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Quem tem medo do Lóbi mau

Quem tem medo do Lóbi mau

Não. Não se trata de um erro no título…

Conhecem a história da Capuchinho Vermelho?

Há muitas versões…

Reza assim; sucintamente…

A avó da Capuchinho estava muito doente. E a mãe da Capuchinho, preocupada com a velha senhora, mandou-a ir visitar a avó e levar-lhe mel e bolinhos. Contudo, no dia em que a mandou, avisou-a para não se desviar do seu caminho, nem falar com estranhos. Mas a menina não obedeceu e, por causa disso, o lobo mau tomou conhecimento de onde ela ia e o que iria fazer, porque o lobo era matreiro e, quando meteu conversa com a ingénua menina, ela, disse-lhe tudo o que precisava saber. Por isso, quando a menina chegou à casa da avó, o lobo já a esperava, deitado na cama – depois de ter comido a avó –, imitando a velhinha. Nalgumas versões, depois de uma conversa sobre o tamanho das orelhas, dos olhos e da boca, devora a menina também; noutras, não. Seja como for, no final, a Capuchinho e a avó são salvas por um caçador e o lobo, numas versões, acaba por fugir; noutras não.

A moral desta história infantil é incentivar as crianças a obedecerem aos pais; devem sempre obedecer aos progenitores, irem sempre pelos caminhos mais seguros, evitarem ser curiosas e não falarem com estranhos.

Porque falo, eu, disto?

Para já, para vos pedir para pensarem um pouco em como isto condiciona de forma dramática, e culposa, a criança. Não só, a Capuchinho Vermelho desobedeceu à mãe, como, por culpa dela, a avó foi comida pelo lobo; ela foi uma menina má. E, infelizmente, por incrível que isto vos pareça, a criança leva esta lição para a vida adulta…

Todos nós, já graúdos e de forma genérica, evitamos falar com estranhos e ir por caminhos muito diferentes dos nossos pais, procuramos sempre os trajectos mais seguros e pensamos sempre duas vezes quando nos sentimos curiosos por qualquer coisa diferente… E é assim que vivemos um ciclo vicioso, perpetuando – de grosso modo – o nosso modo de vida; um modo de vida que é – de grosso modo, também – igual ao dos nossos pais, dos nossos avós e por aí em diante.

É claro que quando se olha para as coisas parece-nos que não. Afinal – para os da minha geração, pelo menos -, os pais não tinham computadores e telemóveis; quanto mais os avós… Mas eu não me estou a referir às coisas materiais, ao quotidiano prático e circunstancial das coisas, mas sim às práticas que temos, e vamos colocando em uso, enquanto crescemos, e depois de crescermos, na nossa relação com o mundo. Será assim, por exemplo, que o filho de uma família de médicos, dificilmente conseguirá ascender como outra coisa qualquer; ou que a filha de uma família de advogados conseguirá ter outra profissão que não advogada… Até porque, muito provavelmente, muitos nem pensaram nisso

O que é que eu quero dizer com isto? Que estamos condenados a repetir a vida dos nossos pais?

Não necessariamente. Mas é para isso que o sistema nos empurra, condiciona; se é com esse propósito, ou não, é outra conversa…

O que eu pretendo dizer não é, também, que «filho de peixe sabe nadar» ou que «quem sai aos seus não degenera» – ditados que, a bem dizer, também perpetuam essa ideia de continuidade familiar; e, muito menos, afirmar que o filhos de um carpinteiro só podem ser carpinteiros… Não. O que eu quero dizer é que ao longo do seu crescimento, principalmente em famílias com profundo tradicionalismo profissional, em que a profissão se tornou parte da identidade familiar, poucos serão os estímulos que uma criança receberá para ser outra coisa que não aquela que os pais eram; ou então, quando não há esse tradicionalismo ou identificação, a criança será apoiada a fazer algo similar aos pais. Seja como for, a criança será desencorajada – sempre – a fazer coisas diferentes das dos pais…

Não acham que isto está errado?

Eu acho.

Está errado porque todos nós somos um conjunto de competências e esse conjunto de competências torna-nos aptos a ser melhores numa coisa ou noutra; mas não necessariamente naquilo que os nossos pais eram… Ao se condicionar a criança desta forma, poderemos estar a impedir o surgimento de génios; poderemos criar profissionais medíocres, incapazes de se distinguirem, uma fonte de frustração para os pais e para eles, quando poderíamos estar a dar asas a alguém que poderia fazer mais pela humanidade…

Existem culpados?

Existem. Mas não são os pais e as famílias; como poderão estar a pensar. Estes são tão vítimas quanto as crianças…

A culpa é do lobo; ou melhor: do Lóbi…

Os Lóbis sempre existiram. Apesar de só deles se falar há coisa de 50 anos, eles sempre estiveram presentes na nossa sociedade. A função de um Lóbi é criar as circunstâncias de que um grupo de interesse precisa para conseguir vantagens. Como é evidente, os Lóbis são constituídos por pessoas de influência ligados ao grupo de interesse ou, então, com interesses que beneficiarão com as vantagens que o Lóbi pretende. E é assim que se acabam por constituir densas redes de interesses, invisíveis ao nosso olhar, que se abarbatam de sectores inteiros da nossa sociedade corrompendo a ordem natural das coisas e acabando por beneficiar minorias em detrimento dos melhores interesses.

Estou a falar de algum caso em particular?

Não.

Estou falar, apenas, dos mecanismos que a humanidade criou para manipular as massas e transformar a desvantagem numérica em vantagens, usando-se, para isso, das únicas coisas que tornam as pessoas estúpidas e ignorantes: o egoísmo e o medo.

E é isto… O lobo é para a Capuchinho Vermelho o que um Lóbi é para nós: uma ameaça à nossa capacidade de pensarmos pela nossa própria cabeça;  sermos curiosos e irmos mais longe do que temos ido, enquanto sociedade.

O lobo da Capuchinho Vermelho representa os perigos de não se ser conforme se deveria ser; de ser diferente do que os interesses da época queriam numa criança. E é difícil acreditar – sabendo o que se hoje se sabe sobre a nossa mente – que tenha sido ingénuo o condicionamento que tais histórias provocavam nas crianças, bem como que ignorassem que aquele condicionamento as acompanharia para o resto da vida… E se pensarmos que a Capuchinho era uma menina, e a avó uma mulher, não poderemos também ignorar o padrão de subserviência ao homem – ao viril caçador; principalmente se virmos como à criança se oprime a livre iniciativa e, por tal livre iniciativa ter tido lugar, só o surgimento do Herói masculino salvou tudo. E quanto ao lobo, na verdade, nunca se sabe se morre; numas histórias foge e noutras cai ao lago com a barriga cheia de pedras, mas nunca se ouve que o lobo morreu… Bom; nalgumas versões morre, mas isso não interessa agora.

O que interessa, agora, é que isto tudo fez-me pensar e fazer – para muitos, estou certo – esta viagem na maionese… No entanto, que outra coisa poderia ser um lobo que, depois de apanhado, nunca se sabe se morre ou desaparece?

Senhoras em senhores: um Lóbi…

Imagem de Richard Duijnstee por Pixabay

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