Durante o período em que ocorre a trigésima terceira edição dos Jogos Olímpicos — entre 26 de julho e 11 de agosto de 2024, na cidade de Paris —, as transmissões e comentários midiáticos sobre as partidas desportivas são dominantes, tal qual ocorre a cada quatro anos, de acordo com o calendário deste importante evento internacional. Aproveitamos esta deixa para recomendar um dos filmes unanimemente inseridos entre os melhores lançamentos do primeiro semestre do ano em pauta, “Rivais” (2024, de Luca Guadagnino). De nossa parte, referendamos a empolgação: o filme é magistral, justamente por demonstrar que, por detrás de uma competição evidente, há muitas entrelinhas emocionais…
Conhecido por ser um dos grandes maneiristas hodiernos — segundo análise de Luiz Carlos Oliveira Jr., no livro “A Mise-en-scène no Cinema: do clássico ao cinema de fluxo”, isso teria a ver com a relação estilisticamente observada entre a sobrecarga e o retraimento —, o cineasta italiano Luca Guadagnino aprimora os seus cacoetes directivos, confirmando a definição do referido autor: “a ‘maneira’ pode ser tão somente um efeito engenhoso, obtido com consciência e habilidade, ou a variação de uma estrutura anterior, a ressignificação das formas plásticas e dos dispositivos espaciais e temporais de uma determinada obra ou gênero”. É o que acontece aqui: uma trama que, em mãos convencionais, renderia um objeto genérico repleto de clichês, transforma-se num palimpsesto erótico, em que as posições de vencedor ou perdedor permanecem em suspenso até mesmo depois da projeção!
Brilhantemente fotografado pelo tailandês Sayombhu Mukdeeprom, colaborador habitual do diretor, este filme se beneficia de uma esplêndida montagem (a cargo de Marco Costa, que também já trabalhara com o diretor, em mais de uma oportunidade) e da trilha musical sardônica e quase onipresente de Trent Reznor e Atticus Ross (igualmente compositores da canção-tema “Compress/Repress”, executada durante os créditos finais). Todos estes elementos são perfeitamente combinados ao roteiro repleto de vais e vens de Justin Kuritzkes, que narra as desventuras românticas e esportivas de um trio de tenistas: Art Donaldson (Mike Faist), Patrick Zweig (Josh O’Connor) e Tashi Duncan (Zendaya). Os três atores estão maravilhosos em seus papéis, acrescentamos.
No início do filme, descobrimos que Art e Tashi são casados e possuem uma filha pequena. Além disso, Tashi é também a treinadora de seu marido, depois que ela deixou de jogar, em razão de um acidente em quadra. Estamos em 2019, na partida final de um campeonato importantíssimo para Art, em razão de derrotas recentes, que podem pôr em xeque a sua consagração enquanto atleta maduro. Nessa disputa, o oponente de Art é justamente Patrick, outrora o seu melhor amigo, antes que ambos se apaixonassem por Tashi. Volta-se, então, para 2006, mais de uma vez, quando Art e Patrick, então uma dupla premiada de tenistas pós-adolescentes, ficam obcecados por Tashi, à primeira vista e, a fim de conquistá-la, explicam que o máximo de aproximação homossexual que eles tiveram foi a oportunidade de um ensinar ao outro como se masturbar. É o pretexto para que ela proponha um beijo a três, que logo se converte na constatação de que os dois amigos reprimem a atração sexual que sentem um pelo outro. Ao longo de treze anos, isso interferirá nas diversas partidas e diálogos entre eles: a filhinha de Tashi e Art reclama que eles estão “sempre conversando sobre tênis”, enquanto o trio, em seus embates emocionais, muitas vezes se pergunta: “estamos falando sobre tênis?”. A resposta é: sim e não!
Investindo em enquadramentos sobremaneira carnais, que destacam os músculos, cicatrizes e ereções dos personagens, o diretor convida o espectador a enxergar além do que é mostrado, incluindo a pujança de um abraço derradeiro, que ocorre após a interpretação de um gesto que soaria corriqueiro, para quem não prestou atenção ao que ocorre nas empolgantes duas horas e onze minutos de duração deste filmaço. Sem que precisem mentir, os personagens — que são, ao mesmo tempo, rivais e amantes — enganam-se de várias maneiras, através de blefes que servem como impulso para as partidas que disputam, inclusive conjugais. A câmera do diretor adere a virtuosismos que já foram ensaiados nos filmes anteriores, como o célebre momento em que acompanhamos os movimentos de Art e Patrick através do ponto de vista da bola de tênis. Não se sabe para quem torcer, ao final – e este é o maior charme do enredo: a suplantação do maniqueísmo em quadra. Várias raquetes são quebradas no processo e alguns orgasmos são interrompidos. Cabe a nós a tarefa do desempate, via comunhão erotógena.
Wesley Pereira de Castro.