Eugene aceitar o covite de William Lee, eles passam algum tempo hospedados em cidades sul-americanas, onde o escritor se esforça para obter opiáceos em farmácias ou médicos locais, até que eles descobrem que uma pesquisadora (interpretada pela britânica Lesley Manville) está realizando experimentos com yagé, e encontram-na numa floresta, onde ela mora com seu silencioso marido (em participação do conceituado diretor argentino Lisandro Alonso). As personificações são exageradas, tanto quanto os cenários, ostensivamente artificiais — e evidentemente inspirados em quadros de Edward Hopper [1882-1967]. As canções são intencionalmente anacrônicas — com destaque para as utilizações de “All Apologies”, em versão de Sinéad O’Connor; “Come as You Are”, de Nirvana; e “Musicology”, de Prince — mas o filme mão empolga tanto quanto prometia: em determinado momento, parece que o roteiro — também escrito por Justin Kuritzkes, tanto quanto “Rivais” — não sabe muito o que fazer com a estranheza assegurada pelo título, que refere-se tanto à pederastia do protagonista quanto à sua afeição por algo que é criminalizado em seu país de origem, de modo que, por conta disso, ele se escondia no México, onde referia-se a este território de maneira desdenhosa e até mesmo colonialista. As sequências de delírio, após o consumo da ‘ayahuasca’, valorizam o extraordinário trabalho fotográfico de Sayombhu Mukdeeprom, mas a montagem do filme não é exitosa ao reproduzir os deslocamentos (em mais de um sentido para o termo) do percurso literário. Há algo muito bonito quando o filme evoca o platonismo de William Lee — realçado pelas canções e trilha musical —, mas algo semelhante a uma epifania só acontece quando os personagens estão sob efeito de substâncias entorpecentes: ao contrário da inspiração cocteauniana, o diretor Luca Guadagnino lança-se numa adaptação esquemática e um tanto acadêmica, a despeito das polêmicas desencadeadas pelas intensas cenas de sexo entre os atores. Merecia indicações — e até mesmo prêmios — em categorias técnicas, indubitavelmente, mas é um filme muito aquém daquilo que esperávamos dele. Uma pena!

Wesley Pereira de Castro.


Imagem em destaque: https://www.slugmag.com/wp/wp-content/uploads/2024/12/Queer.webp

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