O Congresso Nacional brasileiro aprovou, em 2017, uma série de mudanças na legislação trabalhista, a que se chamou Reforma Trabalhista. Ocorrida com a sanção da Lei nº 13.467, de 2017, almejada pela classe empresarial por décadas, a Reforma Trabalhista foi, sem dúvida, a maior alteração das regras trabalhistas já efetuada no Brasil e representou um dos mais significativos retrocessos sociais da história do país.
Criada pelo Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, e sancionada pelo presidente Getúlio Vargas durante o período autoritário chamado Estado Novo, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT unificou toda a legislação trabalhista então existente no Brasil. Além disso, foi um marco histórico-legal por inserir, de forma definitiva, os direitos trabalhistas na legislação brasileira. O objetivo principal da CLT foi regulamentar as relações individuais e coletivas do trabalho nela previstas.
As mudanças que culminaram na Reforma não foram novidade para a classe trabalhadora. Há décadas as confederações empresariais e os defensores da flexibilização dos direitos trabalhista apresentam essas propostas no Congresso Nacional, sempre com o discurso de que a flexibilidade das relações de trabalho representaria sua modernização, dado o suposto arcaísmo do arcabouço jurídico trabalhista nacional.
A análise das proposições que tramitaram pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados nos quatro anos anteriores à aprovação da Reforma permite constatar a insistência do empresariado na flexibilização dos direitos trabalhistas. É possível constatar, também, que apesar de serem apresentadas e até pautadas para votação na Comissão, as propostas neoliberais ficaram “represadas”, impedidas de avançar devido à organização e à pressão de diversos grupos e entidades de trabalhadores. Favorecida pelo tamanho da bancada e utilizando-se de todos recursos regimentais disponíveis, a base governista dos governos do Partido dos Trabalhadores atuou estrategicamente na Comissão de Trabalho, impedindo que os projetos de lei prosperassem.
Nos anos que antecederam ao impeachment ocorrido em 2016, o empresariado e seus representantes no parlamento promoveram astutas manobras para verem aprovada uma das se suas maiores reivindicações: a terceirização das relações de trabalho. Durante o governo da Presidenta Dilma Roussef foi pautado no plenário da Câmara, com grande imposição do então presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha, o Projeto de Lei nº 4.330, de 2004, que tratava especificamente do trabalho terceirizado. Sendo votado em caráter de urgência, o projeto acabou por ser aprovado na Casa iniciadora, apesar de grande pressão dos trabalhadores. Todavia o projeto não foi adiante na Casa revisora, o Senado Federal, devido, principalmente, à articulação de partidos da base do governo petista.
Com a paralização do trâmite do Projeto de Lei nº 4.330, de 2004, no Senado, o governo do ex-presidente de Michel Temer desenterrou um projeto de lei de 1998 que tratava de alteração da legislação do trabalho temporário e terceirizado. Assim, em março de 2017, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.302, de 1998, por extensa margem de votos. Com a sua sanção, ficou legitimada a terceirização das atividades laborais no Brasil, inclusive as chamadas atividades fim.
Após o afastamento da Presidenta Dilma Roussef, tendo sido a promessa de alteração significativa na legislação trabalhista uma das moedas de troca por apoio político ao impeachment, o novo governo encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei contendo dezenas de alterações na CLT, inclusive, outra importante demanda do empresariado nacional: o direito de que o negociado prevalecesse sobre o legislado nas relações trabalhistas. Muitos outros aspectos do projeto de lei do governo, aprovado na forma da Reforma Trabalhista, violam regras da Organização Internacional do Trabalho (OIT), enfraquecem o Direito do Trabalho e são claramente retrocessos dos direitos sociais.
A Reforma Trabalhista foi aprovada na Câmara dos Deputados com o resultado de 296 votos favoráveis e 177 contrários, tendo tramitado no Senado Federal sem alterações, para que fosse mais célere sua sanção. Questões polêmicas referentes ao trabalho autônomo, à terceirização, ao trabalho intermitente e ao trabalho de grávidas em lugares insalubres foram mantidas no texto da lei, por força de um acordo de líderes no Senado Federal, que previa a posterior edição de uma Medida Provisória pelo Presidente da República contendo sua revisão. Meses após a sanção da Reforma, a Medida Provisória acordada efetivamente foi editada, porém com conteúdo parcial e muito aquém das expectativas. Condenada desde o início, a MP nº 808, de 2017, caducou por não ter sido votada em tempo hábil, até seis meses após sua edição.
O resultado da Reforma Trabalhista é visto dia após dia na vida dos trabalhadores: o negociado nas convenções e acordos coletivos tendo supremacia sobre o que é garantido há décadas pela CLT; demissões sem a presença, assistência ou conferência dos sindicatos; jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso; trabalho intermitente sem a garantia do salário mínimo mensal; demissão coletiva sem negociação; ausência de assistência gratuita na Justiça do Trabalho; terceirização das atividades meio e fim; trabalhador autônomo com jornada exclusiva e habitual; e, por absurdo que pareça, permissão para gestantes trabalharem em local insalubre.
Não bastassem todas as perdas provenientes da Reforma Trabalhista, o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, fala agora em flexibilizar o trabalho infantil, enquanto uma nova revisão da legislação trabalhista é gestada, com vistas a novas “modernizações”. Este será o próximo passo que distanciará ainda mais o Brasil da valorização da classe trabalhadora, do combate à miséria e à justiça social neste que é um dos países mais desiguais do mundo.
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