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Mudança de comportamentos em saúde: como chegar ao paciente-sistema sendo “etic”

Mudança de comportamentos em saúde: como chegar ao paciente-sistema sendo “etic”

A evidência mostra que diferentes padrões de comportamento estão profundamente enraizados nos aspetos sociais e materiais das pessoas, assim como nas suas circunstâncias e no seu contexto cultural (NICE, 2007, p. 6), económico, político (WHO, 2019).

Os seres humanos são seres culturais, com uma enorme capacidade de sobreviver às adversidades, que repetem comportamentos muitas vezes influenciados pelos comportamentos de outros (modelação) (Bandura, 1963, 1986). Os contextos sociais e económicos influem no grau de acesso, compreensão e uso dos serviços de saúde (Espanha, Ávila & Mendes, 2016).

Na sua vivência, e entre os comportamentos que levam a vários desempenhos, as crenças dos indivíduos têm um importante papel na sua ação para a mudança. As crenças são um potencial de duas vias, que atuam positivamente para a mudança, quando por exemplo um individuo acredita que só a alimentação Y pode melhorar a saúde, ou invés, as crenças servem de resistência e constrangimentos obstando à mudança, como por exemplo acreditar que só a fé humana cura a contaminação de um vírus, ou que a urina de criança é curativa para algumas doenças de pele (situações relatadas por vários profissionais de saúde).

Porque é importante perceber os conceitos? Para podermos agir sobre a realidade nas suas várias dimensões.

A cultura influi nos comportamentos individuais e coletivos. Tylor (1920) na corrente do evolucionismo cultural definiu “cultura” como um conjunto complexo que compreende os conhecimentos, as crenças, os costumes e todas as outras aptidões e hábitos que o homem, enquanto membro de uma sociedade adquire”.

Quando falamos de cultura estamos a referir-nos a uma dimensão emic e etic, que são perspetivas que interferem no cuidado cultural: a emic remete para a forma como os indivíduos de uma cultura entendem o seu próprio mundo, e o estudo de uma cultura sem foco transcultural; a etic , está associada à interpretação de experiências vivenciadas na cultura de referência, após se ter experimentado certos fatores culturais, pelo que existe aqui o estudo de uma cultura com foco transcultural (Vijver, 2010).

E também por isto temos um “paciente-sistema “ (Vaz de Almeida, 2018) que balança entre o que lhe é proposto pelos seus influenciadores (família, pares, comunidade) os seus valores, e a assimilação das experiências que vai vivenciando pelos territórios e pessoas por onde passa, e neste caso, pelas experiências de saúde que tem. Estas experiencias de saúde, muitas vezes um recurso mal utilizado (Espanha e outros, 2016), têm uma poderosa influência do profissional de saúde, na sua relação interpessoal, e que, se estiver dotado do conhecimento e de ferramentas comunicativas e técnicas, contribuem decisivamente para moldar os seus comportamentos com vista a uma vida mais saudável. O profissional de saúde é um educador.

É na relação terapêutica que se constrói também a mudança de comportamento. E a saúde convive com este “paciente – sistema” (Vaz de Almeida, 2018, p. 36; Koh, 2010) de uma forma constante, permanente, desafiadora.

E para atingir a essência desse paciente sistema o profissional de saúde sai beneficiado quando usa uma estratégia “etic”, compreendendo o indivíduo dentro da sua cultura e as influências que as suas culturas (de origem e as relacionais) lhe provocam na sua saúde. O desenvolvimento de competências do profissional de saúde contribui decisivamente para a melhoria da relação terapêutica, e entre os comportamentos técnicos (de cura) estão as competências de cuidado (relacionais, comunicativas). O objetivo do profissional de saúde é permanentemente a procura de melhores resultados em saúde, para além da satisfação da relação terapêutica e da qualidade da relação, que é preenchida por um conjunto de elementos que fazem parte da conversa de cura e de cuidado (Greenhalgh & Heath, 2010).

Existe, porém, um poder desigual, mas positivo, entre o profissional de saúde e o paciente, especialmente quando existem barreiras ao nível da linguagem, cultura e classe social (The King’s Fund, 2010,p. 25), pelo que o lado mais forte desta “balança” é sempre o profissional de saúde (Almeida, 2018, p. 36).

Quando refletimos sobre mudança de comportamentos de indivíduos, é uma mais -valia pensar nos modelos psicológicos que atentam, para além da sua dimensão individual, cognitiva, emocional e comportamental, ao contexto em que o individuo se movimenta, nas dinâmicas mais ou menos abertas entre ele, a sua família e grupo de pares, a comunidade, a sociedade em geral e o mundo.

Mcleroy e outros (1988) e Engel (1981) lembram-nos da racional abordagem holística de ver o mundo e o indivíduo, sobretudo o paciente, como um paciente-sistema. As intervenções que bebem da psicologia social e da saúde refletem sobre os melhores caminhos para se obterem resultados. Adaptando também a teoria da resolução de problemas de Kim & Grunig (2011) é possível obter um caminho para a mudança de comportamentos.
O que dizem estes autores (Kim & Grunig) é que é necessário investir em 4 dimensões:

  1. O conhecimento
  2. As crenças e os constrangimentos que as pessoas têm
  3. A motivação necessária que é preciso incutir para a mudança
  4. O contexto e a dimensão cultural em que a pessoa se encontra

Assim, um paciente que precise de mudar o seu comportamento tem de conhecer o que precisa de mudar. E o conhecimento começa pela melhoria da informação do sujeito sobre esse assunto.

Em segundo lugar o individuo vive as suas crenças. É preciso saber quais as crenças favoráveis que podem ajudar na mudança? E quais as crenças desfavoráveis que podem impedir ou ser um obstáculo para a mudança.

Em terceiro lugar a motivação para a mudança também pressupõe a descoberta do que é significativo para esse individuo, a importância que dá ao tema e a sua eficácia no comportamento.

Em quarto lugar, atender aos hábitos, costumes, e contextos em que o indivíduo se move e quais os fatores de influência.

Considerando um conjunto de autores que profusamente têm refletido sobre formas de mudança de comportamentos, recolhemos ideias sobre a autoeficácia (Bandura), a mudança por estágios/níveis (Prochaska e outros, 1994) a resolução de problemas (Kim & Grunig), a assertividade, clareza de linguagem e positividade na consulta (Vaz de Almeida, 2016, 2018; 2019, 2020), a motivação (Sørensen e outros, 2012; Wonca, 2002) e apresentamos na tabela 2 um resumo de potenciais ações, intervenções que contribuem para a mudança de comportamentos em saúde.

Tabela 2 – Mudança de comportamentos em saúde

MUDAR COMPORTAMENTOS EM SAÚDE
1.       Relevância pessoal – destacar a importância dos comportamentos individuais de saúde
2.       Atitude positiva – promover sentimentos positivos em relação aos resultados da mudança  de comportamento
3.       Autoeficácia – aumentar a crença das pessoas na sua capacidade de mudar
4.       Normas descritivas – promover a visibilidade de comportamentos positivos de saúde nas pessoas aos grupos de referência, ou seja, nos grupos aos quais eles se comparam ou aspiram
5.       Intervenção subjetiva – aprimorar a aprovação social para comportamentos positivos de saúde em outros grupos de referência)
6.       Normas pessoais e morais – promover compromissos pessoais e morais para mudança de comportamento
7.       Formação de intenção e planos concretos – ajudar as pessoas a formar planos e metas para mudança de comportamentos ao longo do tempo e em contextos específicos
8.       Partilhar casos de sucesso – pedir às pessoas que os partilhem seus planos e metas com outras pessoas. Partilhar nos vários serviços e grupos de trabalho pelo menos um caso de sucesso por semana
9.       Ajudar as pessoas a desenvolver um conhecimento preciso sobre as  consequências para  a sua saúde os seus comportamentos
10.   Prevenção de recaídas – ajudar as pessoas a desenvolver habilidades, isto é, formas de “atuar”, assim como conhecimentos, formas de “saber” para lidar com situações difíceis e objetivos conflituantes
11.   Perceber quais as atividades “significativas “ para aquela pessoa mudar o comportamento. Perceber em que fase dessa mudança ela se encontra
12.   Desenvolver competências culturais. Saber os hábitos, atitudes, comportamentos, estigmas, estados de felicidade que se encontram em cada cultura para poder agira sobre o individuo
13.   Preparar toda a equipa com conhecimento sobre as intervenções positivas da literacia em saúde, nomeadamente nas dimensões do acesso, da compreensão e do uso de informações de saúde e navegabilidade no sistema
14.   Utilizar durante a relação terapêutica o Modelo ACP – Assertividade, Clareza de linguagem e Positividade (Vaz de Almeida, 2016, 2018, 2019, 2020)

Fonte: Vaz de Almeida, 2020.

 

Referências:

Bandura, A. (1963). Social learning and personality development. New York (NY): Holt, Rinehart, and Winston.

Bandura, A. (1986). Social foundations of thought and action: A social cognitive theory. Englewood Cliffs: Prentice-Hall.

Espanha, R., & Ávila, P. (2016a). Health literacy survey Portugal: Contributions for the knowledge and health and communications. Procedia Computer Science, 100, 1033-1041.

Espanha, R., Avila, P., & Mendes, R. M. (2016b). A literacia em saúde em Portugal. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian

Greenhalgh, T., & Heath, I. (2010). Measuring quality in the therapeutic relationship. An Inquiry into the quality of general practice in England. UK: The King’s Fund.

Kim, J.-N., & Grunig, J. E. (2011). Problem solving and communicative action: A situational theory of problem solving. Journal of Communication, 61, 120-149.

Koh, H.K. (2010). Foreword. In U.S. Department of Health and Human Services. National action plan to improve health literacy (pp. iii-iv). Washington, DC: Author.

McLeroy, K.R., Bibeau, D., Steckler, A. and Glanz, K. (1988). An ecological perspective on health promotion programs. Health Education Quarterly, 15, 351–377.

NICE. (2007). Behaviour change: the principles for effective interventions. Retrieved from: guidance.nice.org.uk/ph6

Prochaska, J.O., Redding, C.A., Harlow, L.L., Rossi, J.S., & Velicer, W.F. (1994). The transtheoretical model of change and HIV prevention: A review. Health Education Quarterly, 21(4), 471-486. doi: 10.1177/109019819402100410 40

Tylor, E.B. (1920). Primitive culture: researches into the development of mythology, philosophy, religion, art, and custom. London: Jonh Murray, Albemarle Street, W. Retrieved from:

https://archive.org/stream/primitiveculture01tylouoft#page/n7/mode/2up

WONCA. (2002). Definição europeia de medicina geral e familiar (Clínica Geral/Medicina Familiar).Barcelona, Espanha: WONCA.

Vaz de Almeida, C. (2018). Literacia em saúde: Capacitação dos profissionais de saúde: O lado mais forte da balança. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde: Modelos, estratégias e intervenção (pp. 33-42). Lisboa: Edições ISPA.

Vaz de Almeida, C. (2016). Acolher, Capacitar, Encaminhar – Literacia Em Saúde: Os Caminhos Para Uma Maior Capacitação Dos Profissionais De Saúde. In Congresso da Associação Científica de Enfermeiros (ACE). Revista En Formação, pp 8-15 Retrieved from: http://www.acenfermeiros.pt/ficheiros/uploads/6011fa933c32bfb94c5cc8388fcb30e6.pdf

Vaz de Almeida, C., & Belim, C. (2019a). Good Steps to Safety: Guidelines for Communication and Health Literacy. Patient Safety & Quality Healthcare

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Vaz de Almeida, C. (2019c). Capacitação dos profissionais de saúde. Literacia em saúde e competências de comunicação dos profissionais de saúde. O modelo de comunicação em saúde ACP. Revista Nephros, 21(1), 25-28.

https://www.researchgate.net/publication/335327823_LITERACIA_EM_SAUDE_CAPACITACAO_DOS_PROFISSIONAIS_DE_SAUDE_DESENVOLVIMENTO_DE_COMPETENCIAS_DE_COMUNICACAO_O_MODELO_ACP

Vaz de Almeida, C. (2020). Modelo de Comunicação em Saúde – ACP. Revista Enformação, 10, 20-22. Retrieved from: https://issuu.com/ace-enfermeiros/docs/10__revista_ace.pdf_1

Vijver F.J. (2010). Emic–Etic Distinction. In  Clauss-Ehlers C.S. (eds). Encyclopedia of Cross-Cultural School Psychology. Boston, M.A. : Springer. DOI: https://doi.org/10.1007/978-0-387-71799-9_158

(contato com a autora: vazdealmeidacristina@gmail.com)

 

Imagem gratuita em Pixabay

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