Entre os dias 13 e 23 de agosto de 2025, no Rio Grande do Sul, aconteceu a quinquagésima terceira edição do Festival de Gramado. Diferentemente de outros festivais brasileiros, este valoriza as produções de gênero e as tendências de mercado, de modo que os filmes premiados tendem a angariar números consideráveis de bilheteria. O longa-metragem premiado na categoria principal, o mato-grossense “Cinco Tipos de Medo” (2025, de Bruno Bini), recebeu os Kikitos de Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante (para o cantor Xamã, em sua primeira participação no cinema), Melhor Roteiro e Melhor Montagem, sendo o grande favorito desde que foi amplamente aplaudido, em sua noite de estreia. Na trama, baseada numa reportagem lida pelo diretor, são apresentadas várias histórias interseccionadas, com destaque para o relacionamento abusivo entre a enfermeira Marlene (Bella Campos) e um violento traficante. O favorito da Crítica, entretanto, foi o paranaense “Nó” (2025, de Laís Melo), que recebeu os prêmios de Melhor Direção e Melhor Fotografia, tendo chamado a atenção por sua temática de apoio proletário e feminista.

Ainda na seção concernente aos longas-metragens, o suspense fluminense “Papagaios” (2025, de Douglas Soares) recebeu os prêmios de Melhor Ator (para Gero Camilo), Melhor Direção de Arte, Melhor Desenho de Som e a preferência do Júri Popular. O troféu de Melhor Atriz foi para Malu Galli, por “Querido Mundo” (2025, de Miguel Falabella & Hsu Chien), enquanto o elogiadíssimo “A Natureza das Coisas Invisíveis” (2025), da brasiliense Rafaela Camelo, conquistou o troféu de Melhor Atriz Coadjuvante, para a veterana Aline Marta Maia, além do Kikito de Melhor Trilha Musical e um Prêmio Especial do Júri. Por sua vez, a divisiva comédia “Sonhar com Leões” (2025, de Paolo Marinou-Blanco), que é uma co-produção portuguesa, recebeu uma Menção Honrosa, algo que também foi concedido ao documentário “Para Vigo Me Voy!” (2025, Lírio Ferreira & Karen Harley). Na categoria documental, o grade premiado foi a produção potiguar “Lendo o Mundo” (2025, de Catherine Murphy & Íris de Oliveira), que registra a trajetória do educador Paulo Freire [1921–1997].

Na penúltima noite do evento, 22 de agosto, uma sexta-feira, foram conhecidos os premiados em curta-metragem: o vencedor da categoria principal foi “FrutaFizz” (2025, de Kauan Okuma Bueno), mas três premiados foram sobremaneira elogiados por público e crítica, entre a safra de indicados: um deles foi o paraense “Boiuna” (2025, de Adriana de Faria), que recebeu os Kikitos de Melhor Direção, Melhor Atriz (compartilhado entre Jhanyffer Santos e Naieme) e Melhor Fotografia; outro, “Réquiem Para Moïse” (2025, de Caio Barretto Briso & Susanna Lira), que recebeu o prêmio de Melhor Roteiro (para Ítalo Rocha); e o terceiro, o celebrado “Samba Infinito” (2025, de Leonardo Martinelli), que já havia participado de uma seleção no Festival de Cannes, e que recebeu os Kikitos de Melhor Montagem, Melhor Direção de Arte e Melhor Filme, segundo o Júri Popular. É sobre ele que falaremos a partir de agora…

Retomando a musicalidade que já adotara no extraordinário “Fantasma Neon” (2021, Premiado no Festival Internacional de Cinema de Locarno, entre outros) e em “Pássaro Memória” (2023), o carioca Leonardo Martinelli emociona-nos ao contar a história de um gari que não conseguiu uma troca de turno durante o Carnaval, já que ele queria acompanhar o desfile de blocos, pois isso faz com que ele relembre uma irmã falecida, que amava esta festividade. Numa interessante imbricação entre delírio e memória, este personagem, de nome Ângelo (Alexandre Amador), encontra um garotinho — também batizado com seu nome (interpretado por Miguel Leonardo), que pode ser ele na infância — que segura um livro, e tem a intenção de devolvê-lo. É a deixa para uma apaixonante execução coletiva da canção “Drão”, de Gilberto Gil, que faz uma participação especial no filme. Curiosamente, esta era a canção que ele dedicava à sua filha Preta Gil [1974–2025], que morreu recentemente, em decorrência de um câncer colorretal, de modo que dois fatos jornalísticos impulsionam a divulgação deste filme. O outro é uma polêmica envolvendo a atriz Camila Pitanga, que também faz parte do elenco, que foi tachada de “mulata” pelo cantor e apresentador Mano Brown, quando ela prefere ser tratada como negra. Estes aspectos adicionam elementos valorativos extrafílmicos ao curta-metragem.

Na ótima sequência de abertura, um ângulo oblíquo focaliza uma placa indicando a proibição de ruídos num determinado local, à beira-mar, enquanto um grupo carnavalesco toca uma versão em fanfarra de “Satisfaction”, do DJ e produtor italiano Benny Benassi. Quando um gari ajusta a placa, o ângulo é normalizado, num truque que demonstra a habilidade do realizador com a linguagem cinematográfica, confirmada adiante, quando o garotinho Ângelo caminha pelas margens do enquadramento, passeando pela borda preta do formato de tela quadrado do filme. Tecnicamente estilizado, como é característico das produções deste jovem curta-metragista,“Samba Infinito” possui um clímax lírico no interior de uma biblioteca, em que pessoas fantasiadas validam o reencontro apaziguador do gari Ângelo em relação ao seu passado de apreciação carnavalesca (e fraternal), além de estimulá-lo aos prazeres da leitura. Trata-se de uma mensagem tão direta quanto singela, que se imiscui na letra da canção cantada pelos figurantes que cercam o protagonista: “não pense na separação/ Não despedace o coração/ O verdadeiro amor é vão/ Estende-se infinito, imenso monolito”. Eis um filme que ainda será bastante premiado ao longo deste ano de 2025, assim vaticinamos!

Wesley Pereira de Castro.

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