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O Natal e a Amizade

O Natal e a Amizade

O Natal não é apenas um momento importante no calendário cristão. É sobretudo um período de reunião familiar, em que as pessoas se juntam e relembram os laços emocionais que as ligam. O Natal é ainda uma ocasião de paragem, aproveitado por muitos para refletir sobre o ano que passou, e tomar decisões para o ano que se avizinha. É como um ciclo que se fecha, e outro que se inicia, permitindo, assim, renovar energias, motivações, e vontades.

Nas semanas que antecedem o Natal multiplicam-se os almoços, lanches, jantares e encontros com amigos de longa data, ou de datas mais recentes. É nesta altura que se faz aquele telefonema para um amigo com quem há muito não se fala; que se envia o tal postal (ou mensagem nas redes sociais) para o amigo que está longe; ou que simplesmente se pensa naquele amigo chegado, que há muito se perdeu o rastro. O período natalício é, definitivamente, uma celebração da amizade.

A amizade, tal como outros sentimentos profundos, não é quantificável nem definível nem observável. Pertence àquela rara classe de interações humanas que todos sabem do que se trata, mas cuja tradução em palavras estará sempre incompleta. E, todavia, a amizade tem sido alvo de reflexão filosófica, artística, científica e teológica, o que atesta a sua centralidade na existência humana. Entre as características fundamentais que compõem a amizade incluem-se: prazer pela companhia, confidência, confiança, compreensão, ajuda mútua, autenticidade, respeito e aceitação. Percebe-se, assim, que a amizade consiste em deixar um “tu” aproximar-se de um “eu”, de uma forma absolutamente única, quando comparada a outras interações humanas. Como escreveu Aristóteles, “a amizade é uma alma com dois corpos”. Se uma escala de sentimentos nobres existisse, a amizade disputaria as posições cimeiras com o amor romântico e com as relações entre familiares próximos.

A amizade é central ao longo de toda a vida, e não parece depender de fatores culturais, sociais, ou de outras diferenças entre os entes amigos. Na verdade, a amizade parece independer seja do que for, a não ser dos elementos definidores que estão na base da relação entre dois ou mais seres. É assim que se compreende: 1) que pessoas que não saibam de si há um quarto de século, reatem o contato na primeira oportunidade; 2) que amigos separados por oceanos, retomem conversas e rotinas conhecidas quando se reencontram; e 3) que seres humanos e animais sejam capazes de desenvolver relações de amizade. No 1 e no 2 mostra-se como é que a amizade resiste às provas do tempo e do espaço, mas é no 3, de amizade inter-espécies, que se confirma a singularidade deste poderoso sentimento.

Mais do que tentar entender o que é a amizade, importa perceber os seus efeitos sobre um indivíduo. E a este respeito, é curioso evocar o que existe de comum entre os habitantes de Seulo (Sardenha), Ogimi (Okinawa), Loma Linda (California), Nicoya (Costa Rica), e Icaria (Grécia).

As localidades e/ou regiões atrás enunciadas deram origem à noção de blue zone, popularizada por um artigo publicado na National Geographic, em 2005, da autoria de Dan Buettner. Uma blue zone é uma área onde as pessoas vivem em média mais tempo do que o resto da população. Seulo, por exemplo, tinha em 2016 vinte pessoas centenárias, entre cerca de mil habitantes, o que lhe permitiu ganhar o título de local onde as pessoas vivem mais tempo no planeta. Nestes locais não se vive apenas mais; vive-se com menos doença: em Icaria, a incidência de cancro é 20% menor do que no resto do mundo, tal como a de doenças cardiovasculares (menos 50%); a demência praticamente não existe nos mais velhos, que perfazem um terço dos habitantes. Similarmente, os habitantes de Nicoya, incluindo a sua população de octogenários e nonagenários, desconhecem a depressão, assim como outras doenças do foro psicológico.

A explicação para esta longevidade com qualidade reside em vários fatores que ademais interagem entre si: alimentação semi-vegetariana, atividade física regular, reduzidos comportamentos de risco (tabagismo e consumo de álcool), estresse reduzido, espiritualidade ou religiosidade, laços familiares, e vida social e comunitária. O último fator é centrado nas amizades entre os membros das comunidades, muito embora não se cinja a essas relações. Em Ogimi, o termo moai designa grupos de amigos que se constituem desde a infância, e que tendem a durar uma vida. E estes habitantes da ilha de Okinawa não fazem as coisas por menos: alguns moai estão ativos há 90 anos! A importância dos moai japoneses não se cinge ao cultivo de relações amigáveis; de facto, é através dos moai que se reproduzem e copiam os hábitos de vida saudáveis, como a alimentação semi-vegetariana e os reduzidos comportamentos de risco.

A amizade parece ser, assim, essencial para resolver as necessidades de pertença de qualquer um, como aliás proposto por Maslow nos anos 50 (a amizade está no nível intermédio da pirâmide de Maslow, acima das necessidades fisiológicas e de segurança, e antes das necessidades de auto-estima e de realização). Até a personagem de Tom Hanks sentiu essas carências, no filme de 2000, Cast Away, uma história de um náufrago isolado do resto do mundo. Para sobreviver ao isolamento extremo prolongado, Hanks desenvolve uma amizade com um amigo imaginário, o famoso Wilson, desenhado numa bola de voleibol.

Uma última palavra sobre os três níveis de amizade, segundo Aristóteles. O primeiro nível é a amizade baseada na utilidade, ou seja, num interesse mútuo, e em que é possível encontrar alguns dos elementos atrás expostos, como o respeito e a confiança. A segunda é a amizade por prazer, em que se retira contentamento pela relação com a outra parte. É uma amizade que, tal como a primeira, tende a terminar, quando finda a razão da sua existência. A terceira forma de amizade é a mais elevada, e é baseada na virtude. Aqui os amigos aceitam e respeitam o que define cada um deles, ou seja, anuem sobre as virtudes um do outro. Mais, cada um contribui para que o outro viva a vida com as virtudes que detém. Aristóteles define esta amizade como a verdadeira, que engloba as outras duas, e que não se dissolve no tempo.

Estimado leitor, sendo o Natal o momento do ano em que se celebra a amizade, fica o repto para, depois de ler este texto, faça o tal telefonema ou mande o tal postal (ou mensagem nas redes sociais) para os seus amigos.

A todos os amigos, um Feliz Natal.

 

Imagem: a foto é de autoria do próprio Jorge Gomes, um registro em março último, na cidade de Pyatigorsk, no Cáucaso. Rússia. 

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