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A cada novo festival, a repetição do mantra: “curta-metragem também é filme – e muito, muito bom”!

A cada novo festival, a repetição do mantra: “curta-metragem também é filme – e muito, muito bom”!

Por razões associadas a critérios desatualizados de agendamento midiático, quando um festival de cinema possui, em suas mostras competitivas, títulos de curta e de longa-metragem, estes últimos são destacados nas notícias sobre o evento, enquanto os primeiros são mencionados ‘en passant’, na maioria das vezes. Em suas listas de final de ano, alguns críticos chegam a estabelecer categorias distintas para a divulgação dos filmes favoritos, de modo que os curtas-metragens são elencados separadamente, o que contribui para a manutenção do estigma que estas produções ainda enfrentam por parte do grande público: quantos filmes de curta-metragem (ou seja, até trinta minutos de duração), tu já viste numa sessão comercial de cinema?

A fim de compensar esta exiguidade distributiva, existem vários festivais específicos para esse tipo de produção, o que permite o seu escoamento exibitório e o estímulo à produção de narrativas (ou experimentações) mais curtas, acessíveis sobretudo para realizadores estreantes. Em termos qualitativos, entretanto, ainda há a necessidade de divulgação equânime: por mais que se considere o curta-metragem “Ilha das Flores” (1989, de Jorge Furtado) uma obra-prima, por exemplo, algumas pessoas ainda têm receio de listá-lo entre títulos de longa-metragem, recorrendo a publicações específicas. De nossa parte, contribuímos cotidianamente para que este tipo de discriminação seja diluído…

Aproveitando esta deixa como ponto de partida analítico, citamos alguns títulos exibidos na décima edição do Festival de Curtas-Metragens de Campos do Jordão, ocorrido entre os dias 15 e 22 de fevereiro na cidade em pauta, a mais geograficamente elevada do Brasil, com uma altitude média de mil seiscentos e vinte e oito metros. Neste evento, cento e nove títulos foram selecionados pela curadoria, entre os mais de seiscentos filmes inscritos, e divididos em mostras organizadas por configurações de gênero: ficção, experimental, documentário e regional (referente a produções realizadas em cidades circunvizinhas àquela que foi sede do evento). As descobertas são múltiplas!

Poderíamos destacar inúmeros títulos, num elogio às ótimas produções que encontramos em meio a esta verdadeira maratona de audiência, mas serviremo-nos de uma sequência exibitória para enfatizar o alto padrão das animações em competição no festival. Numa determinada quarta-feira, foram exibidos, em seguida, a produção tocantinense “A Pior Dor que Há” (2024, de Ana Clara Miranda Lucena), o petardo pernambucano “Alguma Coisa com Plutônio” (2024, de Raoni Assis) e a joia campinense “Kabuki” (2024, de Thiago Minamisawa), cada um deles com quinze minutos de duração. A diversidade de temáticas e técnicas contida nesses três filmes evidencia o alto nível das produções em curta-metragem do Brasil. O primeiro dos títulos, por exemplo, é uma potente reprodução animada de um grave relato de violência obstetrícia, enquanto o segundo é um impressionante registro de ficção científica sobre o derretimento das pessoas e ambientes, por causa dos efeitos da poluição (radioativa), na cidade de Recife. Os efeitos gráficos de ambos os trabalhos são magníficos!

O terceiro dos filmes mencionados talvez seja o melhor dentre todas as mostras competitivas do Festival, já tendo recebido o prêmio da Associação Brasileira de Críticos de Cinema no Festival de Brasília, em 2024. Trata-se de uma excelente produção de quatorze minutos, sobre um personagem solitário e mui talentoso, que, desde criança, deseja ser ator. Porém, na tradição nipônica à qual ele está vinculado, afilia-se às interpretações femininas, interditadas às mulheres numa conjuntura de época. A imersão transexual deste personagem desemboca em situações de violência, por parte de indivíduos preconceituosos que não respeitam a naturalidade das expressões de identidade, o que serve para metonimizar os problemas relacionados aos sofrimentos enfrentados pelas pessoas que enfrentaram incompreensões similares, apenas por desejarem ser quem efetivamente são. Nos créditos finais, o anúncio de que, durante os nove anos em que o filme foi elaborado, milhares de transexuais foram assassinadas no Brasil. No roteiro, isso é denunciado de maneira lúdica e tecnicamente irrepreensível, contando inclusive com uma trilha musical de caráter operístico, composta especificamente para esta produção. Um trabalho sublime, que esteve entre os melhores filmes de 2024 na lista deste que vos escreve. Valorizemos os curtas-metragens, portanto!

Wesley Pereira de Castro.


Imagem de destaque: https://i.ytimg.com/vi/kq55pR515dM/hq720.jpg?sqp=-oaymwEhCK4FEIIDSFryq4qpAxMIARUAAAAAGAElAADIQj0AgKJD&rs=AOn4CLDArdltpxq5KZKgUALmsznjxiCyyg

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