Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que foi dado muito espaço à irrelevância. Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que faltou espaço para celebrar as trajetórias de gente como Bell Hooks (1952-2021), Desmond Tutu (1931-2021), Elza Soares (1930-2022), Betty Davis (1944-2022), Lygia Fagundes Telles (1918-2022), Jean-Luc Godard (1930-2022), e de outras pessoas que nos deixaram nos últimos meses.
Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que o centenário da Semana de Arte Moderna foi pouco celebrado. Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que o centenário do nascimento do poeta moçambicano José Craveirinha (1922-2003) foi pouco celebrado. Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que o centenário do nascimento do cineasta senegalês Ousmane Sembène (1923-2007), que ocorrerá logo no início de 2023, merece mais atenção.
Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que pouco se lamentaram o assassinato de Moïse Mugenyi Kabagambe e os assassinatos de jovens negros periféricos. Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que pouco se lamentou o assassinato de Mahsa Amini. Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que pouco se lamentaram os ataques aos povos indígenas.
Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que poderíamos ter defendido com mais afinco os direitos indígenas. Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que poderíamos ter defendido com mais afinco os direitos dos imigrantes. Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que poderíamos ter combatido com mais afinco a pobreza, a fome e a desigualdade. Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que poderíamos ter combatido com mais afinco as violações dos direitos humanos.
Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que não faz sentido olhar e interpretar o nosso mundo contemporâneo somente com as lentes do mercado financeiro, das grandes corporações e dos algoritmos das grandes plataformas digitais. Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que tudo aquilo que tem sido considerado avançado e inovador nem sempre traz benefícios e bem-estar para grande parte da população mundial e do meio ambiente.
Chegamos ao fim de 2022 com a sensação de que os desafios são gigantescos. Mas a gente não pode se dar ao luxo de desanimar. Temos novos conselhos do professor Ladislau Dowbor, publicados no livro Resgatar a função social da economia (Elefante, 2022). Além das preciosas lições de gente sábia e sensível como Sembène, Godard, Craveirinha, Bell Hooks, Elza Soares, e Betty Davis.