(*)
Solitares’ ** de quem o é.
‘Solitudine’*** é de todos.
Há uma sensação de ausência
Que sendo permanente diz-se perda
Que forte, dói com inclemência
Que mesmo fraca, afaga como cerda
Deste sentir ninguém se pode furtar
Pois que existe em permanência
E como tudo se quer alcunhar
O que gera essa sensação de ausência?
Como é comum nesta condição
De humanidade tudo denominar
E sem mais ciência aos efeitos desta sensação
Chamam saudade
Sem consciência que são
Como quis definir D. Duarte no ‘Leal Conselheiro’
Eis que perpassa algo
A um só tempo escuro e soalheiro
Que ocorre ao fidalgo
Ou mesmo ao esmoleiro
Em igual desproporção
Suposto sentimento do que não é
Da solidão fez-se timoneiro
E perde-se em si na pretensão de estar só
E ganha em si, ainda, um outro nó
Aquele que acolhe o mundo inteiro
Ao embaraço da solidão
Ajunta-se o desconexo de perdê-la
Pela presença do ausente que muito se sente
E eis que encontra satisfação
Por já não tê-la
É um outro sentimento que se afirma
Aquele do que foi, mas já não é
É muito mais que se confirma
Não é vazio, é vontade, isto é que é!
A solidão é via para a morte
Assinatura de sem sorte
Via de esquecimento
Caminho a não percorrer
A saudade é bem melhor que a solitude
Já que é prenhe de esperança
No vazio não há nada que fazer ou que dar luta
No desejo, na vontade, há sempre busca
Além da sua origem de compulsão absoluta
E sentir é buscar, é sempre um caminho a percorrer
Por isto esta palavra
Que passa ligeira
Inda que deixe permanente emoção
Já que é presença de ausência alvissareira
Já que é ternura sem que tenhamos noção.
(*) Solitatem – solidão
Solitaten – saudade
(**) Solitares – solitário
(***) solitudine – deserto
Antológicas página 28.