EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish
EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

“Ajustamento” das escolas em Portugal

“Ajustamento” das escolas em Portugal

 Apesar da evolução num país que dedica 5,1% do seu PIB à Educação, superior até à média da OCDE, há desafios que persistem e perante os quais urgirá dar uma resposta.

O abandono escolar precoce tem vindo a diminuir, é certo, mas ainda assim é relevante, até porque a meta de compromisso europeu é 10% já em 2020. Para já em Portugal, em 2018, 11,8% dos estudantes portugueses abandonaram a escola antes mesmo de concluírem o ensino secundário ou equivalente. Convém também não esquecer, que entre nós está provado, que o desempenho escolar e a conclusão da escolaridade estão fortemente ligados à situação socioeconómica dos alunos e as crianças provenientes de várias comunidades em Portugal têm resultados académicos significativamente piores do que os seus pares. Há levantamentos, estudos, pesquisas, que sistematicamente mostram que a condição económica das famílias tem reflexos no desempenho escolar e que há um forte desequilíbrio entre as zonas urbanas e as áreas mais afastadas.

A Lei da escolaridade obrigatória de 12 anos em Portugal (Lei nº 85/2007, de 27 de agosto) terá ajudado a travar a saída da escola antes do tempo. No entanto, como se encontra patente no último Relatório do Estado da Educação, 2018 do Conselho Nacional da Educação, as retenções são altas. 34% dos alunos de 15 anos repetiram o ano pelo menos uma vez. A taxa de repetição vai variando de nível de ensino e de região. Em 2016, a taxa de repetição do 1.º ciclo do ensino básico era de 3,7%, no 2.º ciclo de 6,7%, no 3.º ciclo de 10%, e no secundário de 15,7%. Taxas mais elevadas em Lisboa e no sul do que no norte e no centro. Sabe-se também, que as probabilidades de um aluno ter um baixo desempenho em Ciências é três vezes superior se pertencer a uma família com dificuldades económicas. 

O objetivo tem que ser aumentar participação de forma sustentada e a oferta tem que ser adequada e diversificada. Se vamos buscar novos públicos vamos ter que diversificar a oferta. Portugal não tem tido esta opção como relevante e é pena. A este nível, casos como o sistema ensino holandês, onde a ligação do ensino profissional ou vocacional às consideradas “universidades de ciências aplicadas” (equivalentes aos politécnicos portugueses) e destas aos parceiros sociais tem-se mostrado profícua e revelado sucesso, sobretudo, no que diz respeito à inserção no mercado de trabalho.

Acresce portanto, que, quer para os adultos, quer para os alunos mais novos, é necessário “diversificar a oferta” e ligá-la às empresas, aos serviços públicos, aos parceiros sociais, ao setor social, aos municípios. Construir, a este nível, uma base de diálogo entre parceiros, tornará possível contribuir para um ensino superior, que alicerce um desenvolvimento da economia e da sociedade.

Apresentado o cenário factual, aquilo que nos preocupa no presente é a convicção com que esta inevitabilidade é apresentada em Portugal. À sua “luz” defendem-se então políticas educativas que acabam tendo associadas, por vezes de forma não escondida, derivas ideológicas de “menos Estado” e de alguns “ideais” associados à intenção de poupar neste setor, onde se considera existirem gastos desnecessários ou, outrossim, as agora apelidadas “gorduras” do Estado social.

Eis-nos então, perante opções, que ao abrigo de uma propalada regulação modernizadora, por vezes com contornos de obsessiva produção normativa -de tudo prever, se manifesta já não tanto na obrigação de meios, mas na obrigação de resultados e na eficácia, a exemplo do que se passa no típico mundo empresarial.

Em termos práticos, o que se assiste ao nível da organização do sistema, são os resultados traduzirem-se na desestabilização da forma escolar tradicional, com a emergência do local, pela mudança crescente do estatuto profissional dos docentes e, ainda, pela obrigatoriedade do “professor-diretor escolar” incrementar parcerias e aumentar receitas.

Mas, e de forma eloquente, em complemento, aliado ao cenário factual, ao anteriormente descrito, a OCDE lembra (no Relatório Education at a Glance, 2018) que 90% do orçamento para o setor educativo em Portugal vai para os recursos humanos, uma percentagem acima da média da OCDE de 78%. Que em 2015, o rácio era de um professor para 10 alunos e que em 2013, 15% dos docentes tinham um contrato temporário anual, 75% estavam no quadro e 10% com contrato a termo por mais de um ano. O envelhecimento da classe também entra no Relatório. O típico professor do 1.º ciclo tem 46 anos, o do 2.º ciclo tem 49, o do 3.º ciclo e secundário 48. Apenas 1% dos professores portugueses no ativo têm menos de 30 anos.

Seguindo de perto C. Estevão (2006), uma receita regulatória de menos Estado social poderá acabar por adensar a marcação da regulação neoliberal na Educação, onde se privilegie um “quase-mercado educativo” (países como a Suécia seguiram este caminho sem, contudo, apresentarem resultados) e onde se coloca o Estado, nesta conceção, praticamente de fora deste setor. É por demais sabido, que fórmulas liberalizantes e privatísticas têm em vista um aumento da concorrência e das competitividades, ganhando a primazia como solução para a crise e para a alegada falta de qualidade da Educação (casos, entre nós, dos invocados “vales de educação” como fator caraterizador na sempre anunciada reforma do IRS, e o relevo que a “avaliação das escolas” começará a ter como elemento diferenciador entre estas).

Quando se apresentam propostas alternativas, aquelas conceções tipicamente empresariais, estas acabam por ser vistas pelos decisores como revelando pouco interesse, ou então a reconhecer-lhes mero relevo académico, não interessando se possuem, por exemplo, mais-valias na interação ou na construção de referenciais globais de colaboratividade entre todos os atores educativos, ou de construção de cidadania e de emancipação democrática, dentro da própria escola, mesmo que estes revelem, como os resultados recentemente evidenciados nos rackings, itens positivos nas opções das escolas que apresentaram melhorias.

Sabirón Sierra defendeu na sua obra, hoje um clássico, Organizaciones Escolares, de 1999, a imperatividade em estas não lograrem cair em visões reducionistas do seu papel propugnando:

 “o significado das ações escolares que acontecem numa dada escola vem determinado pela relação estabelecida pelos seus membros entre dois eixos: sistema/mundo de vida”.

A consequência óbvia desta visão, implica ver os fenómenos escolares como resultando de uma consciência, ela mesmo ideológica, da própria escola. Que lhe advém da sua dependência do sistema educativo, a que pertence, mas também do sistema social mais amplo, onde se enquadra. Quer isto dizer, que sendo a escola coenvolvida pelos processos, que ocorrem diariamente no seu interior e da interpretação dada pelos seus atores, ela acaba por poder favorecer mais um ajustamento ao sistema ou, então, o “ajustamento” ao “mundo de vida” (que nos fala S. Sierra).

A pergunta hoje impõe-se então e deve mesmo ser feita, por todos que se interessem por este fenómeno social: até que ponto as nossas escolas, por vezes, ao quererem agradar em demasia ao sistema, perdem a sociedade?

REFERÊNCIAS

Conselho Nacional de Educação. (2018). Obtido de Estado da Educação 2017: http://www.cnedu.pt/pt/publicacoes/estudos-e-relatorios/estado-da-educacao/1375-estado-da-educacao-2017

Estevão, C. (2006). abordagens sociológicas Outras da Escola como Organização. Em L. Lima, Compreender a Escola Perspectivas de análise Organizacional. (pp. 250-286). Porto: ASA.

OECD. (2018). Education at a Glance 2018. Paris: OECD Publishing.

Sierra, F. (1999). ORGANIZACIONES ESCOLARES. Zaragoza : Mira.

Descarregar artigo em PDF:

Download PDF

Partilhar este artigo:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

LOGIN

REGISTAR

[wpuf_profile type="registration" id="5754"]