O termo “organização” é utilizado frequentemente e, numa primeira abordagem, a definição do conceito não parece levantar sérias dificuldades. Não obstante, a ciência define-se pela existência de um objeto teórico próprio. Então, saber o conceito de organização, o que ele representa, o que ele nos esclarece e o que ele nos oculta, significa fazer um balanço que, só poderá ser verdadeiramente fecundo, após uma análise crítica a este termo.
A palavra “organização” surge a partir do termo grego organon (instrumento, órgão ou aquilo com que se trabalha) e que está relacionada com a palavra ergon (trabalho) (Cabral, 2017). De forma a exemplificar a relação entre estes termos, Coelho (2010) remete-se à antiguidade e recorda que roupas e víveres eram produzidos em casa e destinados ao consumo familiar. Apenas os excedentes eventuais eram trocados entre vizinhos ou na praça. Este mesmo autor destaca os primórdios da organização quando cita a atuação dos fenícios na ampliação da produção de bens que eram destinados, especificamente, à venda. Este autor parece estar a falar de empresa enquanto organização e não organizações no geral, vejamos.
Chiavenato (2014) afirma que as organizações são concebidas como unidades sociais (ou agrupamentos humanos) intencionalmente construídas e reconstruídas a fim de atingirem objetivos específicos. Estes objetivos, conforme afere Sousa (1990), surgem das necessidades sentidas por outros agentes do meio ambiente e que sem os quais as organizações não existiriam. Ambos os autores aferem que nascem organizações para o alcance de determinados objetivos.
Portanto, as organizações: “[…] permitem satisfazer diferentes tipos de necessidades dos indivíduos: emocionais, espirituais, intelectuais, económicas, etc.. No fundo, cumprem objetivos que os indivíduos isoladamente não podem alcançar em face das suas limitações individuais. Assim, as organizações são formadas por pessoas para sobreporem suas limitações individuais com as organizações, a limitação final para alcançar muitos objetivos humanos não é mais a capacidade intelectual ou de força, mas a habilidade de trabalhar eficazmente em conjunto” (Chiavenato, 1994, p. 20).
Teixeira (2005) corrobora com Chiavenato ao afirmar que as organizações surgem pelas razões sociais e materiais, produzindo o efeito de sinergia, sendo estes os motivos determinantes para a sua existência: (1) razões sociais: as pessoas são seres que se agregam e que se organizam; (2) razões materiais: a acumulação de conhecimento e aumento de habilidade permite executar tarefas eficientemente e atingir objetivos mais rapidamente; (3) sinergia: duas atividades, em sinergia, produzem um efeito maior do que executadas individualmente.
Ainda assim, e apesar destes últimos autores estarem em concordância, é de reparar que eles não cingem o termo organização apenas à produção de bens e aos serviços prestados, tal como Coelho, mas sim ampliam a objetivos organizacionais e a razões sociais e materiais.
Não raras vezes e em concordância com os autores supracitados, pode-se dizer que o termo “organização” é commumente empregado para designar as empresas. Faz todo o sentido, desde que não se resuma a este tipo de organização, o que Sousa (1990) esclarece quando escreve: “Vive-se numa sociedade de organizações, pois na verdade a maior parte de nós nasce numa organização (hospital, maternidade…), estuda numa organização (escola primária, secundária, universidade…), trabalha numa organização (bancos, empresas industriais, seguradoras, hotéis…) e nos tempos livres utiliza intensamente os serviços prestados ainda por organizações (hotéis, restaurantes, cinemas, museus…) ou os produtos por elas produzidos (artigos de desporto, filmes, discos, livros…)” (p. 15) e Chiavenato (1994) certifica Sousa ao afirmar que o homem moderno passa a maior parte do seu tempo dentro de organizações, das quais depende para nascer, viver, aprender, trabalhar, ganhar o seu salário, curar as suas doenças e obter todos os produtos e serviços de que necessita.
Assim, segundo todos os especialistas, cedo se chega à conclusão de que se podem identificar vários tipos de organizações para além das empresas, nomeadamente a família, as escolas, os hospitais, os clubes desportivos, as igrejas, os sindicatos, os partidos políticos, entre outros. Isto nos leva a concluir que uma empresa é um tipo de organização, mas uma organização não é necessariamente uma empresa.
Aliás, e de modo a esclarecer ainda mais esta confusão e o mau emprego dos dois vocábulos, Sousa (1990) afirma que as organizações podem ser tipificadas em informais e formais, sendo que as primeiras, referem-se às unidades sociais como a família, vizinhança, etc.., e as segundas às três esferas da economia, nomeadamente: primeiro setor – Estado; segundo setor – mercado; terceiro setor – entidades sem fins lucrativos.
No primeiro setor encontra-se o Estado. Nele estão as entidades públicas, órgãos governamentais, etc., que prestam serviço à comunidade como hospitais, escolas, câmaras, etc. No segundo setor estão concentradas a maior parte das organizações: as empresas com fins lucrativos de concorrência livre (restaurantes, indústrias, etc.) ou regulada (energia, combustíveis, transporte, etc.). Já no terceiro setor encontram-se as organizações sem fins lucrativos como as mútuas, igrejas, cooperativas, organizações não governamentais, associações recreativas, etc..
Com um pensamento diferente, ou referindo-se a organização enquanto empresa, temos Seixo (2004) que afirma que uma organização formal é aquela que está planeada e aparece expressa no organograma, por outras palavras, é a organização estabelecida oficialmente. Para ele, a organização formal é bem definida, os cargos são claramente especificados para cada elemento e estabelecem-se canais de comunicação através dos quais a informação flui de forma pré-definida.
Este pensamento leva-nos a ter que explorar o conceito de empresa, que aliás pode ser construído a partir de distintas perspetivas, mas que, para isso é necessário fazer algumas colocações técnicas importantes.
Na perspetiva da Gestão pensamentos similares parecem ter Gonçalves e al (2016) ao afirmarem que, existe um conjunto de caraterísticas comuns que se podem associar às empresas enquanto organizações, nomeadamente:
- Exercerem uma atividade económica;
- Assumirem riscos nas suas iniciativas;
- Estão presentes no mercado, onde concorrem com outras empresas;
- São dirigidas por uma filosofia de negócio;
- Usam os recursos numa lógica de produtividade;
- São orientadas para o lucro.
Já na perspetiva do Direito, o Código das Sociedades Comerciais (CSC) dispõe que, são sociedades comerciais “aquelas que tenham por objeto a prática de atos de comércio e adotem o tipo de sociedade em nome coletivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por ações”. Da análise a este artigo, verifica-se existirem requisitos de comercialidade para que uma sociedade seja qualificada como comercial, omitindo qualquer noção de sociedade.
Deveras o conceito jurídico de sociedade tem variado ao longo do tempo e dos países, pois durante muito tempo, a sociedade foi regulada enquanto contrato no Código Civil (CC) que ainda subsiste no artigo 980º do CC, que determina que a “Sociedade é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade” – Artigo 980.º CC. Desta lei, coloca-se a debate a seguinte questão: Se uma organização é uma empresa e se uma empresa é um sociedade, e sendo uma organização um conjunto de duas ou mais pessoas que se reúnem para o alcance de um determinado objetivo, no caso da empresa – o lucro, então as sociedades Unipessoais por Quotas não são organizações?
Considerando que nem todos os elementos caraterizadores da sociedade previstos no artigo 980.º CC se têm de verificar no âmbito das sociedades comerciais, alguns autores têm sublinhado, com razão, a necessidade de a referida norma ser vista como um ponto de partida para uma noção genérica de sociedade.
Ainda, da lei, encontram-se elementos que, mais uma vez são commumente confundidos e equiparados à própria empresa: estabelecimento, empresário e sociedade. Neste sentido, Gonçalves (2012) esclarece que empresa e estabelecimento são conceitos diversos, embora essencialmente vinculados, distinguindo-se ambos do empresário e da sociedade empresária, os quais são os titulares da empresa. O mesmo opina Vido (2013) ao salientar a importância de não confundir a empresa com o estabelecimento onde ela é exercida ou com as pessoas que exercem a atividade, ou seja, o empresário individual ou a sociedade empresarial.
Algumas expressões cotidianas, segundo Coelho (2010, p. 12), exemplificam claramente o emprego equivocado da palavra empresa em situações quando a intenção é:
(1) personificá-la: “a empresa faliu” ou “empresa importou essas mercadorias”;
(2) dar a ideia de estabelecimento: “a empresa está pegando fogo” ou “a empresa foi reformada, ficou mais bonita”;
(3) igualá-la à sociedade: “separam-se os bens da empresa e os dos sócios em patrimónios distintos” ou “fulano abriu uma empresa”.
Para Coelho (2010), somente emprega-se de modo técnico o conceito de empresa quando for sinónimo de empreendimento. Esclarece-se assim, e portanto, que a partir do ponto de vista legal, o termo empresa restringe-se ao conjunto das atividades empresariais, desenvolvidas por um ator (empresário ou sócio) e que ocorrem ou não num estabelecimento.
Para explorar um pouco mais o conceito de empresa, algumas posições de alguns autores foram organizadas na Tabela 1. Para estes especialistas, uma empresa é:
Tabela 1. Conceitos de empresa.
Autor | Definição |
Ferri (1956) | Um organismo económico, isto é, assenta-se sobre uma organização fundada em princípios técnicos e leis económicas. Objetivamente considerada, apresenta-se como uma combinação de elementos pessoais e reais, colocados em função de um resultado económico, e realizada em vista de um intento especulativo de uma pessoa, que se chama empresário. Como a criação de atividade organizada do empresário e como o fruto de sua ideia, a empresa é necessariamente aferrada à sua pessoa, dele recebendo os impulsos para seu eficiente funcionamento. |
Montcel (1973) | Um conjunto de fatores de produção reunidos sob a autoridade de um indivíduo (empresário) ou de um grupo com o objetivo de realizar um rendimento através da produção de bens ou de serviços. |
Richers (1986) | É uma organização que se propõe a, regularmente, transformar insumos e/ou transacionar bens que considera úteis para a sociedade, sejam eles matérias-primas, produtos semifabricados, bens industriais, bens de consumo ou serviços. Pelo esforço de ser útil, a empresa espera ser remunerada […] e espera auferir um diferencial entre custos totais e o seu preço de venda, ou seja, um lucro que lhe permita remunerar os riscos dos seus investidores e a reinvestir uma parte destes lucros para poder crescer |
Crepaldi (1998) | Uma associação de pessoas para a exploração de um negócio que produz e/ou oferece bens e serviços, com vista, em geral, à obtenção de lucros. |
Seixo (2004) | Um tipo de associação através do qual se reúnem recursos variados para atingir determinados objetivos sempre em interação com o meio exterior. |
Borges et. al. (2010) | Um conjunto organizado de meios humanos e materiais, virado para a produção de bens e serviços. |
Naturalmente, estas noções baseiam-se no conceito de organização e, muitas vezes, confundem-se com o termo. Em outros casos, foram incrementadas com os elementos que efetivamente distinguem a empresa das demais organizações constantes nos 1º e 3º setores: o empresário e o lucro. Em consonância com esta última configuração conceitual, Lisboa (2013) atesta que: “As empresas procuram não só satisfazer as necessidades dos seus clientes, mas também as daqueles que com ela trabalham (empregados, gestores, bancos, governos, etc.), necessitando de criar um excedente, não só para os seus proprietários, mas também para a própria empresa, de modo a permitir a sua autossustentação (sobrevivência) através da produção e comercialização de bens ou serviços. São ainda objeto de um controlo sistemático por parte do governo, nomeadamente no que diz respeito aos seus processos de fabrico e de prestação de contas para efeitos de tributação. A sua gestão obedece a um determinado processo que passa pela planificação, organização, liderança e controlo de todas as atividades realizadas por todos os intervenientes da empresa” (p. 14).
Neste mesmo sentido, Kinlaw (1998) enfatizava que a empresa é a força contemporânea mais poderosa de que se dispõe para estabelecer o curso dos eventos da humanidade e Borges et al. (2010) sublinham que as empresas são células base de toda a atividade económica. Defendendo a empresa como ator de um contexto global, Kinlaw (1998) refere que esta transcende as fronteiras e os limites do nacionalismo, exercendo influência predominante nas decisões políticas e sociais.
Considerando que elementos fundamentais da organização (objetivos, recursos, atividades e ambientes) fazem parte do conceito da empresa e ao extrair os demais elementos comuns e marcantes nos conceitos anteriormente apresentados (organização, empresário e recompensa) é possível afirmar que empresa é uma organização, no seu sentido pleno, formalmente instituída e gerida por um ou mais indivíduos, que também visa o lucro, como uma das recompensas pelo seu empenho e utilidade, para que este benefício seja participado aos seus investidores e/ou reinvestido na empresa. Por outras palavras, Leite et al. (2007) condensam este conceito da seguinte forma: “nas empresas, como em qualquer organização que vise a produção de bens ou serviços, as combinações de recursos (tangíveis – como equipamentos, instalações, etc. – e intangíveis – como know-how técnico e de gestão) e capacidades são geridas de modo a criar as competências essenciais ao desenvolvimento e prosperidade da organização e seus stakeholders” (p. 22).
Portanto e em súmula o conceito de empresa distingue-se do conceito de organização, precisamente e sobretudo por causa do seu fim último – o lucro/recompensa pelo investimento efetuado.
Referências
Borges, A., Rodrigues, A., & Rodrigues, R. (2010). Elementos de Contabilidade Geral (25 ed.). Lisboa: Áreas Editora.
Cabral, M. d. (2017). Le littéraire au confluent des disciplines. L’exemple des rapports avec la médicine. Cadernos de Literatura Comparada.
Chiavenato, I. (1994). Administração: teoria, processo e prática. São Paulo: Editora Makron Books – MacGraw Hill.
Chiavenato, I. (2014). Introdução à teoria geral da administração. Barueri: Editora Manole.
Coelho. (2010). Manual de Direito Comercial (22 ed.). São Paulo: Saraiva.
Crepaldi, S. A. (1998). Contabilidade gerencial: teoria prática. São Paulo: Atlas.
Diniz, M. H. (2011). Lições de Direito Empresarial (1 ed.). São Paulo: Saraiva.
Ferri, G. (1956). Manuale di diritto commerciale. Turim: Unione Tipográfica.
Gonçalves, C. R. (2012). Direito Civil Esquematizado (2 ed., Vol. 1). São Paulo: Saraiva.
Gonçalves, C., Rodrigo, J., Santos, D., & Fernandes, S. (2016). Contabilidade Financeira. Porto: Vida Económica.
Kinlaw, D. C. (1998). Empresa competitiva & ecológica – desempenho sustentado na era ambiental. São Paulo: Makron Books.
Leite, A. N., Albuquerque, A. B., & Leal, M. J. (2007). Economia do conhecimento e empresas. SPI – Sociedade Portuguesa de Inovação.
Lisboa, J. V. (2013). Aspectos gerais da empresa. Em J. Lisboa, A. Coelho, F. Coelho, & F. Almeida, Introdução à gestão de organizações (3 ed., p. 14). Porto: Vida Econômica.
Montcel, H. T. (1973). Dicionário de gestão. (Á. d. [et.al.], Trad.) Lisboa: Dom Quixote.
Richers, R. (1986). O que é empresa. São Paulo: Brasiliense.
Seixo, J. M. (2004). Introdução à Organização Empresarial. Lisboa: IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional.
Sousa, A. d. (1990). Introdução à gestão: uma abordagem sistémica. Lisboa: Editorial Verbo.
Teixeira, S. (2005). Gestão das Organizações (2 ed.). Madrid: McGraw Hill.
Vido, E. (2013). Curso de Direito Empresarial (3 ed.). São Paulo: Revista dos Tribunais.
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