“Eu não quero pão com geléia de morango!”, ou a importância (sobrevivencial) de focar em boas notícias…

Passados quase dois anos desde que surgiram os primeiros casos do CoronaVírus na China, a população mundial está saturada de enumerar mortos, de lidar com as irresponsabilidades administrativas de seus representantes políticos, de estar confinada. E, como tal, as aberturas benfazejas de reconstituição social através da educação e da arte são extremamente urgentes – e possíveis. Ao final desse artigo, falaremos sobre a noticiabilidade de uma delas. Por ora, é necessário recomendar um longa-metragem brasileiro contemporâneo, sobremaneira oportuno: “A Nuvem Rosa” (2021, de Iuli Gerbase).

De como a Literatura ajuda-nos a lutar e resistir, depois que a nossa língua é decepada… [diretamente ao ponto: abaixo o racismo!]

A difusão de um romance contemporâneo tão primoroso quanto “Torto Arado”, escrito pelo baiano Itamar Vieira Júnior, merece exaltação: lançado em 2019, inicialmente em Portugal, este livro recebeu diversas láureas importantes, entre elas o tradicional Prêmio Jabuti, em 2020. E é uma obra que faz jus à sua fama. Narrado de maneira épica, conta as desventuras enfrentadas pelas irmãs Bibiana e Belonísia – que são filhas de escravos libertos – ao longo de algumas décadas, numa fazenda no sertão da Bahia.

“É preciso falar seriamente sobre o problema da morte” ou de quando chorar durante uma resenha é indicativo de resistência…

Ainda que pareçam imediatamente disassociados, há pontos de intersecção possíveis entre o primeiro (e magistral) longa-metragem de Júlio Calasso Jr. e a situação desoladora em que encontra-se o Brasil atual: “Longo Caminho da Morte” (1971) revela-se um título profético – porque mui historicizado – para compreendermos a gestação diuturna do ódio político no contexto hodierno. O bolsonarismo advoga a morte; Júlio Calasso Jr. diagnosticou a origem longeva deste processo.

Título não autorizado nº2

Urge recomendarmos um filme romeno que aborda algumas questões através de um necessário filtro político, evidenciando que tudo o que fazemos – até mesmo na esfera privada – possui repercussões públicas, podendo desencadear violências e agressões: dirigido pelo estreante Eugen Jebeleanu, Câmp de Maci [2020, traduzido internacionalmente como “Poppy Field” (“Campo de Papoulas”)] traz à tona reflexões morais que ultrapassam a identificação imediata com as causas homossexuais. Fala sobre um tipo de repressão que, a partir do fingimento “corretivo”, destroça toda a sociedade.

“Infelizmente, os policiais não conseguem resolver nada utilizando poderes mágicos”: leiamos nas entrelinhas, urgentemente!

Em termos proporcionais, há um fosso considerável entre aquilo que fundamentou a ascensão do Nazismo, por exemplo, e a instalação do bolsonarismo no Brasil. Os parâmetros pretensamente intelectuais são radicalmente distintos, mas os aspectos em comum também destacam-se. Sobretudo no aproveitamento paranóico dos apanágios econômicos da contemporaneidade: a inflação acachapante dos preços segue assombrando os brasileiros. O desemprego, idem.

Sobre um quê de brasilidade: “eu não entendo como um cristão percorre léguas e léguas com o bico fechado”…

Quando pensamos nas artes brasileiras, o orgulho nacional reinstala-se: a música produzida neste país é mundialmente conhecida e sua literatura e cinema também possui inúmeros representantes egrégios. Falaremos sobre as duas últimas categorias, a partir da análise de uma eficiente adaptação cinematográfica para um conhecido romance local, “Inocência”, publicado em 1872 pelo Visconde de Taunay [1843-1899].

O que ainda podemos fazer para tornar a nossa civilização menos desumana?

Após a promulgação do Ato Institucional número 5, em 13 de dezembro de 1968, que restringiu a liberdade dos cidadãos brasileiros na fase mais cruel da ditadura militar que governou o país por vinte e um anos, os idealizadores da Belair são intimidados, de modo que precisam refugiar-se em países estrangeiros. E, sob essas condições atordoadas, foi realizado, entre outras obras, “Memórias de um Estrangulador de Loiras”, considerado inacessível por muito tempo …

“Não escute os poços. Eles são traiçoeiros”: uma ou outra palavra sobre a Memória enquanto resistência…

Analisando-se “A Voz da Lua” (1990, de Federico Fellini) hoje, num contexto muito diferente da era em que foi realizado, percebemos o quanto o diretor parecia clamar por algo que, por mais óbvio que estivesse, não foi bem compreendido durante o lançamento: os admiradores do realizador esperavam encontrar no filme a confirmação de seus apanágios autorais, mas depararam-se também com um enredo que tematiza metaforicamente as derrotas recorrentes da esquerda política…

Em qual situação “um distintivo é mais assustador que uma arma”? Pensaram no racismo?

A biografia do líder dos Panteras Negras no Estado de Illinois é contada numa narrativa que mescla o gênero policial com os rompantes de drama familiar. O protagonista é personificado com uma intensidade mui aplaudível, de maneira que todo e qualquer prêmio que Daniel Kaluuya receber por este papel é deveras merecido. Mas a contrapartida actancial de Lakeith Stanfield é ainda mais drástica: afinal, ele interpreta alguém que está interpretando um papel, de modo que o agente do FBI Roy Mitchell (Jesse Plemons) chega a comentar, após observar o seu comportamento gregário: “tua interpretação merece um Oscar”.

Em defesa do documentário: “quando a imprensa se curva perante as autoridades, estas tratam mal os cidadãos”!

Dentre os títulos elegíveis para indicações ao Oscar 2021, o filme romeno “Colectiv” (2019, de Alexander Nanau) desponta como um dos favoritos às categorias Melhor Documentário e Melhor Filme Internacional. Além de ter recebido um dos principais prêmios no 25° Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, em 2020, recebeu mais uma vintena de láureas em festivais cinematográficos ao redor do mundo, além de variegadas indicações. É, desde já, um dos exemplares mais importantes do gênero neste início de século XXI…

“O povo está para a guerrilha como a água está para o peixe. Quem quiser acabar com o peixe, deve primeiro acabar com a água”…

Já foi dito, nesta coluna, que o terror é um gênero cinematográfico eminentemente político. A audiência ao filme guatemalteco “La Llorona” (2019, de Jayro Bustamante) – indicado ao Globo de Ouro 2021 de Melhor Filme em Idioma Estrangeiro – confirma de maneira grandiosa esta afirmação. Sobretudo porque o roteiro assume esta relação num viés perturbador: o que assusta no filme são os fantasmas de genocídios contemporâneos, ainda insuficientemente enfrentados pela História…

A repetição na arte enquanto artifício político: homenageemos Paula Gaitán!

Além dos novos curtas e longas-metragens de uma geração mui recente de cineastas, há, nesta edição virtual de 2021 da Mostra Tiradentes, uma seleção de filmes destinada a homenagear a cineasta franco-colombiana Paula Gaitán, cuja filmografia condiz perfeitamente com aquilo que é apregoado pelos curadores da Mostra. Francis Vogner dos Reis, o coordenador curatorial da edição deste ano, refere-se costumeiramente a ela como instauradora de processos fílmicos que são contingenciais e intuitivos. São filmes que enfatizam justamente o processo, portanto, que não esgotam-se na filmagem ou posterior expectação. Requerem debate – e carecem disso para que funcionem efetivamente!

A política contemporânea é uma trama hitchcockiana invertida?

Sob a égide dos esforços propagandísticos de guerra em Hollywood, Alfred Hitchcock realizou, através de “Sabotador” (1942), uma obra externamente afim às convenções de gênero da época, sem a profusão dos rasgos sumamente autorais que o eternizaram enquanto “mestre do suspense”. Vendo o filme hoje em dia, percebemos que há muitas perspectivas indiciais em meio à sua estrutura enredística convencional.

Sobre a importância política (da repressão) do gozo: celebrar o quê?

Protagonizado pela bela Sylvia Kristel [1952-2012], este filme é a segunda parte da cinessérie original sobre as aventuras eróticas da personagem criada pela escritora Emmanuelle Arsan [1932-2005]. No primeiro filme, a trama é passada na Tailândia, país natal da escritora, que deixa evidente, desde a homonímia, o caráter autobiográfico de sua jornada de autodescobrimento sexual. No segundo filme, há uma aparente repetição do percurso inicial, mas sobre outra perspectiva. Não é uma protagonista isenta de culpa, ainda que não haja qualquer tipo de questionamento acerca de suas atitudes. É um benefício abusado pelos ricos, não esqueçamos.

Laudo sobre 2020: resistir vai além das “estratégias étnicas para geração de renda”…

Ainda que evite os cacoetes de narrativização (não há qualquer clímax conflitivo em “City Hall”, por exemplo), o modo como Frederick Wiseman monta as suas obras faz com que a fruição do espectador assemelhe-se à percepção ficcional: a rotina da instituição em pauta (a prefeitura) é organizada de forma aparentemente linear, de modo que há um entrecho a desenvolver-se diante de nossos olhos. No caso, a História, com H maiúsculo!

Anseio de final de ano: em defesa da noticiabilidade intemporal!

“Orinoko, Novo Mundo” tem como protagonista o rio que empresta seu nome ao título do filme. Seguindo o percurso do Orinoco, acompanhamos a reconstituição de mais de uma fase histórica da Venezuela, sem que haja uma linha narrativa definida: o diretor e roteirista prefere o alinhavamento da resistência. Como tal, somos apresentados aos rituais Yanomâmis logo na abertura – e eles terão um papel fundamental nos eventos apresentados, sem narração condutiva, mas com relevante abertura à sensibilidade do espectador.

“Qual é o lado das árvores que possui mais galhos?” – ou: onde termina a Ecologia e começa o Capitalismo?

Baseado no romance “The Half-Life”, publicado em 2004 pelo co-roteirista habitual da diretora, Jon Raymond, “First Cow” é muito literal em termos sinópticos: fala sobre a primeira vaca a ser trazida para uma região rural em Oregon, na primeira metade do século XIX. A trama do filme pode ser resumida em pouquíssimas linhas, mesmo sendo uma das mais teleológicas de diretora. Afinal, o que realmente importa são os detalhes climáticos, aquilo que deslinda-se nas entrelinhas, à medida que os personagens interagem e conhecem-se melhor…

Em que tempos vivemos? Entre a negação e a assimilação, (anti)racismo vende!

Atrevemo-nos a recomendar o filme infantil “Uma Invenção de Natal” (2020, de David E. Talbert), disponibilizado via Netflix no dia 13 de novembro de 2020. Trata-se de uma típica estória natalina, quase clicherosa em suas boas intenções familiares. Mas possui um diferencial digno de nota: o elenco é quase integralmente negro, sem que haja a necessidade interna de chamar a atenção para este aspecto.