Penso que o enunciado universal “Democracia” é uma expectativa de experiência, e para justificá-lo seus defensores recorrem a inferências indutivas, como diz Karl Popper, um “raciocínio através do qual uma proposição é considerada verdadeira pela sua ligação com outras já tidas como verdadeiras; a proposição que se assume como sendo verdadeira”:
δῆμος (demos ou “povo”)
κράτος (kratos ou “poder”)
Logo, δημοκρατία (dēmokratía ou “governo do povo”)
No entanto, “no sistema político da Atenas Clássica a cidadania democrática abrangia apenas homens, filhos de pai e mãe atenienses, livres e maiores de 21 anos, enquanto estrangeiros, escravos e mulheres eram grupos excluídos da participação política.”
Vale lembrar que até meados do século 19 o sufrágio universal – pleno direito ao voto de todos cidadãos adultos, independentemente de alfabetização, classe, renda, etnia ou sexo, salvo exceções menores – era exclusivo para homens, assim mantendo a democracia nas mãos de alguns do povo.
Explico que meu ponto nesse texto, apesar da sua importância, não é a participação do povo, mas os governantes fantasiosamente escolhidos para representar o povo.
Mantendo a tradição americana, algo tão importante naquele país, o “Orange man” nomeou a filha e genro para Conselheiros do Presidente.
Na última eleição do país das Maravilhas 138 parlamentares com vínculos familiares foram eleitos no primeiro turno.
A Rainha de Copas ao declarar que indicaria o atendente da lanchonete de hamburger para ser Embaixador dos EUA, em função dos laços da pseudo amizade entre os presidentes, deixou claro que faria o possível e impossível para beneficiar sua família.
Na Inglaterra, “um em cada cinco deputados continua a empregar um membro da família, utilizando o dinheiro dos contribuintes, apesar de a prática ter sido proibida para os novos membros do Parlamento [eleitos a 8 de Junho de 2017]”, segundo a BBC.
De acordo com reportagem do jornal El País, Ministros espanhóis não se manifestaram sobre projeto de lei que pudesse afetar sociedade empresárias que tinham relação de amizade (fosse por relação direta ou de familiares).
Retornando para o país das Maravilhas, a Rainha de Copas, mantendo seu compromisso ao programa do governo de apoio a família, apoiou a candidatura dos seus três filhos, mantendo a herança política contida no Brasil, como demonstra o estudo realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP):
“Se você pegar os eleitos em Pernambuco, todos tem relação de parentesco, literalmente todos. Isso está muito caracterizado no Nordeste por conta do fenômeno do coronelismo. Você tem um coronelismo moderno, os caras são donos de televisão, tem grandes fortunas, donos de rádio, tem grande influência no eleitorado influenciado pelo poder financeiro dessas famílias e oligarquias. Essa relação de parentesco tem muita relação com o período escravista. É nome, sobrenome, você chega no interior do Brasil e as pessoas são conhecidas pela relação de parentesco. Se for rico então isso tem muito mais peso. Nos países desenvolvidos isso não existe, isso é mais na periferia dos países em desenvolvimento, e no Brasil em função desse contingente de pessoas alheias à política”, afirmou o analista político e assessor parlamentar Marcos Verlaine, integrante do DIAP.
Noutro estudo o DIAP demonstrou:
“Como explicar o uso feito pela sociedade democrática de um vocabulário político que funciona sobre bases de alusões à família como princípio de realidade social? Atualizadas pela mídia, essas alusões (afilhado político, os pais do partido, herança partidária, herdeiro político…) oferecem uma visão esparsa de significação da democracia e revelam a existência possível de duas esferas teoricamente inconciliáveis, onde uma se realiza mascarando a outra: as idéias de democracia, partido moderno e eleições dissimulando os sinais de família, isto é, do mundo social no político.”
Resta evidente que a rotatividade no Poder praticamente não existe e, por conseguinte, os governantes não escolhidos pelo povo, mas, sim, reconduzidos ao Poder numa dinâmica de manutenção do status a quo.
É necessário lembrar que democracia é antônimo de aristocracia, que é “o governo dos melhores”, onde o poder político é exercido por nobres, pessoas de confiança dos Monarcas ou dos Regentes iniciados na visão filosófica e política.”
Portanto, até quando vamos acreditar que existe democracia ou que vivemos numa democracia?