Ter literacia em saúde significa que quem comunica bem reforça o correto acesso, compreensão e uso da informação em saúde, sendo os emissores codificadores (Hall, 1980) com a responsabilidade de promover uma comunicação oral, formal e informal inclusiva e bem descodificada. Também as organizações literadas têm a responsabilidade de preparar as equipas para saberem dar o correto acesso, compreensão e uso dos seus serviços (Brach e outros, 2012).
| § CASO 1.
A. vai a uma consulta em cuidados saúde primários. Está sentada num local distante da entrada para os gabinetes. Alguém vai à sala de espera e chama por “Sra A.”. Nesse momento ela está a atender um telefonema, e não ouve. A assistente volta para o gabinete do médico e regressa à sala de espera e diz em voz alta: “Chama-se A, a senhora cega!…… A. levanta-se e dirige-se para a consulta… O que é que aqui está mal? |
| § CASO 2.
B. está numa fila para ir a uma consulta em ambulatório, num hospital, e aguarda numa fila de entrada com o distanciamento necessário por causa dos cuidados a ter com o Covid-19 (SARS). Demora uns segundos até dar o passo em frente para avançar na fila. Uma pessoa que está atrás dela diz: “despache-se, vá lá…” Um segurança que controla as entradas replica: “não ligue, ela é surda que nem uma porta!” O que é que aqui está mal? |
Partilhamos todos a responsabilidade de criar um ambiente de trabalho inclusivo.
Hoje, é importante utilizar uma linguagem inclusiva por razões políticas, cognitivas e linguísticas (Soares, 2017).
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência apela ter consciência dos estereótipos, para os evitar e abstermo-nos de usar linguagem estigmatizante.
Em 2008 uma Resolução do Conselho de Ministros (nº 161/2008 de 22-10-2008)
adota medidas de promoção da transversalidade da perspetiva de género na administração central do Estado e aprova o estatuto das conselheiras e dos conselheiros para a igualdade, bem como dos membros das equipas interdepartamentais para a igualdade.
Nesta resolução (2008) é afirmado que se devem “desenvolver práticas não discriminatórias da linguagem, tais como:
- a) a referência explícita aos dois sexos e;
- b) a neutralização ou abstração da referência sexual, recorrendo a uma mesma forma nutra para designar ambos os sexos (Resolução 161/2008).
Soares (2017) afirma que “para escrever de forma inclusiva, não é necessário reinventar a roda” (p. 2), isto porque já existem manuais orientadores, como o “Guia” de Abranches (2010) para uma linguagem promotora da igualdade entre mulheres e homens na administração pública (2008).
É preciso evitar recorrer, mesmo que involuntariamente, a uma linguagem marcada por estereótipos, humilhante, paternalista ou pejorativa (Secretariado-Geral do Conselho da Europa, 2018).
Tiveram que passar quase 10 anos para em 2017 ser criado um grupo de trabalho interinstitucional de língua portuguesa sobre linguagem inclusiva que caminhasse neste sentido de inclusão e por isso também para um processo de literacia em saúde dos indivíduos e das organizações relativamente ao uso de uma linguagem compreensível e acessível a todos de acordo com o seu perfil (Shriver, Cheek & Mercer, 2010).
As palavras refletem as nossas atitudes e convicções e é precisamente por isso que importa utilizar as palavras certas, E nenhuma pessoa gosta de ser identificada pela sua deficiência (Secretariado-Geral do Conselho da Europa, 2018).
A nível europeu, a linguagem inclusiva “assegura a coerência entre os valores da UE (como a igualdade e a não discriminação, princípios consagrados nos Tratados) e as mensagens que esta veicula (Soares, 2017).
As indicações estendem-se a todos os profissionais e os de saúde lidam rotineiramente com pessoas com deficiência. Relativamente às pessoas com deficiência, o profissional de saúde deve avaliar o perfil do seu paciente, o seu nível da sua literacia em saúde e ajustar a sua capacidade de comunicação, adaptando ainda o seu discurso (Watson Institute, 2020). Por exemplo, a repetição dos conceitos de uma forma mais lenta e audível, permite que o paciente vá acompanhando, e retenha mais facilmente a informação a transmitir. O desenvolvimento de competências do profissional de saúde através do reforço dos seus conhecimento, capacidade e atributos pessoais, é essencial (Vaz de Almeida, 2020).
De acordo com a WHO (2020) a comunicação deve ser acessível, acionável, credível, relevante, atempada e compreensível.
Porém, porque ainda não dominam a linguagem mais atualizada e inclusiva, muitos ainda utilizam expressões que podem ser estigmatizantes como chamara de “cego” ou “surdo” por exemplo. Então como proceder? (Quadro 1).
Quadro 1. A Referência à “pessoa”.
| • Colocar a tónica na pessoa (“uma pessoa com deficiência”).
• Salientar a singularidade e as capacidades de cada pessoa, em vez de a definir por um problema de saúde. • Evitar expressões como “sofre de” e palavras que remetam para a ideia de vítima “coitada”. |
Fonte: Baseado no Secretariado-Geral do Conselho da Europa, 2018.
A linguagem inclusiva trata as mulheres e os homens de forma igual, sem perpetuar as perceções estereotipadas de cada pessoa em função do género ou do seu estado, cor, religião, cultura, etc. (Quadro 2).
Quadro 2. Utilização da melhor linguagem inclusiva pelos profissionais de saúde.
| A EVITAR | COMO DEVE PASSAR A SER DITO |
| Evitar as designações coletivas como por exemplo a referência a “os cegos”, ou “surdos”
Existe diferentes graus de incapacidade visual e auditiva e deve centra-se a informação na pessoa em vez de na deficiência |
Pessoa com deficiência visual ou Pessoa com deficiência auditiva |
| Expressões paternalistas
Expressões para uma senhora adulta: A menina porte-se bem. |
A Senhora X deve seguir estas recomendações para se sentir melhor. |
| Expressões humilhantes:
Deixa-te de mariquices! |
Não tenhas receio.
Não tenhas medo |
Fonte. Elaboração própria baseado em Secretariado-Geral do Conselho da Europa (2018).
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência defende que deve haver consciência de linguagem inclusiva, apelando a todos o combate aos estereótipos e uso de linguagem que pode ser humilhante, paternalista ou pejorativa (Secretariado-Geral do Conselho da Europa, 2018).
A consciência da importância da comunicação na relação entre profissional e paciente e dentro das organizações que se desejam literadas não tem muito tempo. Apenas em 2009, e pela primeira vez, (Rimal & Lapinski, 2009), a comunicação sobre saúde foi atribuída a objetivos do Healthy People 2010, ilustrando a sua crescente importância (Parrott).
Nestes objetivos do Healthy People 2010 a comunicação em saúde é vista como relevante em quase todos os aspetos da saúde e bem-estar, incluindo a prevenção da doença, a promoção da saúde e a qualidade de vida (Rimal & Lapinski, 2009).
O QUE PODE AINDA SER FEITO PARA UMA LINGUAGEM MAIS INCLUSIVA NO ÂMBITO DE UMA MAIOR LITERACIA EM SAÚDE?
O caminho é ainda está a ser feito. Existem muitas orientações regionais, nacionais, europeias, internacionais a nível político, social e de saúde (Resolução 161/2008; Secretariado-Geral do Conselho da Europa, 2018).
No entanto, o reforço de algumas áreas-chave pode ser considerado para estruturar e consolidar aquilo que é pretendido pela Literacia em Saúde por um lado, respetivamente quanto ao acesso, compreensão e uso da informação (Sørensen e outros, 2012) transversal e promotor de resultados efetivos em saúde e, por outro, pela ambição de tornar o cidadão/ã mais preparado/a para um comportamento mais inclusivo, humanista, interventor, onde se destaca a necessidade de uma comunicação mais inclusiva e promotora de uma igualdade. O investimento nas competências dos profissionais de saúde é um dos caminhos (Vaz de Almeida & Belim, 2020), além de outras intervenções estratégicas promotoras de resultados
Sugere-se, por isso, o reforço dos seguintes passos (entre outros mais que certamente existem) para uma comunicação em saúde mais inclusiva (Quadro 3).
Quadro 3. Os 17 Passos de uma literacia em saúde inclusiva
| 1. Contribuir para uma maior Cidadania – isto significa que é preciso que a sociedade se prepare e desenvolva estratégias para dar importância ao tema;
2. Incluir as pessoas com deficiência na construção dos programas de comunicação em saúde; 3. Desenvolver práticas formativas que ensinem os profissionais de saúde a usar e a compreender melhor a linguagem inclusiva; 4. Implementar a noção e a prática do Respeito, com o investimento no desenvolvimento do ser humano desde a infância, através do desenvolvimento de competências parentais, nas escolas, aos educadores formais e através de uma educação global que promova também a educação para a saúde; 5. Desenvolver canais adequados de Informação que se transforme em conhecimento, combinando os meios impressos, audiovisuais e digitais; 6. Conhecer melhor o que desejam as audiências, como se movem e o que as faz mudar; 7. Perceber se as pessoas têm eficácia para agir, isto é, têm o conhecimento suficiente para a ação; compreendem as razões que estão por detrás de não se dizer “o cego” ou o “surto” ou o “autista” e falar na pessoa com cegueira, na pessoa com surdez, na pessoa com deficiência? Porque de fato é a pessoa que está no centro; 8. Perceber e resolver as questões relacionadas com a indiferença ou a inércia. Se se compreender a base da inércia pode arranjar-se meios mais influenciadores e motivadores para que as pessoas sintam vontade de atuar por uma maior inclusão; 9. Descobrir os influenciadores, motivadores de uma maior inclusão promotora de uma literacia em saúde que use uma comunicação inclusiva e inseri-los nas campanhas locais, regionais, nacionais, internacionais; 10. Preparar melhor a organizações para formar os seus colaboradores nesta linguagem inclusiva também promotora de uma maior literacia em saude? Alguém ensinou os profissionais na linguagem correta inclusiva? 11. Trabalhar em rede multissectorial e dentro das comunidades para compreender as crenças, os estereótipos que existem e saber ultrapassá-los; 12. Medir constantemente os resultados até se atingirem patamares razoáveis de sucesso e depois monitorizar de uma forma regular a evolução; 13. Utilizar profusamente as ferramentas da literacia em saúde, uteis para comunicar melhor, de forma mais acessível e transparente (AHRQ, 2015). 14. Demonstrar o valor e os resultados de uma comunicação inclusiva (nas organizações, na comunidade, nos media); 15. Desenvolver uma investigação associada ao tema da comunicação inclusiva na literacia em saúde; 16. Organizar e mostrar as boas práticas inclusivas em saúde promotoras de uma melhor literacia em saúde e cidadania. 17. Abranger todos os cidadãos no seu ciclo de vida. |
Referências
Abranches, G. (2009). Guia para uma Linguagem Promotora da Igualdade entre Mulheres e Homens na Administração Pública. Lisboa: Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. Disponível em: https://www.cig.gov.pt/siic/pdf/2014/siic-Linguagem.pdf.
Brega, A. G., Freedman, M. A. G., LeBlanc, W. G., Barnard, J., Mabachi, N. M., Cifuentes, M., Albright, K., Weiss, B. D., Brach, C., & West, D. R. (2015). Using the health literacy universal precautions toolkit to improve the quality of patient materials. Journal of Health Communication, 20(2), 69-76.
Parrott R.(2004). Emphasizing “communication” in health communication. J Communication,54, 751-787. doi: 10.1111/j.1460-2466.2004.tb02653.x
Resolução do Conselho de Ministros (2008). n.º 161/2008, Diário da República, I Série, n.º 205, de 22 de outubro de 2008. Disponível em:https://dre.pt/application/conteudo/438443
Shriver, K., Cheek, A., & Mercer, M. (2010). The research basis of plain language techniques: Implications for establishing standards. Clarity, 63, 26-33.
Soares, H. (2017). Novo grupo interinstitucional sobre linguagem inclusiva. A folha Boletim da língua portuguesa nas instituições europeias. Disponível em: http://ec.europa.eu/translation/portuguese/magazine N.º 55 — outono de 2017 NOVO GRUPO INTERINSTITUCIONAL SOBRE LINGUAGEM INCLUSIVA — Helena Soares
Who (2020). Why communicate for health. Disponível em: https://www.who.int/about/communications
Vaz de Almeida, C. (2020). Health Competencies: Beyond the Biomedical. How knowledge, skills, and attributes improve the effectiveness of results. Patient Safety & Quality Health Care ‐ PSQH [online) Retrieved from: https://www.psqh.com/analysis/health-competencies-beyond-the-biomedical/
Vaz de Almeida, C., & Belim, C. (2020). Health professionals’ communication competences decide patients’ well-being: Proposal of a communication model. In A. Tkalac Verčič, R. Tench & S. Einwiller, Joy. Using strategic communication to improve well-being and organizational success. 12, (5), Bingley, UK: Emerald Publishing. https://books.emeraldinsight.com/page/detail/Joy/?k=9781800432413
Imagem (newarta) gratuita em Pixabay



