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Resta só uma

Resta só uma

Três Marias, três sentimentos, três emoções, que nos legaram como as carta de uma quarta apocopada, quando se insurgiram contra a dita dura, ditadura que não queriam suportar ou viver. Com suas novas cartas reveladoras e libertadoras romperam o cerco, rasgaram o claustro, foram além, quando muitos poucos se aventuravam, viveram o sonho da liberdade, ousadia e desassombro, história dessas três vidas.

Maria Velho da Costa, a Maria do meio das três, em idade, segue Isabel, a mais nova que foi a primeira a partir. E nesse partir o encontro com o sonho da eternidade, só alcançável com a força das palavras, essas que são de todos, mas que restam na de muito poucos.

Suas “Casas Pardas” terminaram no palco, a sua “Myra” caminha por aí indelével, sua “Missa in albis” continuará a ser dita, e sua Lúcialima, como bela-luísa, verbenácea admirável, estará nos molhos, temperos e chás para sempre… Eis sua luta maior, sua capacidade de dizer, que era o esgrimir com as palavras, essas suas amigas, com as quais sabia amedrontar o regime, e afugentar as nuvens pardas da obscuridade, “Os regimes totalitários sabem que a palavra e o seu cume de fulgor, a literatura e a poesia, são um perigo.”

Sofro com mais esta perda, e sofro com a dor da terceira Maria, minha amiga Maria Teresa Horta, que ficou só na solidão em que já se encontrava, em tempos amargos, tempos de amargor e amargura, esta que se espalha na alma dos que amaram sua escrita. Para a Maria que fica, deixo, em jeito de ânimo, esse poema:

Ficastes sozinha Maria
Teu rumo é sempre Norte
No jogo das cartas da vida, Maria
Tivestes a melhor sorte?
Sorte era estarem todas juntas
A escreverem-se cartas
Sorte era o desafiar
A sorte de não ter medo
A sorte de não fraquejar
Contra o regime aterrador
E com as palavras
Só com as palavras
Lutar!
Lutar!
Lutar!

Havia escrito quando da morte da outra Maria, a Isabel em 4/9/16:

Nunca morrerão Imortais que são

                           

Ave Maria Gratia plena! Maria Isabel Barreno, que ninguém esquece d'”A morte da mãe”, e era a mais nova das três que um dia foram detidas, encarceradas, espezinhadas, reprimidas, processadas, à conta de umas novas cartas, sendo a primeira delas datada de 1/3/1971, data fatal, três anos antes da liberdade em Portugal, quando já fermentava algo novo numa correspondência absurda, voltada para o mundo, esse mesmo mundo em que Portugal não estava, desse mesmo mundo onde três Senhoras, com esses grandes, recusavam-se a não estar, a não pertencer, e não poderem participar. E na edição de seus poemas, seus ensaios, seus pensamentos, suas sensibilidades, juntas expressam nas ditas cartas, que também são, e são novas, e, para maior dos crimes, são portuguesas.

Vivia-se uma primavera, a marcelista, mas a estação suposta não aliviava o chumbo de um regime invernal de quatro décadas, que no ferrolho queria trancar as vozes dessas três nossas Senhoras, que recusavam-se a ceder, a curvarem-se ante uma vontade que não fosse a sua, a atenderem a um sentimento que não era o seu, aceitarem uma atmosfera que repudiavam, e estabelecendo essa correspondência imaginária, arrebanham o imaginário de seu tempo, sobretudo o feminino.

Na senda de uma tradição tri-centenária, desde quando Claude Barbin em 1669 publicara a tradução francesa, idioma que as três Marias também utilizam, de cinco cartas de amor de uma mulher, uma Mariana, como as Marianas que também evocam essas três Marias, aquelas eram cinco cartas que desde o tempo de Luís XIV revelam uma sensibilidade, um grito, aquele emitido desde um claustro, mas a mesma sensibilidade da mulher, e a razão, a mais perene de todas, amor. ‘Ut ego amo te amo’

‘Amor me ad vos’, um desejo singelo, um Direito mesmo, tão reprimido, tão esmagado, que a sua só revelação é um escândalo, mas é uma expressão sublime de beleza que muda o caminho da literatura por existirem aquelas cinco cartas, e em existir se resume muita vez a razão de que as coisas sejam de um modo e não de outro, assim como existem essa novas.

Assim como existem também essas três Marias suas autoras, a Teresa, a Velho, e a Isabel que hoje nos deixa, mas da qual fica seu grito, uníssono com as outras duas que seguem guardando o testemunho, como aquele grito da Mariana Alcoforado, a anônima, que a partir de seu claustro fez ecoar pelo mundo fora, e que, pela sua  força e beleza, permanece e permanecerá. São suas cartas, que, assim como as novas, portuguesas ambas, revelam a magia de um tempo, cada qual de per si, neste lapso temporal de três séculos entre ambas, assim como existe um sentimento de mulher que cumpre seu desígnio, assim como há forças que se lhe opõem, haverá sempre a expressão desse sentimento que, feminino, vem revelar, quem sabe?, “O lugar comum” como queria a Maria do meio em seu primeiro trabalho publicado, essa Velho que esconde o nome de sua santa, uma Nossa Senhora, a mais portuguesa de todas as Nossas Senhoras, ou quererá a primeira a da santa que poderá ser a d’Ávila, a de Lisieux, preferida no diminutivo, a dos Andes, Edith Stein, a judia, ou a santa do dia de hoje, a de Calcutá, não importa, haverá sempre uma “Minha Senhora de Mim” a nos dar “Educação Sentimental” como ficará para sempre em nós a memória  da Maria que nos deixa hoje, do nome dessa santa portuguesa que foi rainha, certamente a mais portuguesa das santas, que n'”A Condição da Mulher Portuguesa”, marcou a “Crônica do tempo” sendo um d'”Os sensos Incomuns” de sua época, que como mulher recusou-se a ficar n'”As Vésperas esquecidas” fazendo-se presente, expressando sua totalidade na plenitude de sua existência que hoje terminou. Ave Maria Isabel Barreno de Faria Martins.

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