Falávamos num anterior artigo da figura de Carvalho Calero e da sua conceção da origem das Línguas ibero-romances. Para ele Galaico Oriental e Galaico Ocidental conformava a duplicidade da qual saíram a nossa língua portuguesa, galega ou galego-portuguesa por um lado e a língua astur-leonesa por outro de quem nasceu o castelhano como fala mais oriental sob substrato ou adstrato basconço. Mas resulta que Carvalho Calero não foi o único que achava esta genealogia válida. Vários intelectuais aceitaram esta proposta que mesmo anteriormente a Carvalho tinham tratado o assunto.
Neste novo artigo vamos ver o que pensava no que diz respeito o linguísta Carlos Peregrim Otero, nascido em Vila Nova da Lourençã lá pelo ano 1930.
Este gramático e linguista, seguidor de Noah Chomsky estudou em Madrid Ciências Político-Económicas e Direito para completar estudos em Berkeley onde se fez Doutor em Linguística e Literatura Românica onde com vinte e nova anos acabou fazendo parte do Claustro de Professores da Universidade de Califórnia em Los Ângeles exercendo de professor de linguística e literatura espanholas gerando uma grande revolução nos estudos sobre a língua castelhana.
De toda a sua obra, muita dela fiel ao chamado PM ou Programa Minimista ou Minimalista de Noah Chomsky dentro da Gramática Gerativa, destacamos o seu livro “Evolución y Revolución en romance. Mínima introducción a la fonologia” (1). Nele comenta-nos o facto de considerar o galego num estado anterior de evolução linguística a respeito do castelhano. Este livro seu é um estudo diacrónico da língua castelhana onde bota abaixo todos os velhos conceitos que a velha linguística manteve sobre o castelhano durante muito tempo e manifesta a sua ideia de que o castelhano é uma derivação do primitivo romanço galaico.
A censura franquista proibiu este último livro na sua edição inicial, obrigando-o a mudar parte do seu texto para adequá-lo aos paradigmas nacional-católicos dos anos da ditadura. Uma desses atos de censura foi o facto de ele afirmar que o galego é um passo anterior ao castelhano criticando que os hispanistas concluíssem com grande convencimento uma origem do castelhano independente e com vocação imperial. Quando foi recuperada a sua liberdade para exprimir o facto, Peregrin manifesta assim o seu critério (Peregrin Otero, C.: 1976: pp 53):
“Se tivermos testemunhas escritas de uma época muito antiga, a finais do primeiro milénio, comprovaríamos que ambos os idiomas (galego e castelhano) diferiam muito pouco. A sintaxe atual do galego é mais arcaica, nem só tem propriedades do castelhano de há mil anos mas que parece plausível que estas propriedades foram comuns. A similitude deve-se a que o galego evolui mais lentamente do que o castelhano ainda que, durante séculos, dá passos similares. É como se as línguas românicas estivessem canalizadas para seguir um mesmo percurso e que as diferenças fossem de rapidez em fazê-lo”.
Para Peregrim Otero a Hispânia medieval estava conformada basicamente em duas realizações linguísticas: um de base galaica no norte cristão (2) e outra de base moçarábica no sul. Esta ultima, recebe, para Peregrim Otero o nome de “Yudió” por serem o conjunto de falantes judeus, isto é, sefarditas, os que melhor conservaram esta fala. Já não hebreu, que só falavam em rituais religiosos e que em muitos casos nem eles percebiam, mas em romanço moçarábico que escreviam com o alfabeto “álef-beit” (3) conformando uma realização linguística escrita cujo nome passou-se à história com o nome de “aljamiado”, isto é, um romanço hispânico escrito com grafia judia (ou árabe). Finalmente o moçarábico recebeu a presença do romanço nortenho, quer na sua forma galega em Portugal, quer na sua forma castelhana no centro peninsular que determinam a evolução posterior de ambas línguas, galego e castelhano com características distintivas que terminariam fazendo-os português e espanhol (4).
A diferenciação para Peregrim Otero está determinada temporariamente por meio dum esquema que aparece no seu livro. Para ele e desde os primeiros séculos da romanização existem dous romanços hispânicos: um galaico e outro hispânico meridional. Por volta do século VII, segundo ele, começa a diferenciação das falas galaicas que levam a um galego medieval por um lado e a um leonês medieval pelo outro consolidados já no século X. Seria daí quando o castelhano apanharia identidade própria chegando-se com o tempo ao que hoje consideraria Peregrin como o galego lusitano por um lado ou português e o galego galiciano atual por outro. Na sua linha leonesa também a diferenciação seria em leonês atual por um lado e castelhano atual pelo outro, não diferenciando-se muito do esquema proposto por Carvalho Calero.
No que diz respeita da evolução do hispânico meridional e posterior romanço moçárabe não se estende muito nem se para na consideração dada por alguns autores que dividem as falas moçárabes em pelo menos umas cinco ou seis variantes diferentes. Algumas delas fronteiriças com as falas cristas nortenhas e com certeza com ampla base de compreensibilidade mútua, como por exemplo no caso do moçárabe lusitano que apresentaria um continuum com as falas galaicas, tanto orientais quanto ocidentais ou o moçárabe central toledano com o castelhano da mesma maneira do que o moçárabe valenciano com as realizaçoes nortenhas catalãs. Peregrin simplesmente considerou um único moçárabe.
A imagem tirada do seu livro onde se visualiza a genealogia das línguas da península é a seguinte (5) e nela podemos ver a linha evolutiva das línguas da península como o nosso autor considera.


Entendemos que o denominado de “espanhol atlântico” que supomos se corresponde com o castelhano americano estaria originado em origem no castelhano medieval por confluência com “espanhol medieval” que supomos, também identificado com as falas moçárabes hispânicas centrais… Supomos que a perseguição dos mouriscos e o seu ocultamento como tais produziu a fusão das falas moçarábicas com as falas nortenhas gerando o atual português central e meridional assim como as falas estremenhas e andaluzas. Essas variantes seriam com o tempo as que se imporiam na colonização de Canárias e América no caso castelhano.
Para nós o esquema seria aperfeiçoável, ainda que basicamente a genealogia conformadora do galego-português e do astur-leonês (com o castelhano incluído) se corresponda com a de Carvalho Calero.
Também do nosso ponto de vista, as cronologias não nos pareçam muito exatas, pois seguindo autores como o Professor Roger Wright em 1991 (6)
“Antes do milénio e talvez antes do século XIII teremos de desterrar também os conceitos distópicos, pouco úteis e anacrónicos tais como galego, leonês, castelhano (…); todos esses conceitos modernos estorvam à vista clara. A península (aparte dos que falavam basco, árabe, hebreu, etc) formavam uma grande comunidade de fala complexa mas monolingue”
As diferenças começariam a manifestar-se com força por volta do século X em adiante, de tal forma que podemos ver textos castelhanos dessa época com caraterísticas iguais às do galaico ocidental ou galego-português.
Comenta-nos Alonso Zamora Vicente no seu livro “Dialectologia Española” (7) falando sobre a ditongação que …:
“As formas sem ditongo, tão frequentes, não respondem à fala viva, mas a diversos pesos operantes sobre os escribas e tabeliões. Todo o Reino leonês tinha sido fundado sobre a área da antiga Gallaecia e abrangia dentro dos seus limites um território que não ditongava: a Galiza. Sobejam as testemunhas de dentro e de fora da península que identificam Leão com Galiza. O prestígio cultural da Galiza, sobre tudo no século XII, era enorme: existe inclusivamente um documento de 1185, de Matilla de la Seca, para Leste do Araduey (8), quer dizer, já oriental, que apresenta todas as caraterísticas galego-portuguesas. A estes escribas galegos ou galeguizados há que imputar as ultracorreções (luedo, fuerma, puebres, etc.), que surgem mais tardiamente”.
Da mesma maneira parece-nos uma observação interessante a que faz o historiador castelhano do século XV, Frei Prudêncio de Sandoval, quem numa História da Espanha redigida no século XIII e provavelmente traduzida ao galego-português no XIV diz-nos acreditando na sua antiguidade que está em uma: “lengua castellana tan cerrada que parece portuguesa” (9).
No que diz respeito à suposta unidade linguística peninsular anterior ao século XIII, comentar que talvez não fosse monolingue mas sim, do nosso ponto de vista uma realidade distinguida em dous grande blocos à sua vez subdivididos internamente. Por um lado as falas latinas da Hispânia Citerior e por outro as da Hispânia Ulterior. As primeiras estariam dividias em duas: no Norte cristão, o galaico (ocidental e oriental) e no Sul os moçárabes lusitano e bético com uma região intermédia na que pelas caraterísticas próprias do moçárabe da zona poderíamos reconhecer uma variedade distinta do lusitânico e do bético por onde confluem os rios Tinto, Odiel e Odiana ocupando territórios atuais algarvios orientais, alentejanos também orientais e onubenses; a segunda estaria conformada pelas falas tarraconenses identificadas no navarro-aragonês e no catalão no Norte, aparentadas com o gaulês-romanço e no sul os moçárabes cartaginenses centrais e orientais. Calcula-se que na região valenciana haveria um moçárabe autóctone de confluência cartageno-tarraconense por onde se daria a expansão do catalão.
As teorias de Peregrim Otero, dos anos 70, são quase contemporâneas às de Carvalho Calero quem provavelmente conhecia a obra do marinhão (10) mas também este último deveria conhecer a obra de outros autores anteriores de quem tomaria referência. Deles falaremos na seguinte entrega desta série de artigos.
Referências:
- Peregrin Otero, Carlos. (1976): Evolución y Revolución en romance. Mínima introducción a la fonologia. Ed. Seix Barral. Barcelona.
- Reparemos que não computa nem o navarro-aragonês nem o catalão como línguas hispânicas talvez por existir maior vinculação às falas gasconas no primeiro caso e languedocianas a segunda, ambas dentro do complexo catalano-ocitânico e portanto gaulês-romanço.
- Chama-se assim, alfabeto “álef-beit” o usado para a língua hebraica e ainda usado para os aljamiados hispânicos, isto é, as línguas romances moçarábicas usadas no Al-Ândalus medieval.
- Galego seria a português o que castelhano a espanhol. O nome da língua centro-peninsular a dia de hoje pode ser referido como castelhano ou espanhol, sendo ambas consideradas sinónimas, mas na evolução da língua o castelhano seria um passo anterior e o espanhol posterior surgido a partir da influência das falas moçarábicas no castelhano primordial. O mesmo se passaria como galego e o português. Ora, o tratamento de ambas realidade linguísticas galego-português por um lado e castelhano-espanhol pelo outro é diferente por causas políticas. Castelhano e espanhol são dous nomes para a mesma língua embora haja quem desde posicionamentos ideológicos determinados considerar que galego e português são duas línguas diferentes quando na realidade são a mesma.
- A imagem foi extraida da página web seguinte, que também nos serviu de referência linkográfica: http://geospa.blogspot.com/2014/07/31-las-espanas-galaica-y-yudio-moros.html
- Wright, Roger. (1991): “La enseñanza de la ortografía en la Galicia de hace mil anos”. Verba, 18.
- Zamora Vicente, Alonso. (1980): Dialectologia Española. Ed. Gredos. 2ª Edição & 5ª reimpressão. Madrid. pp 90
- Matilla de la Seca é um Município Samorano situado na Comarca de Toro e próximo à atual província de Valedolide.
- Rico, Sebastián (1970): “Presencia da língua galega”. Ediciós do Castro. A Crunha, 1973, pp 8-9
- Marinhão é o gentílico dos nativos da região galega das Marinhas, situadas no Norte cantábrico mindoniense. Peregrim Otero seria da região por ter nascido no Concelho da Lourençã.