A leitura que podemos fazer a partir do primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro é que o Brasil está à venda. Todo ele. Infelizmente, para os defensores do Estado Social, o que se apresenta é um projeto de Estado gestado pela iniciativa privada e que não tem nenhum compromisso com políticas sociais. O que o governo atual do Brasil está propondo é um Estado ultraliberal, que garanta principalmente o livre comércio e a propriedade privada. E mais nada.
Revisitemos alguns conceitos[i], apenas para contextualização:
Estado liberal é um modelo de governo baseado no liberalismo desenvolvido durante o Iluminismo, entre os séculos XVII e XVIII. Também chamado de Estado liberal de direito, é voltado para a valorização da autonomia e para proteção dos direitos dos indivíduos, garantindo-lhes a liberdade de fazer o que desejarem desde que isso não viole o direito de outros. Traria em seu contexto, tolerância, igualdade e liberdade da mídia. Economicamente, o Estado liberal é fruto direto dos interesses da burguesia. Seu principal estudioso foi Adam Smith, que acreditava que o mercado é livre quando regula a si próprio sem qualquer interferência estatal.
O Estado social de direito é aquele que se ocupa dos que exigem atitudes efetivas do Estado. São os direitos culturais, econômicos e sociais. Em meados do século XIX, começaram as reações contra o Estado Liberal, por suas consequências funestas no âmbito econômico e social; as grandes empresas tinham se transformado em grandes monopólios e aniquilado as de pequeno porte; surgira uma nova classe social – o proletariado – em condições de miséria, doença, ignorância, que tendia a acentuar-se com o não intervencionismo estatal pregado pelo liberalismo
O Estado de bem-estar social, welfare state, é a postura social e econômica adotada pelo governo com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais mediante políticas de distribuição de renda, medidas assistencialistas e fornecimento de serviços básicos.
O Estado neoliberal é marcado pela figura do Estado como mero regulador da economia. O modelo se estabeleceu em diversos países na década de 70, após a chamada “crise do liberalismo” quando a ausência de intervenção estatal resultou em um desequilíbrio na lei da oferta e da procura e culminou na crise econômica de 1929. O neoliberalismo atribuiu ao Estado o papel mínimo de regulador da economia, respeitando sempre o livre mercado e a concorrência.
Considerando os conceitos acima apresentados e os últimos trinta anos no Brasil, podemos inferir – de forma simplista – que o Brasil vivenciou o estado neoliberal, com o Presidente Fernando Henrique, o estado de bem estar social, com os Presidentes Lula e Dilma Roussef, novamente neoliberal, com o Governo de Michel Temer, e, por fim, uma proposta ultraliberal do Governo Bolsonaro.
Diferentemente do Presidente Jair Bolsonaro, que tem registrado baixos índices de popularidade, uma figura que segue sem perder força é a do Ministro da Economia, Paulo Guedes. Parece que veio para ficar e provavelmente permanecerá, mesmo que o Presidente atual não seja reeleito. Perfeito para a ala política de centro-direita e de direita do país, Guedes é obcecado pela privatização do Estado brasileiro.
Desde antes da posse do Presidente Jair Bolsonaro, Paulo Guedes tem verbalizado que o inviabilizador das finanças públicas é um Estado ineficiente que insiste em ter programas sociais. Segundo ele, os menos favorecidos, que nasceram nos piores lugares, frequentaram as escolas mais sucateadas e tiveram que abandonar os estudos para vender produtos na rua, são pobres porque querem, pois, consomem tudo que ganham[ii], causam danos ao meio ambiente[iii], são responsáveis pelas suas doenças e quebram o Estado[iiii]. O presidente Jair Bolsonaro afirmou desde a sua campanha que não entende nada de economia e que o Ministro Paulo Guedes tem autonomia na condução do processo.
Mesmo para os defensores da pouca intervenção do Estado na economia, a proposta do atual governo surpreende. É viável um país que possua tantas ricas reservas nacionais condicioná-las somente ao lucro sem apresentar em paralelo um projeto de Estado mais equitativo? Vender ostensivamente os segmentos estratégicos da economia não comprometeria até mesmo a soberania nacional? Não se tem registro histórico de qualquer governo brasileiro anterior que tenha ignorado tão veementemente a necessidade de combater as desigualdades sociais no Brasil.
O que parece estar esquecido pelo governo atual é que o Estado liberal não deu certo. Gerou desigualdades extremas que inviabilizaram uma sociedade minimamente segura, inclusive para a classe mais rica. O liberalismo, que se apresenta perfeito em sua teoria, tornou-se, aparentemente, irrealizável, tendo em vista os conflitos gerados. O aumento da criminalidade, roubos, drogas, sequestro, mendicância e pessoas em situação de rua são diretamente ligados ao tamanho da miséria em um país. O Estado deve promover políticas de inclusão social e de distribuição de renda não porque é bonzinho, mas porque só assim ele pode gerar uma sociedade minimamente harmônica e uma economia dinâmica que favoreça o desenvolvimento nacional.
Nesse cenário onde até agora só efetivamente se reduziu a renda do segmento menos favorecidos, como aconteceu com a reforma da previdência, o Governo Jair Bolsonaro insiste em afirmar que o seu objetivo, inclusive com as privatizações, é de retirar privilégios dos que têm e devolver o Brasil para os pobres. Mas não seria o contrário, ou seja, devolver os pobres para o Brasil?
Imagem gratuita (skeeze) em Pixabay
[i] https://www.significados.com.br/estado-liberal/
[ii] https://www.diariodocentrodomundo.com.br/paulo-guedes-diz-que-pobre-nao-poupa-dinheiro-e-gasta-tudo-o-que-ganha/
[iii] https://economia.ig.com.br/2020-01-21/a-pior-inimiga-do-meio-ambiente-e-a-pobreza-diz-guedes-em-davos.html
[iiii] https://www.brasil247.com/economia/guedes-diz-que-quer-cada-bilhao-perdido-com-beneficio-aos-mais-pobres https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2020/01/29/inss-e-bolsa-familia-evidenciam-como-bolsonaro-e-guedes-veem-os-pobres.htm