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O paradoxo das escolas militarizadas na sociedade do desempenho

O paradoxo das escolas militarizadas na sociedade do desempenho

O filósofo Byung-Chul Han, em A sociedade do cansaço, defende que o século XXI difere do século XX em virtude da forma como organiza suas enfermidades fundamentais. Enquanto o século passado ergueu-se sobre o paradigma imunológico, negativo, onde o diferente representava risco, o século atual vive sob o paradigma neuronal, marcado pela positividade excessiva de uma sociedade permissiva, pacificada e crescentemente inclusiva.

“A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade do desempenho”. Seus habitantes, outrora sujeitos da obediência, são hoje sujeitos de desempenho, “empresários de si mesmos”. Dessa mutação decorrem as principais patologias da época: doenças neuronais ocasionadas pelo excesso de autocobrança, como a depressão, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, a síndrome de Burnout, entre outras.

Enquanto a sociedade disciplinar, genitora dos sujeitos da obediência, é uma sociedade da negatividade advinda da proibição, do mandamento e da lei, a sociedade do desempenho, ao se desregulamentar, aproxima-se cada vez mais da positividade, sendo o locus do projeto, da iniciativa, da motivação.

A mudança de paradigma da disciplina para o desempenho mantém contínuo o inconsciente social que busca a maximização da produção. É para elevar a produtividade que o esquema negativo de poder é substituído. É porque “a positividade do poder é bem mais eficiente que a negatividade do dever” que o sujeito do desempenho é um trabalhador mais rápido e produtivo que o sujeito da obediência, ainda que adoecido.

Aos propósitos desta reflexão importa destacar a mudança de paradigma apontada por Han e a necessidade, paralela, de uma pedagogia da vida positiva ou da autogestão do trabalhador em uma sociedade do trabalho desregulamentado. Se é verdade que “os muros das instituições disciplinares, que delimitam os espaços entre o normal e o anormal, se tornaram arcaicos”, é suposto o arcaísmo das próprias instituições disciplinares, aqui pensada especificamente a escola.

A tradicional escola disciplinar, formadora dos sujeitos da obediência, não se encaixa na formação de indivíduos aptos a produzir e sobreviver à autogestão e às exigências psíquicas do padrão produtivo contemporâneo. Se nos países desenvolvidos a escola se abre cada vez mais ao novo, no Brasil vivemos uma contradição. Ao passo em quem o Congresso Nacional vota sucessivas quebras na regulamentação dos direitos e proteções trabalhistas, ampliando expedientes laborais como a terceirização, a “uberização” e outras expressões da precarização do trabalho presentes na economia de desempenho, prefeitos, governadores e o próprio Presidente da República defendem o anacronismo, propondo – e executando – a militarização das escolas públicas.

Sob o signo do medo, advogando a falência da escola pública regular – falida, se é que está, em virtude justamente de falta de investimentos e inovação, inclusive pedagógica –, governos autoritários apostam no paradoxo: buscam erigir economias capazes de dialogar com as já estabelecidas economias de desempenho, mas fomentam uma escola retrógrada, ontologicamente incapaz de conduzir a sociedade a qualquer estágio de desenvolvimento tipicamente contemporâneo.

Não é possível formar o sujeito de desempenho – esse sujeito passivo frente ao excesso de positividade – em uma escola da obediência. A obediência e o desempenho são paradigmas antagônicos. Escolas militares representam a sociedade da obediência e formam seus indivíduos. Para a sociedade do desempenho é necessária uma escola diferente, imperativamente livre e aberta, onde o futuro trabalhador abrace a ideologia da liberdade, sem amarras ou grilhões, e por ela seja convencido de que a precarização do trabalho é o que de melhor pode lhe acontecer, já que, em troca, ele assumirá a chefia de si mesmo. Nessa nova escola, contrariamente à escola militarizada, as múltiplas identidades juvenis podem e devem se expressar, posto que são elas a expressão da própria liberdade ideologicamente atribuída ao novo sujeito social.

Em que pese ser a escola democrática uma bandeira das esquerdas, há que se considerar que para o sucesso da própria economia liberal não basta desregulamentar o mundo do trabalho como tem sido feito, é fundamental que se invista na escola do convencimento. E não se trata apenas de adaptar a escola às demandas dos estudantes para otimizar seu desempenho. Trata-se, antes, de trazer a escola para o século XXI, adaptando-a às demandas de um novo – mas já atual – paradigma social e produtivo, frente ao qual a militarização é notoriamente antagônica, anacrônica e contraproducente.

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