Conforme previsto, imediatamente após a cerimônia do domingo, 24 de fevereiro de 2019, abundaram notícias sobre o prêmio Oscar deste ano.
Objetivamente, o destaque foi para a divisão bastante equilibrada de troféus em relação aos filmes indicados. Nas mídias sociais, entretanto, mais condizentes com a segmentação cinefílica, as opiniões se dividiam: de um lado, para quem reclama da desvalorização estética dos filmes indicados e/ou premiados, atestou-se que importam mais os elementos discursivos e sociológicos, tal qual foi dito antes; de outro, justamente quem sente-se contemplado por este aspecto político, a cerimônia em pauta foi um prato cheio: nunca reconheceu-se tanto, em parâmetros industriais, as inigualáveis contribuições de mulheres, negros e estrangeiros à hegemonia do cinema hollywoodiano.
O que desencadeou reações imediatas: Donald Trump apressou-se em tachar o cineasta Spike Lee de racista, por exemplo. E o muro na fronteira entre Estados Unidos e México teima em ser requerido pelos republicanos, a despeito dos méritos inigualáveis dos imigrantes deste último país. Mais uma vez, o Oscar de Melhor Diretor vai para um mexicano. Novamente, Alfonso Cuarón. Em seu discurso, quando premiado por Melhor Filme Estrangeiro, uma citação: “não há ondas, apenas um oceano”. Paradigmas foram quebrados ou houve uma assimilação comercial da rejeição? Talvez um e outro não sejam excludentes…
Sem sombra de dúvida, os dois momentos mais emocionantes da noite foram a premiação de Spike Lee (e companheiros de atividade) por Melhor Roteiro Adaptado e a surpreendente porém extremamente merecida celebração de Olivia Colman como Melhor Atriz. No primeiro caso, as efusões comemorativas destacaram-se: o veterano cineasta militante pulou nos braços de seu amigo Samuel L. Jackson e mencionou os antecedentes familiares da escravidão em sua própria trajetória de vida. Ao final, bradou imperativamente: “estejamos no lado certo da história. Façam uma escolha moral entre o amor e o ódio!”. Referia-se de imediato às vindouras eleições presidenciais de seu País, mas tal escolha pode ser estendida a toda e qualquer decisão cotidiana, visto que a luta contra o racismo é diuturna, dado que esta mazela social impregna as pretensas zonas íntimas de nosso cotidiano. Impossível não aplaudir de pé este momento de glória e suma consciência política!
No segundo caso, tinha-se como favorita a bastante consagrada (mas não oscarizada) Glenn Close. Venceu uma atriz discreta em suas aparições midiáticas, mas carismática ao extremo em seu típico humor britânico, responsável por uma interpretação arrebatadora, uma entrega carnal a uma personagem régia cujas feridas abertas metonimizam a situação bastante delicada do Reino Unido face à União Européia. Amor e interesse não se separam, obviamente. Este é o tema do filme que ela protagonizou. Esta é a lição que precisa ser compreendida, do lado de fora das telas. Foi o único prêmio, nesta cerimônia, para a obra magistral do Yorgos Lanthimos. Não foi por acaso. Mas valeu muitíssimo a pena!
Além destes momentos, chamou positivamente a atenção as láureas recebidas por curta-metragistas militantes e comprometidos com a transformação social na práxis das filmagens, na discussão coletiva dos temas, na abolição pretendida dos preconceitos e tabus. Mas nem tudo foi motivo de comemoração: estranhou-se a branquitude de alguns dos técnicos premiados em relação ao “primeiro longa-metragem de super-heróis indicado ao Oscar de Melhor Filme”, difundido precisamente pela representatividade negra advinda de sua excelente bilheteria; lamentou-se a profusão de prêmios entregue a uma cinebiografia musical sem densidade roteirística; e houve bastante insatisfação em relação ao premiado na categoria principal, afinal não de todo imerecido. Não era o melhor dentre os indicados nem muito menos o mais relevante, mas obedece rigorosamente a uma certa cartilha de adequação genérica. A cerimônia é famosa justamente por não excluir as tendências formulaicas: rendeu-se à previsibilidade um tanto anódina deste premiado, mas também abriu portas (ou “pontes, ao invés de muros”) em relação a categorias antes bastante excluídas ou desprivilegiadas. Foi uma cerimônia bastante válida em termos sociológicos, repito.
Por fim, um esclarecimento sub-reptício: verifica-se que, neste texto, apesar de ser publicado numa coluna sobre Cinema, não foi incluído o título de nenhum filme, por mais necessário que isso fosse, em termos informativos e/ou noticiosos. Obviamente, os mesmos podem ser deslindado através de associações imediatas ou pesquisas correlatas. Não foi um estratagema acidental: com isso, visa-se ao impacto cinematográfico para além das audiências passivas, à continuidade ativa das reações espectatoriais na (re)produção de discursos, na efetivação das lutas identitárias, na assunção dos apanágios expressivos de personalidade e no reconhecimento doas qualidades insignes das obras de arte.