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“Diante de tudo aquilo que temos para descobrir, a tua vida realmente importa?”: a pergunta é outra; a ação, idem!

“Diante de tudo aquilo que temos para descobrir, a tua vida realmente importa?”: a pergunta é outra; a ação, idem!

Na introdução do livro “Cinema de Garagem: Panorama da Produção Brasileira Independente do Novo Século”, organizado pelos críticos e realizadores Marcelo Ikeda e Dellani Lima, lemos que “com a acessibilidade das tecnologias digitais, é possível, com uma câmera portátil e com um software de edição, fazer e montar filmes em nossas próprias casas”. Esta percepção levou os autores a identificar e celebrar um corpus fílmico, bastante heterogêneo, que se debruça acerca daquilo que é possível, com baixíssimos orçamentos, equipes reduzidas e versando sobre temas do cotidiano, na maioria das vezes. É um tipo de cinema, portanto, que se vincula diretamente à cinefilia atuante, que consagra ao cineclubismo uma potência compensatória, ao providenciar espaço exibidor para obras que, por motivos variegados, não chegam às salas de cinema tradicionais…

Trouxemos esta necessária reflexão à tona porque, em sua elementaridade e urgência, este tipo de filme coaduna-se aos anseios neo-geracionais, conclamando um experimentalismo que flerta com e subverte, simultaneamente, os parâmetros documentais. As distinções entre ficção e realidade tornam-se cada vez mais tênues, visto que este cinema realça os caracteres performáticos dos realizadores (comumente protagonistas e/ou roteiristas de suas próprias obras) no dia a dia. A forçosa exigência de ser independente os obriga a uma contínua reinvenção, o que torna estes filmes cada vez mais interessantes.

Por outro lado, como o Capitalismo a tudo apropria, nalguns casos, os cacoetes de um declarado “cinema independente” convertem-se numa espécie de subgênero, em que os espectadores influenciáveis são atraídos por um “selo de autenticidade” que se revela tão ilusionista quanto as mais gritantes convenções hollywoodianas. Podemos citar, como exemplo tipicamente norte-americano, as campanhas de divulgação da produtora e distribuidora A24, que realçam a “estranheza” dos enredos a ela relacionados. Em meio a esta grife, não são raros os produtos esteticamente falaciosos, direcionados àqueles que se deixam convencer pela aparência, em detrimento da essência. Temos a pretensão de afirmar que tu deves pensar num filme deveras específico, enquanto lês estas linhas…

É a deixa para que investiguemos a inserção do longa-metragem “Viagem à Lua de Júpiter” (2013, de Sebastián Cordero — em Portugal, “Relatório Europa”) numa mostra cineclubista com o título “Subestimados, mas não Esquecidos”. Em meio a títulos extraordinários como “Wanda” (1970, de Barbara Loden) e “Os Terroristas” (1986, de Edward Yang), este filme foi selecionado pela curadoria do cineclube em pauta — Solberg, vinculado à Universidade Federal de Sergipe — por conta de sua exígua visibilidade, o que lhe confere uma aura automática de ‘cult’. Porém, conforme fez questão de declarar o responsável por esta escolha, apesar de seu aspecto “diferentão”, a narrativa do citado longa-metragem revela-se bastante convencional, por detrás de sua emulação formal enquanto ‘found footage’ (ou seja, um tipo de produção que finge ser um material encontrado por outrem, geralmente em contextos tramáticos vinculados a desaparições). É bem pior do que isso, infelizmente!

No roteiro deste filme, escrito por Philip Gelatt — conhecido por suas colaborações na série animada da Netflix “Love, Death & Robots” —, uma equipe de astronautas aceita participar de uma viagem, financiada por empresas privadas, para um dos setenta e nove satélites do planeta Júpiter e, como sói acontecer neste tipo de trama, lidam com aspectos mortíferos do ambiente inóspito extraterrestre. Uma das participantes da equipe, a russa Katya Petrovna (Karolina Wydra) pronuncia a frase contida no título deste artigo, ao aceitar aventurar-se pela superfície do satélite Europa. Encantada pela beleza inaudita do que vê, ela ameaça tirar as suas luvas, para tocar na neve espacial, mas é tragada pelo solo liquefeito. Pouco a pouco, os integrantes da tripulação vão morrendo, o que é comentado, num pronunciamento a posteriori, pela Dra. Samatha Unger (Embeth Davidtz), em intervenções que parecem gravadas para um especial televisivo do Discovery Channel. A despeito de sua instigante sinopse e de sua aura independente, este filme se desvela como uma lamentável demonstração dos valores conquistadores do imperialismo estadunidense. É contra esse tipo de engodo que o “cinema de garagem” se institui, aliás. Posicionemo-nos politicamente enquanto espectadores: cineclubismo é resistência ativa!

Wesley Pereira de Castro.


Imagem originalmente disponível em: https://cdn.mos.cms.futurecdn.net/6kq8y4H3zYAYDjqzHt5HzF.jpg

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