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“O cinema [contemporâneo] deu uma encaretecida!” — ou de como são revigorantes os festivais de cinema independente!

“O cinema [contemporâneo] deu uma encaretecida!” — ou de como são revigorantes os festivais de cinema independente!

Ocorrida entre os dias 24 de janeiro e 01 de fevereiro de 2025, a vigésima oitava edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, no Estado de Minas Gerais, dá uma importante oxigenada no cinema brasileiro, no sentido de que exibe produções que vão na contramão das ideias fixas e chavões conteudísticos, quanto ao que é produzido ordinariamente. Evento que inaugura o calendário de encontros entre novos filmes, críticos e públicos, esta mostra chama positivamente a atenção pelo estímulo às narrativas inusitadas e/ou comumente rejeitadas – ou, mais que isso, pela exibição de obras em que se constata a ausência de narrativa (tradicional) e o questionamento ostensivo da mesma. Por isso, a temática que norteia a atual edição é uma pergunta: “que cinema é esse?”. As respostas possíveis surgem durante as exibições, conversas e debates acalorados.

Um dos filmes que causaram celeuma, no que tange às proposições ora descritas, foi o longa-metragem pernambucano “A Primavera” (2025, de Daniel Aragão & Sérgio Bivar). Filmado com lentes analógicas soviéticas, anteriormente utilizadas por diretores consagrados — conforme um dos diretores, que também é diretor de fotografia, faz questão de ressaltar —, esta produção conta a história de amor entre duas pessoas com vivências marginalizadas, em razão de não serem favorecidos por benefícios públicos: de um lado, temos Jeová (Luiz Aquino), poeta um tanto desiludido, que escreve seus libelos de maneira trôpega e os entrega, de mão em mão, nas ruas recifenses; do outro, Maria (Eduarda Rocha), uma jovem prostituta, quase descrente no amor, de tanto que é humilhada e abusada em suas atividades. O encontro entre ambos permitirá um idílio, ao som de “Suzanne”, na versão de Leonard Cohen, mas há entrelinhas político-discursivas que precisam ser enfatizadas…

O repúdio de Jeová às medidas estatais, por perceber que ele é recorrentemente excluído de editais de financiamento cultural, parece encontrar eco nas filiações conservadoras da co-direção, visto que Daniel Aragão teve o descalabro de, numa situação anterior, colaborar com a feitura de um documentário de extrema-direita, além de apregoar ideias relacionadas a esta seara partidária. O modo estereotipado como surgem as definições masculinas e femininas, no filme, resvalam para um moralismo reprovável em sua assimetria, na maneira como os corpos das mulheres são filmados, através de ‘close-ups’ sexualmente invasivos, enquanto o protagonista masculino é exortado em sua rebeldia errante. Tudo isso veio à tona num acalorado debate, ocorrido na manhã de quarta-feira, 29 de janeiro de 2025.

No debate em pauta, Daniel Aragão, de maneira evasiva e utilizando termos em inglês, em meio às frases, evitava responder aos questionamentos dos debatedores Bernardo Oliveira e Bárbara Bello, não se sabe por não compreender as indagações ou por preferir incitar um tipo de provocação que soou progressivamente agressiva, sobretudo quando as pessoas da plateia começaram a se manifestar. Interrogado acerca de seus valores políticos, o diretor disse que considera o cinema feito em estúdio “preguiçoso”, declarou-se impressionado pela tecnologia (daí, a exortação das lentes que utiliza) e disse que, mesmo que o mundo seja “fascistóide pra caralho, na pista de dança, a gente dança com as pessoas”. Não se conseguiu disfarçar um incômodo que desencadeou para a belicosidade, sendo difícil avaliar o filme per si, inclusive porque alguns depoentes afirmaram “escolher não assisti-lo”, o que desencadeou uma manifestação iracunda por parte do supracitado co-diretor.

Felizmente, os filmes com ideologias efetivamente libertárias são abundantes da mostra, espalhados nas diversas seções competitivas e homenageantes. Dentre os vários títulos que merecem menção elogiosa, destacamos dois excelentes curtas-metragens, exibidos na noite de 27 de janeiro de 2025: “Entre Corpos” (2024, de Mayra Costa) e “Estrela Brava” (2025, de Jorge Polo). Este último é um terror ‘cult’, com alta desenvoltura homoerótica, que aborda o desamparo de um vampiro pós-moderno numa praia, durante a baixa temporada da região turística em pauta. Uma quase obra-prima imediata, que continua magistralmente os experimentos autorais dos projetos anteriores do realizador [“Corações Sangrantes” (2015) e “Canto dos Ossos” (2020)], cujas cenas ressurgem como se fossem ‘flashbacks’. Quanto ao primeiro — vide imagem de divulgação —, trata-se de uma surpreendente produção alagoana sobre uma assistente de alfaiataria que subverte os constantes assédios sexuais que recebe no trabalho, através de um mosaico de fotografias com registros dos corpos de seus amantes, agora submissos. Ressaltamos o corajoso desempenho da protagonista Ticiane Soares, que pronunciou a frase constante no título deste texto e que enfatizou a necessidade de apresentar cenas de masturbação feminina nas produções brasileiras. Muito importante que estes filmes proponham esse tipo de discussão, numa mostra absolutamente indispensável para quem realmente se preocupa com os rumos do cinema brasileiro no avançar do século XXI…

Wesley Pereira de Castro.

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