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Educação básica como um campo em disputa para evangélicos

Educação básica como um campo em disputa para evangélicos

Nos últimos anos, houve uma redefinição do religioso no Brasil. É inegável que o grande crescimento dos evangélicos pentecostais está diretamente ligado a isto, os evangélicos de todas as vertentes já constituem aproximadamente 30% da população brasileira. Os votos dos evangélicos foram decisivos para a vitória do candidato Jair Messias Bolsonaro na eleição presidencial de 2018. Isto tem repercutido na educação básica que, por sua vez, tornou-se um campo em disputa.

Há quem diga que a maior parte dos grupos evangélicos pentecostais é fundamentalista. Tenho minhas dúvidas. O movimento dos evangélicos pentecostais contemporâneos –se é que cabe generalização deste tipo– não é propriamente um movimento que vai no sentido do fundamentalismo ou do literalismo bíblico inflexível. Por quê? Os líderes pentecostais vão mudando seus discursos, há uma maleabilidade relativamente grande, e até mesmo o bem e o mal podem ser transmutáveis nos discursos e nas práticas. Pode-se demonizar algum grupo político quando convém e depois estabelecer aliança com este mesmo grupo, pode-se apoiar governos de esquerda e depois apoiar um governo de direita. Neste sentido, acredito que os discursos dos líderes pentecostais e suas alianças políticas estão especialmente comprometidos com o projeto das grandes igrejas pentecostais rumo a uma hegemonia religiosa no Brasil.

A disputa pela educação básica faz parte do projeto que busca essa hegemonia religiosa. Por conta do crescimento dos evangélicos pentecostais, a religiosidade pentecostal já se faz presente na educação básica de forma difusa. Além disso, há diversas tentativas das grandes igrejas pentecostais no sentido de conquistar oficialmente algum espaço nas escolas públicas e nas políticas públicas de uma forma geral.

Os discursos morais dos evangélicos vão em duas direções opostas. Por um lado, há uma defesa da privatização de alguns aspectos da educação para o âmbito familiar ou religioso. A escola e até mesmo o sistema de saúde estariam interferindo indevidamente em assuntos que somente as famílias ou as igrejas evangélicas deveriam abordar com as crianças e os adolescentes. Neste sentido, os evangélicos fazem campanhas contra a educação sexual e as discussões sobre relações de gênero nas escolas, e se opõem também às cartilhas de educação sexual e às campanhas elaboradas pelo Ministério da Saúde. Por outro lado, há tentativas de transformar alguns elementos da moral evangélica em políticas públicas. A ministra Damares Alves (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos), por exemplo, tem levado adiante uma campanha moralista de abstinência sexual para prevenir gravidez precoce. Trata-se de campanha governamental que efetivamente transforma a moral evangélica em política pública e conta com dinheiro público do Ministério da Saúde, mesmo não apresentando estudos científicos sobre sua eficácia.

A escola pública tem sido o palco de diversas disputas encabeçadas por grupos evangélicos. Estes grupos evangélicos consideram que a defesa da laicidade é utilizada apenas para perseguir os evangélicos e expulsar as manifestações evangélicas de qualquer espaço público, especialmente das escolas. Eles se opõem ao ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira, se opõem aos símbolos afro-brasileiros, se opõem às discussões sobre relações étnico-raciais, sobre relações de gênero, sobre diversidade, etc. São grupos que utilizam as escolas públicas para realizarem eventos evangélicos, ações sociais das igrejas e até mesmo “atendimentos espirituais”, para retomar um espaço que supostamente está sendo dominado por forças malignas.

A deterioração do tecido social e o sucateamento da educação pública contribui para a disseminação da religiosidade pentecostal nas escolas. A escola pública não oferece oportunidades de ascensão social para a maior parte da população pobre, em muitos casos ela serve apenas de depósito de crianças e adolescentes e de local para consumo de uma refeição que não se tem em casa. Os professores constituem uma categoria desprestigiada na sociedade, com salários extremamente baixos e com seu trabalho continuamente atacado. Neste contexto adverso, a religiosidade pentecostal torna-se o principal subterfúgio dos professores e demais profissionais da educação. São estabelecidas parcerias entre escolas públicas e igrejas pentecostais, pastores ministram palestras aos estudantes, entre outras atividades, como tentativas desesperadas para aliviar as tensões.

Parece mesmo que, como diria Pierre Bourdieu, as aspirações das classes populares são determinadas por oportunidades objetivas. Por que o estudante pobre vai se dedicar aos estudos se suas chances de ganhar algo com isto são quase nulas? Até mesmo o milagre pregado pelos pastores pentecostais pode ser considerado algo mais factível aos jovens periféricos.

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Referências:
Bourdieu, P., A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: Catani, A.; Nogueira, M.A. (orgs.), Escritos de educação. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2003, pp. 41-74.
Fiorotti, S., Intolerância religiosa dos evangélicos na educação básica: breve análise de alguns casos. In: Interritórios: Revista de Educação, Caruaru, v. 5, n. 9, 2019, pp. 213-231.
Fraga, E., Crises econômicas elevam o número de fiéis evangélicos. In: Folha de S. Paulo, São Paulo, 17/12/2019.
Lima, I.G.; Hypolito, A.M., A expansão do neoconservadorismo na educação brasileira. In: Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 45, 2019, 15p.

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