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Economia Circular nas PME em Portugal: Uma Estratégia para a Competitividade

Economia Circular nas PME em Portugal: Uma Estratégia para a Competitividade

A economia circular surge, atualmente, como uma necessidade inadiável para o tecido empresarial português. Este tema não se trará de uma tendência passageira, como muitos têm vindo a assumir, mas de uma transformação estrutural necessária, que define o futuro da competitividade das empresas nacionais. O panorama corporativo português é representado por 99,9% de PME (pequenas e médias empresas), sendo estas as responsáveis por empregar 80% da força laboral nacional. Desta forma, uma mudança de paradigma ao nível do modelo de desenvolvimento no tecido empresarial, terá um grande impacto social, à partida (PORDATA, 2024).

Existe, neste momento, uma oportunidade histórica para investir nesta mudança de modelo de desenvolvimento, não só a nível de processos, produtos, serviços, mas também da consciência necessária para alavancar essa mudança.

Para que estas duas mudanças ocorram torna-se essencial a consciencialização/formação dos diferentes atores, bem como o investimento em diagnósticos profissionais de sustentabilidade e determinação/ implementação de planos de ação que venham colmatar as falhas diagnosticadas pelos referidos diagnósticos.

A Economia Circular: Uma Nova Visão de Negócio

Desde a revolução industrial que o modelo linear de “extrair-produzir-descartar”, tem sido o modelo de desenvolvimento vigente. Contudo, a elevada extração de materiais, assim como a exponencial deposição de resíduos, provenientes deste modelo, despoletaram a necessidade de desenvolver um sistema de circulação de materiais, que permitisse, simultaneamente regenerar os sistemas naturais, pela redução de extração de matérias-primas e reduzir a quantidade de subprodutos ou resíduos produzidos. Este modelo chama-se Economia Circular e objetiva reformular os atuais modelos de negócio.  Para as PME portuguesas, isto significa oportunidades concretas de redução de custos, a médio/longo prazo, diferenciação competitiva e acesso a novos mercados.

Este modelo promove a reutilização, reparação, remanufactura e reciclagem de materiais. Integra também princípios de design sustentável desde a conceção dos produtos, a economia circular não só diminui as emissões de carbono e a poluição ambiental, como também gera oportunidades económicas através de novos modelos de negócio baseados na partilha, serviços e durabilidade. Esta transição representa uma mudança de mentalidade essencial para construir um futuro mais sustentável, onde o crescimento económico é desacoplado do consumo excessivo de recursos, garantindo a prosperidade das gerações presentes sem comprometer as necessidades das futuras (Ellen MacArthur Foundation, 2019).

É quando chegamos ao tema da sustentabilidade que a maioria das empresas apresenta alguns receios, no que toca ao cumprimento de reportar o seu desempenho. Qual o motivo de isto acontecer? Muitas empresas portuguesas, apresentam ainda dificuldades na monitorização de indicadores ESG (Environmental, Social, Governance).

Foi no sentido de apoiar o relato voluntário de sustentabilidade, nesta tipologia de empresas, que surgiu a Norma VSME (Norma Voluntária de Relato de Sustentabilidade da EFRAG para PME não cotadas) que dá suporte às PME ao nível da sistematização de uma metodologia de diagnóstico empresarial sustentável. Esta norma apresenta-se como um referencial rigoroso, mas acessível, para medir e implementar práticas circulares e sustentáveis, facultando às empresas a possibilidade de identificar oportunidades de melhoria, estabelecer metas realistas e monitorizar progressos. Inclui módulos específicos para avaliação de circularidade, eficiência energética, gestão de recursos e impacto social (European Financial Reporting Advisory Group, 2024).

Mas será assim tão importante diagnosticar a sustentabilidade corporativa? O Business Council for Sustainable Development Portugal (BCSD) conduziu alguns estudos que revolucionam a forma como olhamos para a sustentabilidade empresarial. Os resultados são inequívocos:

Empresas com diagnósticos estruturados de sustentabilidade apresentam uma performance superior em todos os indicadores relevantes. O estudo de 2023 revelou que estas organizações registaram uma redução média de 23% nos custos operacionais, um aumento de 18% na produtividade e uma diminuição de 31% no desperdício.

Mas os benefícios vão além da eficiência operacional. Estas empresas têm maior probabilidade de obter financiamento verde, beneficiam de taxas de juro mais baixas e registam aumentos na quota de mercado (BCSD Portugal, 2023).

Um estudo sectorial da indústria têxtil portuguesa, realizado em 2024 com 127 PME, é ainda mais revelador. Empresas com medidas sustentáveis conseguiram reduzir o consumo hídrico, a pegada de carbono e aumentar a margem EBITDA (AICEP, 2024).

Alguns exemplos nacionais da importância desta monitorização e comunicação sustentáveis podem ser apresentados, como forma de exemplificar que o trabalho desenvolvido apresenta retorno.

A TINtex Textiles, no Norte do país, produz coleções se concentram em tecidos circulares responsáveis, de alto desempenho e longa duração: novas e aprimoradas classes de algodão, fibras regeneradas refinadas e materiais reciclados de ponta, todos com os seus respetivos certificados de marca e padrões de fornecedores. A marca apresenta certificações de produto como GOTS, OCS, GRS e OEKO-TEX® STANDARD 100.

A NÃM Mushroom Farm, em Lisboa, transformou um problema urbano numa oportunidade de negócio, utilizando borras de café para cultivar cogumelos gourmet. Todos os anos são transformadas cerca de 60 toneladas de borra de café em 40 toneladas de cogumelos. A distribuição dos cogumelos restringe-se a distribuição local, de aproximadamente 15 km. O excedente é transformado em fertilizante, desde 2019, foram devolvidas 250 toneladas de fertilizante ao solo em parceria com a CML (Câmara Municipal de Lisboa). Ao nível de redução de CO2, foram eliminadas 140 toneladas de CO2 desde 2019. A NÃM Mushroom Farm é uma empresa com Certificação B Corp desde 2022.

A EcoX Solutions, em Aveiro, produz detergentes ecológicos a partir de óleos alimentares usados. Desde 2018 foram valorizados mais de 51 569L de óleo alimentar usado, cerca de 13 485 615 625L de água foram protegidos de contaminação por esse óleo, os detergentes são produzidos numa fábrica portuguesa com 542 painéis fotovoltaicos, que permitem a produção da própria energia limpa. O uso do sistema de refill evitou o descarte de 304 658 embalagens single-use e 19 213,49Kg emissões CO2EQ foram evitadas ao nível do packaging.

Estes exemplos de empresas sustentáveis, têm muitas das suas ações baseadas em princípios de Economia Circular, ainda assim, não é esse o perfil traçado por muitas das empresas portuguesas. Porque falham tantas PME na implementação de práticas circulares? A resposta é simples: falta de diagnóstico adequado. Segundo um estudo desenvolvido pela Confederação Empresarial de Portugal (CIP) em parceria com a EY-Parthenon, apenas 19% das empresas nacionais integram a economia circular nas suas decisões estratégicas (CIP, 2024).

Assim, é notória a necessidade de diagnosticar as empresas no sentido de despoletar a inovação do modelo de negócios, de forma a induzir uma transição para um modelo mais circular e sustentável. A Norma VSME oferece três vantagens fundamentais: análise técnica especializada, viabilidade económica e compliance regulamentar, manifestando-se como uma necessidade estratégica na competitividade das PME nacionais.

A aplicação desta norma permite identificar oportunidades específicas de circularidade, estabelecer benchmarks sectoriais e desenvolver indicadores personalizados e adaptados à realidade e dimensão do tecido empresarial português. A avaliação da governança corporativa permite, não só, verificar a viabilidade financeira do modelo de negócio, como todo o especto da transparência e ética da empresa, controlo de riscos e cultura organizacional. Ao nível da compliance assegura conformidade com regulamentação nacional e europeia, preparando as empresas para auditorias e certificações internacionais (European Financial Reporting Advisory Group, 2024).

O Preço de Não Agir

Portugal importa mais de 80% das matérias-primas que consome, representando 14,2 mil milhões de euros anuais em dependência externa, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (2024). Esta vulnerabilidade tem um preço:

Segundo o Relatório anual sobre a exposição do setor bancário ao risco climático (Banco de Portugal, 2024):

  • O sistema bancário da área do euro está exposto a tail risks no caso de mudanças abruptas e significativas nos preços do carbono, sendo que esse impacto seria relativamente controlado com reduções de GEE mais graduais ou eficientes por parte das empresas.
  • Uma empresa de um setor com elevada intensidade carbónica, mas que realizou investimentos na descarbonização do seu processo produtivo, deverá estar exposta a um menor risco de transição do que as suas concorrentes que não realizaram esses investimentos.
  • A perda de competitividade pode resultar de várias situações: o impacto causado por aumentos nos preços do carbono, a maior dependência da energia com fonte primária nos combustíveis fósseis, a desvalorização de ativos (stranded assets), a maior dificuldade de adaptação à regulamentação ambiental mais rigorosa, alterações nas preferências dos consumidores em desfavor de produtos intensivos em carbono, o aparecimento de novas tecnologias que tornam as anteriores obsoletas. Todos estes desenvolvimentos são suscetíveis de culminar num aumento do risco de incumprimento.

Como agir para a transição?

A transição para um modelo de negócios mais sustentável e circular pressupõe a implementação por fases. Pelo que, primeiro deve ser executado um diagnóstico técnico, de forma a percecionar o desempenho da organização ao nível das temáticas. O passo seguinte é o design de um plano de ação desenvolvido no sentido de implementar medidas que possam despoletar impacto e retorno imediatos. Finalmente, deixar para médio ou longo prazo, as medidas com grandes investimentos e de difícil retorno, que aportem alterações estruturais, processuais e tecnológicas de grandes dimensões. Estas alterações irão conduzir a uma mudança gradual do modelo de negócio, para um modelo mais circular e sustentável.  É de extrema relevância, a análise de toda a cadeia de valor, de forma que se possa afirmar que aquele modelo de negócio é efetivamente responsável, ambiental e socialmente. Só desta forma, será possível reportar de forma fidedigna os resultados das monitorizações feitas à organização e obter financiamentos e certificações nesse âmbito.

Conclusão: Uma Questão de Sobrevivência Nacional

A economia circular não é apenas uma oportunidade, é, neste momento, uma questão de sobrevivência económica nacional. Sendo que a grande maioria das empresas em Portugal são PME, é necessário encontrar estratégias exequíveis e adaptáveis a empresas destas dimensões e com estas características.

A Norma VSME surge então como um instrumento metodológico necessário e adaptado à realidade desta tipologia de empresas, assim, é necessário que cada vez mais, a gestão de topo e os stakeholders das organizações pensem a sustentabilidade e a economia circular como um todo, desenvolvendo estratégias conjuntas e monitorizáveis, utilizando um referencial comparável e fidedigno, que confira às empresas a transparência e confiabilidade necessárias para alavancar modelos de negócio sustentáveis e simbioses corporativas sólidas, rumo à sustentabilidade e a uma economia mais circular. Só desta forma, as PME nacionais terão possibilidade de se tornar mais competitivas, num futuro próximo.

PORDATA. (2024). Empresas: Total e por dimensão. Fundação Francisco Manuel dos Santos. https://www.pordata.pt

Ellen MacArthur Foundation. (2019). Completing the picture: How the circular economy tackles climate change. Ellen MacArthur Foundation. https://www.ellenmacarthurfoundation.org/

European Financial Reporting Advisory Group. (2024). Voluntary Sustainability Reporting Standards for SMEs (VSME ESRS). EFRAG. https://www.efrag.org/en/projects/voluntary-reporting-standard-for-smes-vsme/concluded

BCSD Portugal. (2023). Jornada 2030: Maturidade das empresas em sustentabilidade – Retrato agregado 2022. https://bcsdportugal.org/wp-content/uploads/2023/01/BCSD-Portugal-_-Maturidade-das-empresas-em-sustentabilidade-Retrato-agregado-2022-Relatorio.pdf

AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal. (2024). Portugal: O poder da indústria têxtil na moda sustentável. Portugalglobal. https://www.portugalglobal.pt/pt/noticias/2024/maio/portugal-o-poder-da-industria-textil-na-moda-sustentavel/

Confederação Empresarial de Portugal (CIP). (2024). CIP lança estudo pioneiro em Portugal sobre economia circular. https://cip.org.pt/cip-lanca-estudo-pioneiro-em-portugal-sobre-economia-circular/

Instituto Nacional de Estatística (INE). (2024). Estatísticas do Comércio Internacional | Dados provisórios de 2023.

https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=694999214&DESTAQUESmodo=2&xlang=pt

Banco de Portugal. (2024). Relatório anual sobre a exposição do setor bancário ao risco climático. https://www.bportugal.pt/sites/default/files/documents/2024-07/rel_lbc_pt_2024.pdf

AICEP. (2023). Plano Estratégico 2023–2025. Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal. https://www.portugalglobal.pt/sobre-aicep/informacao-de-gestao/

Joana Capela Pires| Fundadora da Raíz Circular- Consultoria em sustentabilidade

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