Artigo escrito sob a minha coordenação no âmbito da Unidade Curricular “Mercados e Produtos Turísticos” da Licenciatura em Turismo da Universidade Europeia. Os alunos autores são Carolina Do Carmo Fonseca; Cristiana Sofia Serra Jorge; Diogo Rodrigues Reis e Maria Mihaela Malancea.
O turismo militar tem sido, cada vez mais, porém num ritmo não mais lento que outros segmentos do turismo, um alvo de interesse por parte de vários consumidores.
Segundo Kotler (2011), pode-se assumir que um Mercado Turístico é todo um conjunto de transações de produtos, efetuadas por compradores e vendedores dos mesmos. Existe dois tipos de mercados o direto e o indireto. O Mercado Turístico Direto, é, toda a oferta e consumo de bens e serviços diretamente ligada ao turismo. O Mercado Turístico Indireto resume-se à oferta e consumo de bens e serviços indiretamente ligados ao setor turístico.
O Produto é qualquer coisa que possa ser oferecida ao mercado, para satisfazer uma necessidade ou desejo, sendo que se pode identificar produto turístico como uma experiência que é entregue pelos destinos aos seus visitantes (Murphy, et al 2000). Apesar de existirem produtos idênticos, as características do próprio destino fazem do produto algo único e diferenciador. Por exemplo existe o produto “sol e praia”, mas a tipologia de cada local irá diferenciar o tipo de experiências, por exemplo existem: Praias rasas – Praias de tombo – Praias mistas ou intermediárias – Enseadas – Praias abrigadas – Praias reflexivos.
O conceito Turismo Militar, também conhecido como “Turismo de Guerra”, é relativamente recente e define-se como uma tipologia de turismo relacionada com palcos de batalha e de sofrimento, bem como locais com papéis importantes na história das nações (Blackford, 2005). O Turismo Militar não pressupõe pacotes turísticos para áreas conflagradas, mas para locais que viveram tais situações (de guerra) e apresentam atrações, como museus, memoriais, sítios arqueológicos, arquitetura, outros elementos (Fraga, 2002).
A História Militar tem vindo a evoluir ao nível da ciência, da economia, da tecnologia e da medicina, o que contribuiu para a evolução destes parâmetros até aos dias de hoje. Ao longo do tempo, tem-se verificado um crescente número de visitantes e interessados, a explorar atividades de cariz militar e toda a sua história envolvente (Pedrosa, 2011).
O conceito “História Militar”, surge através da origem da palavra “Herodoto”, autor das histórias e relatos de guerras entre gregos nos séculos IV e V a.C. Após a Segunda Guerra Mundial, este conceito ampliou-se significativamente, passando de narrativas de guerras e batalhas, para histórias de instituições militares, relacionadas com a paz, a guerra e a relação com a sociedade. Depois do fim desta guerra, surgiu nos Estados Unidos da América uma corrente histerográfica conhecida como “Nova História Militar”, tendo sido marcada por vários confrontos ideológicos no período da Guerra Fria (Pedrosa, 2011).
O desenvolvimento da História Militar teve impactos ao nível da ciência desde o século XX, tendo evoluído de uma história tradicional de carácter descritivo para uma nova história de natureza de cariz crítico. Esta ideia teve início na Europa e nos Estados Unidos, indicando a abertura para o campo sociocultural (Jaguaribe, 2001).
Atualmente, a História Militar baseia-se num conjunto de memórias ligadas ao passado histórico-militar que, tal como referido anteriormente, tem sido cada vez mais explorada e procurada, dando assim origem a um novo segmento de Turismo.
Segundo Ignarra (2007), os atrativos estão relacionados com as motivações de viagem dos turistas e a avaliação que os mesmos fazem desses elementos. Pode-se então considerar, o Turismo Cultural como uma classificação de turismo proveniente da complexa estrutura segmentada do Turismo Temático.
Numa perspetiva mais etimológica, pode-se admitir como conceito de Turismo Temático, a racionalização de atividades de lazer, suportadas por uma estruturação que explica e justifica a decisão de consideração dessa tipologia como produto (Coelho, 2011).
As atrações incluem não só, parques temáticos, mas também museus, vilas históricas, maravilhas naturais, parques de diversões, teatros, centros culturais, entre muitos outros (Goeldner & Ritchie, 2006). No seguimento desta frase, pode-se afirmar que existe uma interdependência entre o atrativo e o Turismo Temático e, por sua vez, entre o Turismo Temático e o Turismo Cultural.
Considerando que o Turismo Cultural representa um papel importante na indústria do turismo, é necessário entender qual é o peso dos seus subsegmentos, como o Turismo Militar. Atualmente, a satisfação do consumidor é dirigida apenas pela segmentação efetiva e uma grande variedade de oferta, para isso, atrações devem ser projetadas para segmentos específicos (WTO, 2001; Coelho, 2011).
O Turismo Militar como segmento do Turismo Cultural pode ser considerado como uma adaptação de recursos turísticos, nomeadamente de caráter histórico e militar, seguido de um processo de transformação dos mesmos, onde por fim será apresentado sob diferentes formas de atrações com uma variedade de possibilidades inerentes (Coelho, 2011).
Alberto Coelho, Diretor Geral de Recursos do Ministério da Defesa Portuguesa, afirmou, na 6º cerimónia para o estabelecimento da Associação de Turismo Militar, que o Turismo Militar dá profundidade à herança portuguesa e transmite esse património no exterior, atraindo visitantes para atividades culturais.
Como Sharpley (2009) defende, pode-se distinguir dois tipos de visitas a destinos de turismo militar: a “visita” ou “tour”, que tem como principal objetivo a melhor perceção e conhecimento dos acontecimentos aí evocados e do próprio local em si; e a “peregrinação”, com uma finalidade mais de contemplação, na experiência espiritual e emocional, passando ainda pela necessidade de prestar condolências aos mortos, de visitar túmulos e memoriais, encarando os palcos de batalhas como locais sagrados.
As motivações dos turistas de turismo militar são, no fundo, o entretenimento, a memória e a educação, associadas principalmente à nostalgia e ao desejo de celebração da História, da nacionalidade e da identidade comum (Sharpley e Stone, 2009).
É possível afirmar-se também, que este turista se torna bastante abrangente e diversificado e inclui não só os visitantes em lazer, interessados na história militar e na especificidade da questão militar, mas também os visitantes integrados nas visitas educacionais realizadas pelas escolas e por outros estabelecimentos de ensino, membros e ex-membros das Forças Armadas, veteranos de guerra e viúvas e familiares dos mesmos, entre outros.
Como referido anteriormente, entende-se o Turismo Militar como segmento do Turismo Histórico-Cultural, sendo este tido como um fenómeno social, produto da experiência humana, onde os recetores da demanda turística oferecem aos seus visitantes o lazer, entretenimento e, consequentemente, as trocas culturais durante a sua permanência e contacto com outros grupos sociais (Goulart e Dos Santos, 1998).
Em Portugal é bastante notória a realização de atividades de Turismo Militar de um modo mais passivo, ou de “peregrinação”, com uma finalidade mais de contemplação de locais de cariz histórico-militar e de acontecimentos de celebração da história nacional (Sharpley e Stone, 2009).
A inclusão do Turismo Militar no PENT “Plano Estratégico Nacional do Turismo – Revisão do plano de desenvolvimento do turismo no horizonte de 2015”, segundo a resolução do conselho de ministros nº24/2013 n74, foi um importante passo para a afirmação deste conceito em Portugal. Esta conquista, não só contribuiu para o reconhecimento da marca, como também despertou entusiasmo entre os vários parceiros do projeto, estimulando a sua cooperação e intervenção para a implementação do Turismo Militar em Portugal. De 2013 a 2015 foi desenvolvido um documento vital para o crescimento deste segmento de turismo – A Carta Nacional do Turismo Militar.
A Carta Nacional do Turismo Militar é um documento organizado pelo Instituto Politécnico de Tomar, juntamente com o apoio de outras entidades, entre elas a Associação Militar do Turismo Português.
Este documento baseia-se em acontecimentos e em ações relacionadas com o Turismo Militar e tem como principal finalidade melhorar o entendimento e interpretação deste conceito, através da reunião de contributos de especialistas nesta tipologia de turismo.
Os principais objetivos da Carta Nacional do Turismo Militar são:
Contribuir para a evolução do Turismo Militar em Portugal;
Promover a participação de diferentes entidades no desenvolvimento do Turismo Militar;
Sensibilizar o setor turístico, para que este fortaleça os princípios propostos no Plano Estratégico Nacional do Turismo;
Transmitir informações relacionadas com o Turismo Militar, através de orientações governamentais, académicas, militares e empresariais, numa base de reciprocidade e de sustentação desta tipologia de turismo.
A oferta turística em Portugal apresenta-se como sendo vasta, sendo que existem variados recursos de conteúdos militares disponíveis em Portugal. Estes podem existir sobre as seguintes formas:
Unidades Militares das Forças Armadas Portuguesas (Ex: Escola de Sargentos do Exército e Quarteis da Corujeira);
Museus Militares (Ex: Museu do Ar e Submarino-Museu Barracuda);
Empresas ou Associações de recriação histórica (Ex: Aljubarrota Medieval – Recriação da Batalha de Aljubarrota);
Campos de batalha (Ex: Fortaleza de Sagres, Forte da Graça e Castelo da Borba, Linhas de Torres Vedras);
Património Edificado (Ex: Ponte de Olivença, Muralha e Castelo de Arzila, Farol do Cabo Sardão e Convento de Cristo);
História Militar (Ex: Recriação Histórica da Batalha do Vimeiro);
Acervos Documentais (Ex: Arquivo Nacional da Torre do Tombo);
Acervos de material militar (Ex: Carros de Combate e Fragata D. Fernando II e Glória);
Saúde Militar (Ex: Hospital Militar – S. João de Deus).
A própria Associação de Turismo Militar Português, disponibiliza informações de determinados roteiros possíveis de executar, onde em todos eles é possível explorar e usufruir de cada um dos conteúdos militares apresentados anteriormente. A título de exemplo existem: o roteiro dos “Descobrimentos Portugueses”; o roteiro “História das Nossas Armas”; “Roteiro dos Templários”; “Roteiro da Defesa do Alentejo”; o roteiro “Nos Caminhos da Independência”; o roteiro “Portugal à Vista”.
O Turismo Militar apresenta-se como uma tipologia turística pouco conhecida pela grande parte da população, no entanto, nos últimos anos, tem sido registado um aumento do seu número de praticantes. Os consumidores deste tipo de turismo ao praticarem esta tipologia, procuram produtos inovadores e experiências diferenciadoras e alternativas.
A procura por este tipo de experiência está dividida em dois grupos de turistas: o turista ativo e o turista passivo. O turista ativo é o indivíduo que procura a intensidade das suas emoções, através da prática de atividades relacionadas com o setor militar. Já o turista passivo, caracteriza-se por ser uma pessoa que prefere explorar este tema de uma forma mais histórica e cultural, visitando museus, fortalezas, muralhas ou castelos dedicados ao tema.
A História da humanidade é marcada por vários acontecimentos marcantes, que conduziram ao aparecimento do conceito de Turismo Militar como hoje o conhecemos.
Tal como referido anteriormente, é possível dividir este tipo de produto em dois segmentos: uso do equipamento militar propriamente dito e o foco nos acontecimentos históricos, através do relato dos factos ocorridos. Para exemplificar apresenta-se alguns exemplos de turismo militar internacional.
O Turismo Militar na Rússia é marcado por uma vasta oferta de produtos e experiências únicas. Este tipo de turismo é maioritariamente composto por um conjunto de atividades práticas, nomeadamente o disparo de armas (ex: arma Kalashnikov), o uso da farda do exército, voos de helicóptero ou a entrada e condução de tanques de combate. Existem ainda circuitos turísticos disponíveis para os praticantes deste tipo de turismo, que oferecem aos mesmos a possibilidade de experienciarem a vida no exército, através de um dia no campo de treino militar. Um fator negativo da realização destas atividades é o facto de terem um preço dispendioso. Apesar de, na Rússia, a maior parte de as atividades desenvolvidas serem práticas, existem outras relacionadas com a parte histórica da nação, como a visita a museus relacionados com o tema, onde são exibidos diversos equipamentos militares.
Nos Estados Unidos da América, o Turismo Militar contém o mesmo género de atividades existentes na Rússia, particularmente visitar museus, conduzir tanques de combate e de guerra e disparar diferentes modelos de armas. Existem ainda alojamentos turísticos destinados aos praticantes destas atividades, onde os mesmos pernoitam em quartos decorados e onde é feita referência à Segunda Guerra Mundial.
Devido à sua história, a Alemanha oferece um vasto conjunto de locais associados ao Turismo Militar e ao Dark Tourism. Este tipo de atividades pressupõe a visita a locais que anteriormente sofreram uma catástrofe, (nomeadamente, o Holocausto e a Segunda Grande Guerra), como por exemplo: o Muro de Berlim, o Memorial aos Judeus Mortos na Europa, Checkpoint Charlie (posto militar), museus históricos, campos de concentração, etc.
Na Alemanha, ao contrário dos Estados Unidos e da Rússia, as atividades realizadas pelos praticantes de Turismo Militar estão mais relacionadas com a parte histórica da cidade, ao invés da realização de atividades práticas, como o disparo de armas ou a condução de tanques de combate.
Como já foi referido anteriormente, o Turismo Militar está relacionado com campos de batalha e de guerra, bem como histórias importantes da própria nação, o que de algum modo o liga ao “Dark Tourism”. Segundo Sharpley & Stone (2008), o Dark Tourism e as suas manifestações permitem aos seus praticantes satisfazerem a sua curiosidade e fascínio com temas de morte.
O Dark Tourism, conectado com o Turismo Militar, é um conceito relativamente recente e está relacionado com a visita a locais associados a sentimentos como a morte, o sofrimento e a violência (Stone, 2006). Alguns dos locais mais visitados pelos turistas que praticam esta tipologia são: excursões organizadas a favelas e a antigas prisões, a visita a cemitérios e a campos de concentração (por exemplo, Auschwitz – Birkenau) e, lugares onde ocorreram atentados e tragédias (por exemplo: Memorial 9 de setembro – World Trade Center).
Apesar destes locais estarem relacionados com o seu passado trágico, a realização deste tipo de turismo acaba por trazer aspectos positivos para a economia, permitindo assim o desenvolvimento e reconhecimento das regiões em causa, através da diversificação da oferta turística. É de destacar ainda que, segundo Causevic e Lynch (2008), o interesse dos turistas nesta tipologia de turismo é uma forma das comunidades locais participarem diretamente no desenvolvimento turístico do local onde se inserem.
O Turismo Militar e o Dark Tourism estão assim interligados, visto que ambas as tipologias de turismo se desenvolveram com o objetivo de diversificar a oferta turística, oferecendo produtos alternativos e diferenciadores aos consumidores. Outro aspecto que estes dois tipos de turismo possuem em comum, é o facto de estarem associados à deslocação dos turistas para a observação de lugares sombrios, relacionados com o seu passado histórico e sinistro.
Num último balanço do que anteriormente foi apresentado é possível concluir que, tanto a nível nacional como a nível internacional, o Turismo Militar é uma tipologia de turismo que se encontra em ascensão, registando cada vez mais um aumento no número de praticantes.
Conclui-se que as motivações do turista “militar” são essencialmente, o entretenimento, a memória, o desejo de aumentar o seu conhecimento, bem como, a procura por experiências inovadoras e alternativas.
Devido à sua divulgação e promoção, o Turismo Militar em Portugal é cada vez mais reconhecido sendo que, é praticado de uma forma passiva, isto é, através da visita a lugares com memória histórico-militar.
A nível internacional, a oferta turística caracteriza-se por ser mais diversificada e única, devido à concretização de atividades dinâmicas.
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